Correio braziliense, n. 21025, 17/12/2020. Política, p. 3

 

Críticas ao atraso na busca por imunizante

Bruna Lima 

Maria Eduarda Cardim 

Sarah Teófilo 

17/12/2020

 

 

Sem vacina e sem data para imunizar a população, o Brasil continua atrasado em relação a outros países que iniciaram a vacinação contra a covid-19, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Para especialistas, a falta de uma data é normal, já que não há nenhum imunizante com a aprovação programada, mas a situação denota o atraso na busca por um produto.

"Se não tem vacina, não há como detalhar o plano, mas isso é fruto do atraso do processo, resultado de um discurso de desconhecimento da relevância da pandemia", disse Eliseu Waldman, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), que fez parte do grupo de colaboradores consultados pelo governo para elaboração do plano de vacinação apresentado ontem.

O coordenador do Infogripe, Marcelo Gomes, considerou a nova versão do plano um avanço, já que se aproxima mais das sugestões feitas pela equipe de professores e pesquisadores envolvidos, incluindo ele próprio. "Obviamente, ainda não é um plano perfeito, ideal, mas contém uma série de avanços muito importantes e dá um passo importante para que, à medida que haja novas informações e em que acordos sejam firmados, o plano também possa avançar e estar cada vez mais próximo do que ideal para a população."

Vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o médico sanitarista Reinaldo Guimarães também ressaltou que o problema maior não é a falta de data em si, mas a ausência de acordo com quem tem vacina para fornecer: o Instituto Butantan. "Temos um plano, mas não temos vacina. Como não tem vacina, não tem como dar data de início", destacou. O governo já firmou contrato para compra da vacina de Oxford e AstraZeneca em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mas houve um atraso na fase 3 dos testes, e o país continua sem imunizante.

Para Guimarães, o Butantan, que vai produzir a CoronaVac, da chinesa Sinovac, deveria ter um "tapete vermelho" estendido pelo Ministério da Saúde, assim como para a Astrazeneca (produzida em parceria com a Fiocruz). Ele destacou o fato de ambas terem envolvimento de instituições nacionais, que estão absorvendo a tecnologia, e que o Butantan poderia fornecer a vacina, caso o governo firmasse acordo de compra. Apesar dos problemas, ele comemorou o plano e a inclusão da CoronaVac em documento oficial do governo.

Para o coordenador do Infogripe, um dos destaques no novo plano é a definição de grupos prioritários (veja quadro), levando em consideração as reais questões epidemiológicas, além das programações exercidas com base nas previsões de doses disponíveis. O detalhamento de todos os possíveis acordos, bem como a previsão de quantitativos para aquelas negociações mais avançadas é outro ponto positivo, incluindo o Butantan. "É fundamental estar na mesa o Butantan, que é, sem dúvida nenhuma, um instituto central em qualquer discussão de campanha vacinal no Brasil. Assim como a Fiocruz e Bio Manguinhos, o Butantan é também o grande parceiro do PNI (Plano Nacional de Imunizações). Nada melhor do que, finalmente, termos um avanço nessa direção. Isso vai nos colocar em uma situação muito mais confortável em termos de disponibilidade de doses e fluxo, para que possamos ter um quantitativo maior em um prazo mais curto", disse Gomes.

O plano de vacinação

Veja o que prevê o Ministério da Saúde sobre a aplicação de vacinas

Grupos prioritários
» Trabalhadores da área da saúde
» População idosa (60 anos ou mais)
» Indígena em aldeias em terras demarcadas
» Pessoas com comorbidades**
» Membros das forças de segurança e salvamento
» Funcionários do sistema de privação de liberdade
» Comunidades tradicionais ribeirinhas e quilombolas**
» População em situação de rua**
» Trabalhadores da educação (professores e funcionários de escolas públicas e privadas)**
» Pessoas com deficiência permanente severa**
» Trabalhadores do transporte coletivo**
» Transportadores rodoviários de carga**
» População privada de liberdade**
*Diabetes mellitus, hipertensão arterial grave, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença renal, doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, indivíduos transplantados de órgão sólido, anemia falciforme, câncer e obesidade grau III
**Grupos prioritários incluídos no novo plano

Doses

Encomenda tecnológica
» Fiocruz/AstraZeneca — 100,4 milhões de doses, até julho/2021, + 110 milhões de doses, entre agosto a dezembro/2021
» Covax Facility — 42,5 milhões de doses

Memorando com intenção de acordo
» Pfizer/BioNTech — 70 milhões de doses (8,5 milhões de doses, até junho/2021; 32 milhões, no 3º trimestre; e 29,5 milhões, no 4º trimestre)
» Janssen — 38 milhões de doses (3 milhões de doses, no 2º trimestre de 2021; 8 milhões, no 3º trimestre; 27 milhões, no 4º trimestre
» CoronaVac — solicitadas informações de preços, estimativa e cronograma de disponibilização
de doses.

