Correio braziliense, n. 21032, 24/12/2020. Política, p. 3

 

Em casa, mas sem telefone

Renato Souza 

24/12/2020

 

 

A revogação da prisão do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), tornou-se uma novela no Poder Judiciário. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, substituiu a prisão preventiva por regime domiciliar. No entanto, a decisão não foi acatada de imediato pelo plantonista do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto. Ele afirmou que a expedição do alvará de soltura deveria ser realizada pela relatora do caso, Rosa Helena Macedo. A magistrada, no entanto, determinou busca e apreensão na casa do político antes de autorizar a ida dele para o domicílio, um condomínio na Barra da Tijuca.

Crivella é acusado de chefiar um esquema de pagamento de propina para agentes públicos por parte de empresários. Ontem, no começo da noite, 24 horas após determinar a prisão domiciliar, Humberto Martins editou um novo despacho, desta vez, dando prazo de 48 horas para que Crivella fosse mandado para casa. O ministro alegou que a determinação anterior não foi cumprida. Ele pediu que o presidente do TJ do Rio, Henrique Figueira, preste informações sobre o andamento do caso.

Na terça-feira, ao receber a ordem de soltura, o desembargador Joaquim Domingos afirmou que não poderia expedir o documento que autoriza a ida do prefeito para a prisão domiciliar.

Ele determinou que Rosa Helena, juíza natural do caso, fosse oficiada para decidir. A magistrada, por sua vez, antes de autorizar a soltura, decidiu pelo cumprimento de um mandado de busca e apreensão. De acordo com o despacho, antes da ida de Crivella para o local, deveriam ser apreendidos "terminais telefônicos fixos, computadores, tablets, laptops, aparelhos de telefone celular e smart tevês da residência", com a finalidade de auxiliar na investigação. Além disso, Rosa Helena determinou o uso de tornozeleira eletrônica por parte do investigado.

Movimentações
No momento em que ia realizar exame de corpo de delito, procedimento de rotina para ingressar no sistema penal, Crivella afirmou ser inocente. Durante as investigações, relatórios de inteligência financeira apontaram movimentações atípicas na Igreja Universal do Reino de Deus, onde Crivella atua como bispo, mas se mantém afastado para exercer o cargo político.

Os valores suspeitos nas contas da instituição religiosa chegam à cifra de R$ 6 bilhões. Em nota, a Universal nega qualquer irregularidade. "A Universal já enviou à desembargadora relatora do processo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), em outubro de 2020, uma petição esclarecendo cada uma das entradas e saídas dos valores que constam do relatório do Coaf. Dessa forma, com total transparência, a Igreja comprovou que não há 'movimentação atípica' ou 'anormal'. Todos os valores têm origem e destino legais e declarados", informou a igreja.

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Juristas veem falhas na prisão domicilar 

Augusto Fernandes 

24/12/2020

 

 

A saída da prisão do prefeito afastado do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, para um regime de reclusão domiciliar foi mais um caso de personagens do cenário político do país que, recentemente, tiveram direito ao mesmo benefício. Além do político, alguns exemplos são a ativista Sara Winter e do jornalista Oswaldo Eustáquio, alvos de inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar das instruções do Poder Judiciário para que Winter e Eustáquio respeitassem restrições durante a prisão domiciliar, como não usar redes sociais e não sair de suas residências, eles descumpriram as ordens. Eustáquio, inclusive, teve a prisão decretada na última semana após se dirigir pessoalmente ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O jornalista se recupera de uma lesão na coluna após sofrer uma queda no presídio da Papuda.

Winter, por sua vez, teve os perfis pessoais na internet derrubados, mas criou contas alternativas para se manifestar. Na maior das polêmicas, em agosto, ela divulgou informações pessoais de uma menina de 10 anos que fez um aborto depois de ser estuprada pelo próprio tio. Ao contrário de Eustáquio, contudo, ela segue reclusa dentro de casa.

Os episódios recentes, na avaliação de juristas, mostram que a concessão de prisões domiciliares pode representar riscos para o inquérito judicial. A depender do poder de influência da pessoa que é alvo da investigação, a saída dela da prisão, mesmo que sob uma série de condicionantes, não livra a apuração de interferências.

"A prisão domiciliar pode ser perigosa ou inadequada em alguns casos dada a capacidade de influência e de interferência do preso na fase investigatória. Alguns presos, devido à sua ascendência econômica ou política, podem figurar como pessoas inadequadas para ter esse benefício", pondera o advogado constitucionalista Marcellus Ferreira, mestre em direitos e garantias constitucionais pela Faculdade de Direito de Vitória.

Ferreira nota que o alvará de soltura expedido pelo STJ em favor de Crivella ocorre em um momento no qual a cidade do Rio de Janeiro está "sob um caos administrativo justamente por conta da interferência e da ação de políticos mal-intencionados". No entendimento do advogado, "algumas categorias de pessoas são mais favorecidas. Há um endurecimento muito grande em relação a determinadas categorias e um afrouxamento em relação a outras. Essa assimetria de tratamento jurisprudencial e jurisdicional é um desvio. O sistema penal brasileiro, em alguns pontos, é excessivamente garantista", critica.

A advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV), acrescenta que, apesar de Crivella ter sido privado de usar celular e computadores próprios, a incomunicabilidade dele nunca será absoluta, mas, sim, relativa.

"A partir do momento que se comunicar com alguém, ele pode prejudicar o andamento da investigação — que é um dos requisitos para a pessoa ficar presa preventivamente —, e oferecer um risco à ordem pública e econômica", alerta.

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Pagamento de empresários 

24/12/2020

 

 

Além do prefeito Marcelo Crivella,  foram presos o empresário Rafael Lopes e delegado aposentado Fernando Moraes. O ex-senador Eduardo Lopes, também do Republicanos, está sendo procurado pela polícia. As investigações conduzidas pelo MInistério Público do RJ e pela Polícia Civil indicam que empresários com interesse em fechar contratos ou com dinheiro a receber do município entregariam cheques para o empresário, irmão de Marcelo Alves, então presidente da Riotur. Em troca, Rafael facilitaria a assinatura dos contratos e o pagamento das dívidas.