O Estado de São Paulo, n.46361, 22/09/2020. Metrópole, p.A10

 

Com 60 focos por dia, Pantanal tem o maior número de incêndios desde 1998

André Borges

22/09/2020

 

 

Ambiente. Foram 5,9 mil registros apenas este mês, conforme os dados relatados pelo Inpe. A grande nuvem de fumaça já atinge quase 5 mil quilômetros quadrados e, segundo especialistas, pode chegar a 8 mil quilômetros quadrados, ampliando os riscos a saúde

Somados todos os incêndios ocorridos no Pantanal desde 1.º de janeiro, 2020 já é o ano com mais queimadas da série histórica, medida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desde 1998. Em menos de nove meses, o bioma chega a 16 mil focos (60 em média por dia) – 5,9 mil este mês. Antes, o ano com mais registros foi 2002, com 12,5 mil. A maior planície inundável do planeta, com cerca de 150 mil quilômetros quadrados espalhados entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde o fogo já destruiu 1,7 milhão de hectares.

Os efeitos das queimadas no Pantanal e também em parte da Amazônia têm avançado para pelo menos outros cinco países vizinhos ao Brasil. A grande nuvem de fumaça já tem quase 5 mil km² e, segundo especialistas, pode chegar a 8 mil km².

No sábado, imagens de satélite divulgadas pelo Inpe mostraram a intensidade das queimadas no Pantanal, com a chegada de grandes nuvens de fumaça a Argentina, Bolívia, Paraguai, Peru e Uruguai. Nas grandes cidades de Sul e Sudeste, as queimadas da Amazônia e Pantanal deixaram de ser uma preocupação com o ambiente para se transformarem em riscos à saúde.

Não bastasse a preocupação das pessoas com os riscos de contaminação pela covid-19, especialistas passaram a alertar que, caso a fuligem desça para as camadas mais baixas da atmosfera, é preciso tomar cuidado para que não seja respirada, porque pode se instalar no pulmão e ser distribuída no sangue. Em cenários mais graves, essa mesma fumaça pode até causar complicações cardiovasculares, como enfarte e AVC.

"Os contaminantes das queimadas estão circulando na atmosfera com as massas de ar. Então, ao chover, com certeza a água da chuva virá contaminada. Não tem muito o que discutir sobre isso", explica o pesquisador do Programa de Queimadas do Inpe, Alberto Setzer.

Diante do incêndio que avança pelo Pantanal, que já teve 15% da área atingida pelas queimadas, entidades e personalidades se uniram para subscrever uma carta aberta em defesa do bioma. No documento, lançado neste domingo, os signatários acusam de omissão a gestão do presidente Jair Bolsonaro e cobram responsabilização. Entidades e associações de juristas e de defesa do meio ambiente também endossaram a manifestação, incluindo Associação Juízes para a Democracia, Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, Comissão do Meio Ambiente da OAB-SP e Instituto de Proteção Ambiental (Proam).

Como fez em 2019, o governo enfrenta o fogo e a devastação do meio ambiente com as mesmas ferramentas: nega qualquer anormalidade no cenário e atribui a situação aos meses de seca. Além de culpar os indígenas pelos incêndios, entra em confronto com os dados científicos, faz demissões de chefes do setor, critica a publicidade dos dados, culpa a imprensa por divulgar as informações, e até incrimina as organizações não governamentais. Por fim, afirma que é vítima de conluio de países europeus interessados em minar o agronegócio.

O governo brasileiro conseguiu se isolar completamente até de seus vizinhos na América Latina. No ano passado, quando as queimadas da Amazônia ganharam repercussão internacional, o presidente chileno, Sebastián Piñera, chegou a visitar o Brasil e anunciou o apoio ao País em ações de combate. Neste ano, porém, não há registro de contatos internacionais.

Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioambientais (Inesc), Alessandra Cardoso, a redução das forças de fiscalização de órgãos como Ibama e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO) contribuiu para o problema e é reflexo da incapacidade de controlar a situação. "A disputa dos militares pelo protagonismo da ação contra o desmatamento na Amazônia e a forte orientação de recursos orçamentários para a pasta da Defesa, em detrimento dos órgãos ambientais, configura não uma inação, mas uma ação de desmonte da política de clima e proteção da floresta", diz.

Amazônia. A situação não é diferente no Norte. Se em setembro de 2019 a Amazônia teve 19,9 mil focos de incêndios, neste mês ainda inacabado já caminha para superar a marca de 30 mil pontos identificados. O volume consolidado em 2020 já ultrapassou os 70 mil focos de queimadas na região, ante os 89 mil registrados nos 12 meses do ano passado.  / COLABOROU BRUNA PINHEIRO, ESPECIAL PARA O ESTADO

Sob o olhar da Nasa

116.477

registros de queimada foram feitos na América do Sul, entre 1º e 16 de setembro, segundo o serviço Fire Information for Resource Management System, da Nasa.