Correio braziliense, n. 21030, 22/12/2020. Economia, p. 6

 

Retomada será lenta e irregular

Rosana Hessel 

22/12/2020

 

 

Irregular e gradual. Assim é a recuperação da economia brasileira, atingida pela recessão provocada pela pandemia da covid-19. Uma retomada mais robusta, daqui para frente, dependerá da vacinação em massa e de medidas para alcançar o equilíbrio fiscal, de acordo com o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo Souza Júnior.
"Estamos projetando retomada da atividade, mas ainda há incertezas, como a própria dinâmica da epidemia, como essa nova disseminação do vírus e dos programas de vacinação, e o risco econômico interno, que é a questão fiscal, ainda bastante preocupante", alertou Souza Júnior, em entrevista ao Correio para comentar as novas projeções macroeconômicas do Ipea. Ele reconheceu que a descoberta de uma nova cepa do novo coronavírus na Inglaterra pode prejudicar o processo de retomada global, pois ainda não há uma estimativa sobre o verdadeiro impacto e da duração da nova onda de lockdown. "Há um risco do recrudescimento da pandemia. As notícias recentes vindo da Europa geram um ambiente de incerteza, e isso pode pressionar o funcionamento de vários setores, obviamente", alertou.

Na avaliação de Souza Jr., o processo de vacinação no Brasil deverá ser lento, pois muitos fatores ainda estão incertos em relação à logística. O governo federal vai enfrentar obstáculos para conseguir imunizar mais da metade da população, medida necessária para uma volta à normalidade. "É uma dificuldade natural, diferentemente da Inglaterra e da Alemanha, que são países pequenos e não possuem áreas isoladas", explicou.

Souza Jr. ressaltou que as contas públicas já apresentavam desequilíbrio e estavam no vermelho desde 2014. Esses problemas constituem um fator determinante para que a economia brasileira tenha fôlego curto para crescer em ritmo mais forte. Conforme os dados levantados pelo Ipea, o governo desembolsou, até 15 de dezembro, R$ 508,4 bilhões dos R$ 574,9 bilhões gastos emergenciais previstos no enfrentamento da pandemia. Não poderá, entretanto, gastar da mesma forma no ano que vem, pois não já há espaço para novas despesas no Orçamento sem que o teto de gastos seja rompido.

"A crise da pandemia fez com que os gastos públicos aumentassem em patamares muito elevados, e, daqui para frente, será muito importante para o país tomar medidas para conter o aumento do endividamento público em vez de realizar mais gastos", destacou o diretor do Ipea. Ele lembrou que a dívida pública bruta do Brasil, perto de 100% do PIB, está muito acima da média de países emergentes, de 61,4%, pelas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). "O único aumento de gasto que precisa ser feito é em investimentos", defendeu.

Novas projeções
O Ipea divulgou ontem um estudo revisando de 5% para 4,3% a previsão de retração do Produto Interno Bruto (PIB), deste ano, e elevou de 3,6% para 4% a perspectiva de crescimento do PIB de 2021. Conforme as novas estimativas do órgão, a produção industrial e o varejo devem apresentar uma recuperação mais forte neste último trimestre do ano, quando a economia deverá avançar 2,1% na comparação com os três meses anteriores, mas encolher 2,1% em relação ao mesmo período de 2019.

O setor de serviços, principalmente os prestados às famílias (como lazer, cultura e turismo), e o mercado de trabalho, por sua vez, devem ser os últimos segmentos a apresentar recuperação, de acordo com Souza Jr.. A agricultura, por exemplo, que será o único setor a apresentar crescimento neste ano, de 2,3%, deverá avançar 3,8% no ano que vem, com desempenho inferior ao do PIB.

 Efeitos modestos
"Embora apresente um desempenho menor do que o PIB, o setor agropecuário vai terminar 2021 acima do patamar de 2019, mas isso não ocorrerá com todos os segmentos e até mesmo com o PIB. Vamos terminar próximo ao patamar pré-crise, mas ainda não haverá uma recuperação completa e ela ainda estará abaixo da trajetória anterior", explicou.