Contraindicações
» Menores de 18 anos
» Gestantes
» Pessoas que já apresentaram reação anafilática confirmada a uma dose anterior de uma vacina covid-19
» Pessoas que apresentaram uma reação anafilática confirmada a qualquer componente da(s) vacina(s)

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Bolsonaro acena para governadores 

Ingrid Soares 

Augusto Fernandes 

17/12/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro adotou um tom ameno, ontem, ao discursar na cerimônia de lançamento do Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19, no Planalto. O chefe do Executivo, que fez reiteradas críticas às medidas adotadas por governadores para conter a disseminação do vírus, disse que se houve "extrapolações ou exageros" foi no intuito de encontrar uma solução para o problema da pandemia. O mandatário pregou união.

"Senhores governadores, é uma honra recebê-los aqui. Outros que não comparecerem, com certeza, foi por motivo de força maior, mas a grande força que todos nós demonstramos agora é a união para buscar a solução de algo que nos aflige há meses", afirmou. "Se algum de nós extrapolou ou até exagerou foi no afã de buscar solução. Realmente, nos afligiu desde o início. Não sabíamos o que era esse vírus, como ainda não sabemos em grande parte. Nós todos, irmanados, estamos na iminência de apresentar uma alternativa concreta para nos livrarmos deste mal, que é o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19", completou.

Bolsonaro disse, ainda, que a pandemia está próxima do fim. "Obviamente, momentos difíceis todos nós vivemos, mas depois da tempestade, a bonança, é isso que vislumbra no horizonte do Brasil. São 27 governadores com um só propósito, o bem comum, a volta à normalidade."

O chefe do Executivo agradeceu ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e a parlamentares. "Rendo minhas homenagens ao nosso ministro Pazuello, que capitaneou essa liderança. Também aos senhores deputados e senadores que nos ajudaram, e muito, nos momentos que precisávamos de uma urgência para votar projetos para socorrer estados e municípios. Vocês foram excepcionais no trato dessa questão", elogiou.

Mais tarde, em solenidade de Ação de Graças, também no Planalto, Bolsonaro afirmou que o país está perto de "uma situação de quase normalidade". "Quem esperava, depois de meses difíceis, chegarmos a uma situação de quase normalidade ainda em 2020? A quem devemos tudo isso? Em primeiro lugar, a Ele (Deus). E, depois, a vocês que estão aqui. Aí, os ministros incluídos, que trabalharam, incessantemente. Foram iluminados e conseguiram, com suas ações, usando para o bem a máquina do Estado, para fortalecer e dar esperança a mais de 200 milhões de pessoas", destacou. A declaração dele ocorreu no mesmo dia em que o Brasil confirmou, pela primeira vez desde o início da pandemia, mais de 70 mil infecções pelo vírus em um único dia.

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Relator vota por imunização obrigatória 

Renato Souza 

17/12/2020

 

 

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou, ontem, para que a vacinação contra a covid-19 seja obrigatória em todo o país. Ele é relator de duas ações, impetradas por PTB e PDT, que tratam da imunização da população em meio à pandemia do novo coronavírus. Para o magistrado, vacinação obrigatória não significa "vacinação forçada". De acordo com ele, é possível aplicar medidas administrativas para quem se recusar a receber o medicamento. Entre essas ações, está a obrigação de frequentar determinados lugares ou realizar "certas atividades". O julgamento do caso continua hoje, quando os demais ministros se debruçam sobre o assunto.

No voto, Lewandowski destacou que forçar a vacinação é inconstitucional, mas que o ato pode ser incentivado por ações indiretas. "A vacinação obrigatória no Brasil, desde há muito, é uma realidade. Sob o ângulo estritamente constitucional, a previsão de vacinação obrigatória, excluída a imposição de vacinação forçada, afigura-se legítima", ressaltou.

Para o magistrado, não é aceitável que se espere uma contaminação em massa pelo novo coronavírus para que a população adquira imunidade, pois isso custaria milhares de vidas. "Alcançar a imunidade de rebanho mostra-se deveras relevante. A saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que, deliberadamente, se recusam a ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão beneficiárias da imunidade de rebanho", completou.

Ele entende que a obrigatoriedade não deve ser imposta com "medidas invasivas, aflitivas ou coativas" e que podem ser aplicadas tanto pela União quanto por estados e municípios. "A competência do Ministério da Saúde para coordenar o Programa Nacional de Imunizações e definir as vacinas integrantes do calendário nacional de imunização não exclui a dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para estabelecer medidas profiláticas e terapêuticas destinadas a enfrentar a pandemia decorrente do novo coronavírus."

Pais e filhos
O ministro Luís Roberto Barroso é o responsável por uma terceira ação com tema parecido, em que a Corte vai avaliar se pais podem deixar de vacinar os filhos em razão de "convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais".