O Estado de São Paulo, n.46350, 11/09/2020. Metrópole, p.A12

 

Ação da BCG contra covid será avaliada

Paula Felix

11/09/2020

 

 

Pesquisa com 10 mil voluntários em Brasil, Reino Unido, Holanda e Espanha vai checar se ela protege contra o agravamento da doença

Estudada em outros países, a vacina contra o bacilo Calmette-Guérin (BCG), que protege contra a tuberculose, vai começar a ser esquadrinhada no Brasil, a partir de outubro, como estratégia de proteção contra a covid19. O imunizante é aplicado obrigatoriamente no País desde 1976 e pesquisas já apontaram que o número de mortes no Brasil poderia ter sido maior sem essa medida.

Assim como as pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Austrália e Holanda, os testes serão feitos com profissionais que atuam na linha de frente no combate à doença. A proposta é avaliar os efeitos da vacina em 10 mil voluntários, dos quais 3 mil serão brasileiros. Os demais serão de Austrália, Reino Unido, Espanha e Holanda.

A proposta, segundo o infectologista Julio Croda – pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que vai atuar no projeto – é identificar se a vacina protege ou não contra o novo vírus, evitando a evolução para formas graves da doença. "Ela (a BCG) tem dois diferenciais importantes. É uma vacina que já foi usada muitas vezes, são 120 milhões de crianças que tomam anualmente e os efeitos adversos são raros, e não tem limite de idade superior", afirma Croda, que também é professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Escola de Saúde Pública de Yale (EUA). "Muitos estudos com vacinas estão sendo feitos com pessoas entre 18 e 50 anos. Isso é importante para os idosos."

O estudo será realizado pela Fiocruz em parceria com o Murdoch Children's Research Institute, da Austrália, com financiamento da Fundação Bill e Melinda Gates. No Brasil, 2 mil voluntários serão recrutados em Mato Grosso do Sul e os outros mil serão do Rio. Os voluntários serão acompanhados durante um ano e pessoas que já foram infectadas ou tiveram sintomas do vírus não poderão participar.

"Seguimos os modelos de outros estudos e os profissionais de saúde são as pessoas com maior fator de risco para aquisição do vírus. Eles serão acompanhados semanalmente. Este vai ser o maior ensaio clínico de fase 3 usando a BCG", diz Croda, que integrou o Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta.

Segundo o pesquisador, dois estudos recentes foram referência para essa pesquisa. "Um realizado na África mostrou que a vacina protege contra infecções e óbitos em curto prazo, no primeiro ano de vida. E outro, que saiu na (revista científica) Cell, mostra que ela previne infecções virais em idosos." Se comprovado o benefício, a BCG pode se tornar uma opção enquanto o imunizante específico para evitar a doença não é lançado. "Muito provavelmente, a BCG não será utilizada no futuro, mas pode ser uma alternativa enquanto não houver nenhuma vacina", conclui.

  

Eficaz. Um estudo da Universidade de Michigan (EUA), publicado na Science, apontou que o total de mortes por covid-19 registradas no Brasil poderia ser 14 vezes maior se a BCG não fosse obrigatória no País. Pesquisas sugerem que a vacina tem efeitos benéficos na imunidade contra infecções pulmonares, o que a tornaria importante na prevenção da covid.

Embora seja obrigatória no Brasil e dada aos recém-nascidos ainda na maternidade, a cobertura vacinal da BCG está em queda no País. Conforme mostrou o Estadão, a vacina teve a menor cobertura da série histórica desde 1994, com 85,1% dos bebês vacinados em 2019. Foi a primeira vez em 25 anos que ela não alcançou a meta federal de 90% dos recém-nascidos protegidos.

Vantagens

"(A BCG) tem diferenciais importantes. Já foi usada muitas vezes, 120 milhões de crianças tomam todos os anos, efeitos adversos são raros e não há limite de idade superior."

Julio Croda

PESQUISADOR DA FIOCRUZ