Conforme dados do estudo do Ipea, no mercado de trabalho, "os efeitos da recuperação, apesar de visíveis, ainda são modestos, e a perspectiva é que a taxa de desemprego ainda aumente antes de começar a cair — devido ao provável aumento da procura por trabalho em 2021".

O Ipea ainda prevê a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrando o ano em 4,4%, acima do centro da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4% anuais, com teto de 5,5%, principalmente, devido a alta de 18% no preços dos alimentos. A expectativa anterior, de setembro, era de 16,2%.

Para 2021, quando a meta de inflação será de 3,75%, a previsão do Ipea para o custo de vida é de alta de 3,5%, com elevação mais forte em serviços (excluindo educação) e em preços monitorados, de 4% no ano para cada um desses itens.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Dez estados estouram limite com salários 

22/12/2020

 

 

O número de estados descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) passou de 11 para 10, entre o 4º bimestre e o 5º bimestre de 2020, conforme dados do Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) de estados e do Distrito Federal, divulgando pelo Tesouro Nacional ontem.
No acumulado do ano até outubro, Pernambuco, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Goiás, Paraná, Paraíba, Tocantins, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul gastaram mais de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL) com pessoal. Dados do órgão ligado ao Ministério da Economia mostram que, no bimestre encerrado em agosto, também integrava essa lista o Acre, que ficou com percentual de 59% no 5º bimestre, ou seja, bem perto do limite de 60% previsto na LRF para os entes federativos.

De acordo com a LRF, se a despesa dos estados com pessoal ultrapassar 95% do teto previsto, ou seja, 57% da RCL, a regra proíbe qualquer movimentação de pessoal que implique aumento de despesa. Logo, Acre ainda continua com gastos acima desse limite prudencial, assim como Mato Grosso e Santa Catarina, com taxas de 57% e 58%, respectivamente. Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte foram os estados que mais gastaram com pessoal em relação à RCL em 2020, com 72% e 77% da RCL, respectivamente. Na esfera federal, o limite máximo para despesas com a folha é de 50% da RCL.

Procurado pelo Correio, o Ministério da Economia informou, por meio de nota, que "levando-se em consideração que o cálculo do percentual utiliza duas variáveis, a despesa total com pessoal e a RCL, e que dificilmente a variável da despesa tenha diminuído, a tendência é que o resultado apresentado reflita uma alteração do lado da receita". "Porém, não conseguimos afirmar que a alteração positiva decorre dos repasses realizados pela União aos estados, embora possam sim ter contribuído", afirmou o órgão. Segundo o ministério, é preciso comparar os indicadores econômicos nos períodos analisados "para sustentar (ou não) a tese de que os repasses (da União) são os responsáveis por tal melhoria".

Melhora atípica
Na avaliação do economista e especialista em contas públicas Raul Velloso, essa leve redução no número de estados desenquadrados na LRF não chega a representar uma melhora efetiva nas contas estaduais, porque houve perdas menores na arrecadação, em grande parte, devido ao aumento dos repasses de recursos da União durante a pandemia. Ele chama a atenção, ainda, à Lei Complementar (LC) 173/2020, que suspendeu o pagamento das parcelas da dívida junto ao governo federal. "Os estados não perderam receita, no frigir dos ovos e ainda receberam um dinheiro extra dos precatórios do Fundeb ( Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação)", afirmou Velloso.

De acordo com o especialista, apenas o estado do Piauí recebeu R$ 1,7 bilhão referentes aos precatórios do Fundeb. "Esses recursos representam dois ou mais anos de investimentos do estado", comparou Velloso. "Tem um conjunto de coisas que explicam, com alguns setores ou estados apresentando desempenho melhor durante a pandemia. Mas é preciso entender que este ano e o próximo são atípicos e tudo o que acontecer não explica uma tendência. Precisam ser vistos à parte, porque são pontos fora da curva", explicou. (RH)