O Estado de São Paulo, n.46359, 20/09/2020. Internacional, p.A10

 

Itamaraty rebate Maia e volta a criticar Maduro

Rafael Moraes Moura

20/09/2020

 

 

Presidente da Câmara disse que viagem de secretário de Estado dos EUA a Roraima era afronta à tradição da diplomacia brasileira

Diplomacia. Ernesto Araújo: pressão sobre a Venezuela

O Itamaraty reagiu às declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que na sexta-feira, 18, disse que a visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima era uma afronta à diplomacia brasileira. Ontem, o chanceler, Ernesto Araújo, respondeu, com ataques ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. "O povo brasileiro tem apego pela democracia e o regime de Maduro trabalha para solapar a democracia na América do Sul", disse.

Na sexta-feira, Pompeo fez uma escala de três horas em Boa Vista, onde se reuniu com refugiados e chamou Maduro de "narcotraficante". O propósito oficial do giro por Suriname, Guiana, Roraima e Colômbia – todos países vizinhos da Venezuela – era mostrar o isolamento do chavismo e aumentar a pressão sobre o regime.

No entanto, muitos analistas apontaram um motivo subliminar na viagem de Pompeo: cortejar o voto dos eleitores latinos do Estado da Flórida, principalmente a comunidade cubana e os expatriados venezuelanos, que gostam do discurso antissocialista do presidente Donald Trump.

Com 29 votos no colégio eleitoral, a Flórida é considerado um Estado crucial para o resultado da eleição americana, em novembro. Este foi parte do teor das críticas de Maia. "A visita do secretário de Estado, Mike Pompeo, no momento em que faltam apenas 46 dias para a eleição presidencial americana, não condiz com a boa prática diplomática internacional e afronta as tradições de autonomia e altivez de nossas políticas externa e de defesa", disse o presidente da Câmara.

Ontem, Araújo reagiu. "Não há autonomia e altivez em ignorar o sofrimento do povo venezuelano ou em negligenciar a segurança do povo brasileiro. Autonomia e altivez há, sim, em romper uma espiral de inércia irresponsável e silêncio cúmplice, ou de colaboração descarada, a qual, praticada durante 20 anos frente aos crescentes desmandos do regime Chávez-Maduro, contribuiu para a maior tragédia humanitária já vivida em nossa região", escreveu o chanceler em nota.

Ao rebater as críticas de Maia, Araújo destacou que, na condição de ministro das Relações Exteriores, se sente na obrigação de reiterar o Artigo 4.° da Constituição Federal, que coloca a "prevalência dos direitos humanos" entre os princípios que devem orientar as relações internacionais do Brasil. O Estadão questionou a assessoria do presidente da Câmara sobre a resposta do chanceler, mas não obteve resposta.

Os EUA vêm apertando o cerco contra o regime chavista. Em março, o Departamento de Justiça dos EUA acusou formalmente o líder chavista de "narcoterrorismo". De acordo com os promotores, Maduro lidera um cartel em conjunto com guerrilheiros colombianos para "inundar os EUA de cocaína". Na ocasião, o governo americano ofereceu US$ 15 milhões (cerca de R$ 80 milhões) como recompensa por informações que levem à prisão do presidente venezuelano.