Correio braziliense, n. 21031, 23/12/2020. Economia, p. 8

 

Inflação esvazia ceia de Natal dos brasileiros

Rosana Hessel 

Jailson Sena 

23/12/2020

 

 

A prévia da inflação oficial, o Índice Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), acumulou alta de 4,23% em 2020, após subir 1,06%, em dezembro, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados ontem.

O resultado mostrou aceleração sobre a alta de 0,81% de novembro e foi o maior avanço para o mês desde 2015. A variação de janeiro a dezembro de 2020 foi a mais elevada para o período desde 2016, quando o indicador subiu 6,58%. Em 2019, o IPCA-15 avançou 3,91%.

A forte alta no preço de alimentos e bebidas foi o principal combustível para IPCA-15, segundo o IBGE. O grupo liderou as altas, subindo 2% em dezembro, e acumulando avanço de 14,36% no ano, o maior patamar desde 2002, de 18,11%.

A carestia dos alimentos durante a pandemia foi reflexo do maior consumo desses produtos pelos beneficiários do auxílio emergencial, de acordo com analistas. E a alta das commodities e o dólar mais valorizado, neste ano, contribuíram para o aumento das exportações, o que encareceu itens comuns à mesa do brasileiro, como arroz, feijão, carne, batata e óleo de soja.

Diante da disparada dos alimentos, os consumidores estão mudando os hábitos neste fim de ano para não estourar o orçamento. A moradora de Sobradinho Isabel Santos, 51 anos, contou que pretende fazer uma comemoração mais modesta. "Arroz, carne e outros produtos estão muito caros. Vou ter que fazer receitas mais simples." Segundo a dona de casa, o ano de 2020 foi desafiador, porque foi obrigada a economizar muito, "cortando itens não essenciais" toda vez que ia ao supermercado.

Para a dentista Ana Aparecida Alves, 43 anos, economizar é a palavra de ordem quando vai fazer compras. "Sempre vejo os folhetos e pergunto a amigos se encontraram algum supermercado onde os preços da carne, por exemplo, está mais barato", afirmou a moradora de Ceilândia.

De acordo com o IBGE, entre os alimentos consumidos em domicílio, que registraram inflação de 2,75% em dezembro, os maiores vilões foram a batata inglesa e o óleo de soja, cujos preços subiram 17,96% e 7%, respectivamente, desacelerando em relação às altas de 33,37% e de 14,85%, no mês anterior.

Outros destaques foram carnes, com alta de 5,53%, arroz, de 4,96%, e frutas, de 3,62%. Um grande vilão de inflações passadas, o tomate, teve queda de 4,68% em dezembro.

O grupo com a segunda maior alta no mês foi o de habitação, de 1,50%, puxado pela subida da energia elétrica (4,08%), devido à volta da bandeira vermelha patamar 2, que implica acréscimo de R$ 6,243 a cada 100 quilowatts-hora consumidos.

Outras altas expressivas foram alimentação fora do domicílio (2,6%), gasolina (2,2%), energia elétrica (4,1%) e passagens aéreas (28,3%). Entre os grupos pesquisados, apenas o vestuário apresentou queda em dezembro, com recuo de 0,44%.

No acumulado do ano, as categorias que mais subiram entre os alimentos e bebidas foram cereais e oleaginosas( 59,64%), tubérculos, raízes e legumes (52,73%) e óleos e gorduras (58,74%).

 No DF
Brasília foi a capital com a menor variação do IPCA-15 em dezembro — 0,81%. A carestia foi liderada por Porto Alegre, com avanço de 1,53%, seguida por Rio de Janeiro, com 1,28%.

O indicador reflete a alta dos preços para as famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos e abrange as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, São Paulo, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba, além de Brasília e de Goiânia.

No acumulado do ano, Recife foi a capital com maior taxa do IPCA-15, de 5,02%. A menor ficou novamente com Brasília, de 3,07%, conforme o IBGE.

* Estagiário sob supervisão de Odail Figueiredo

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Mercado esperava taxa maior 

23/12/2020

 

 

A alta de 1,06% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de dezembro ficou abaixo das estimativas do mercado, que esperava variação de 1,17%, no mês, e de 4,35%, no acumulado do ano.

O resultado reduziu, em parte, a preocupação com a retomada do ciclo de alta de juros logo no começo de 2021. A possibilidade de elevação de juros foi indicada na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que sinalizou a possível retirada do foward guidance, instrumento de gestão utilizado desde agosto para indicar manutenção da taxa básica, a Selic.

Um ponto positivo apontado por analistas foi o enfraquecimento no índice de difusão do IPCA-15, que passou de 66,5%, em novembro, para 63,2% neste mês.

William Jackson, economista-chefe para mercados emergentes da Capital Economics, avaliou que a inflação "já ultrapassou seu pico", e, juntamente com novos casos da covid-19, "pode retardar a recuperação econômica" em 2021. O analista aposta em uma política monetária menos agressiva, com início de alta da taxa Selic de 0,50 ponto percentual apenas no segundo semestre de 2021.

A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), disse que, após o IPCA-15 ficar abaixo das expectativas em dezembro, a inflação não é um problema para a condução da política monetária no início do ano que vem, enquanto, lá fora, os juros estão mais perto de zero ou negativos.

"Não há um grande volume de repasses para os núcleos de inflação, principalmente do setor de serviços. O choque poderia ser maior, mas a dúvida sobre o aumento das pressões inflacionárias em 2021 continua", afirmou Silvia. Ela acrescentou que a preocupação com a inflação precisa continuar no radar, porque a alta na Selic contamina negativamente as expectativas do lado fiscal, e isso piora o cenário de retomada.

Na avaliação do economista Alberto Ramos, chefe da área de pesquisas econômicas sobre América Latina do Goldman Sachs, apesar do conforto do BC no curto e no médio prazos, "a recente dinâmica da inflação requer monitoramento para sinais de efeitos de segunda ordem e generalização das pressões inflacionárias".

A mediana das estimativas do mercado para o IPCA de 2020, medida pelo boletim Focus, está em 4,39%, acima do centro da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4%, com teto de 5,5%. Para dezembro, o mercado prevê alta de 1,22% no custo de vida oficial. (RH)