O Estado de São Paulo, n.46358, 19/09/2020. Metrópole, p.A20

 

Fumaça do Pantanal pode agravar doenças respiratórias e causar até AVC

Felipe Resk

João Ker

19/09/2020

 

 

 

Ambiente. Poluição ampliada pelo material particulado vindo do Centro-oeste amplia risco para doentes cardiovasculares e pessoas com alergias crônicas, fumantes, gestantes e imunossuprimidos; fenômeno da 'chuva negra' pode ser registrado hoje e amanhã em SP

 

A fumaça das queimadas no Pantanal que chegou a São Paulo anteontem pode ter um impacto grave na saúde da população paulistana. Juntamente com o ar seco e o tempo frio, a fuligem presente no ar se torna um risco especialmente preocupante para idosos, fumantes e pessoas com doenças respiratórias crônicas. Caso ela desça para as camadas mais baixas da atmosfera, há também o risco de causar complicações cardiovasculares, como enfarte e AVC, além de se instalar no pulmão e ser distribuída no sangue. Outra possibilidade, até amanhã, é de "chuva negra".

O fenômeno, que já foi visto ontem em Santa Catarina, resulta da chegada da fumaça que se junta à alta carga de poluição atmosférica produzida na cidade. E tem maior potencial de poluir rios e mananciais – sem grandes impactos para pessoas, casas ou veículos. Os incêndios no Centro-oeste têm lançado à atmosfera fuligem e material particulado, que são partículas muito finas de sólidos ou líquidos que ficam suspensas no ar, além de gases como monóxido (CO) e dióxido de carbono (CO2). As correntes aéreas, no entanto, arrastam a fumaça desde os focos da queimada, hoje principalmente no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, até outras regiões, como São Paulo, Estados do Sul e Argentina.

Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), Carlos Bocuhy, explica que, na capital, o produto dos incêndios encontra atmosfera já carregada de impurezas. "É um 'plus' de poluição chegando e se agregando, no momento em que a umidade está muito baixa", afirma. "A literatura científica identifica a fuligem como de periculosidade para a saúde e afeta principalmente idosos, crianças e pessoas com menos recursos financeiros."

"Quando o material particulado entra pelas narinas, os alvéolos não conseguem filtrar, de tão pequenos que são, então vai direito para a corrente sanguínea", descreve o presidente do Proam. "Há estudos que o associam a problemas no sistema respiratório e também acaba sendo um elemento carcinogênico, ou seja que potencializa o desenvolvimento de câncer."

"A maior parte do que veio (até São Paulo) é o que chamamos de material particulado, com pequenas partículas que são decorrentes das queimadas da vegetação – com muito carbono e substâncias associadas", observa Rafael Futoshi Mizutani, pneumologista do Instituto do Coração (Incor), do grupo de doenças respiratórias ocupacionais e ambientais, lembrando que o mesmo fenômeno, envolvendo a queimada da Amazônia, foi observado na capital em agosto de 2019.

"Sempre que a gente tem o ar frio, seco e poluído é a pior condição para quem tem doenças de via respiratória", diz Silvio Cardenuto, médico assistente do pronto-socorro da Santa Casa. Essa tríade de más condições no ar (seco, frio e poluído) pode agravar quadros de bronquite e rinite crônicas, asma, idosos com "pulmão senil", gestantes, pessoas imunossuficientes e com outras doenças respiratórias. Para se prevenir, Cardenuto recomenda boa hidratação e a umidificação dos ambientes internos, com baldes de água e toalhas molhadas, e o uso de máscaras, que pode diminuir a inalação de partículas. Ainda assim, Mizutani frisa que as máscaras comuns dificilmente filtram as micropartículas de fuligem.

Outra recomendação de Cardenutoé evitar aglomerações, uma medida que já deveria ser cumprida em função do novo coronavírus. Caso haja o agravamento de qualquer sintoma, como aumento de tosse, falta de ar, mudança na expectoração, cansaço anormal ou sangramento nasal, é preciso procurar atendimento médico. "Mas existe uma conjunção de fatores que minimizou esse risco hoje, pois a população já vinha se cuidando com o uso de máscara por causa da pandemia", afirma. Mesmo a "chuva negra" que pode chegar à capital neste fim de semana pode ser benéfica neste caso, já que ela aumenta a umidade do ar. "Mas o problema ambiental permanece, claro."

Recorrente

Esse material consegue viajar por milhares de quilômetros e é o mesmo que aconteceu em 2019 com a queimada da Amazônia."

Rafael Futoshi Mizutani

PNEUMONOLOGISTA DO INCOR