O Estado de São Paulo, n.46355, 16/09/2020. Economia, p.B5

 

Lista suja do trabalho escravo é constitucional, decide STF

Rafael Moraes Moura

16/09/2020

 

 

Exposição de empresa que submete empregado a péssimas condições de trabalho era contestada no Supremo pela Abrainc

Supremo. Mello enfatizou combate ao trabalho escravo

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é constitucional o cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, um banco de dados conhecido como a "lista suja do trabalho escravo". A exposição de empresas que submeteram seus funcionários a péssimas condições de trabalho foi contestada em uma ação movida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

A medida, criada em outubro de 2004 no governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), serve para informar à sociedade a relação de empresas que colocam trabalhadores em situações degradantes.

Ao acionar o STF, a associação alegou que uma portaria do governo federal, de 2016, só poderia ter sido criada por lei e aponta que a criação de do cadastro "ofende o princípio da reserva legal, uma vez que aos ministros de Estado não é permitido atuar como legisladores". Para a entidade, o governo "legislou" ao publicar a norma, sem respaldo do Congresso. A Abrainc pedia a anulação de todas as portarias editadas pelo governo sobre "a lista suja do trabalho escravo", de 2004 pra cá, o que foi negado pelo STF.

A análise do caso foi concluída às 23h59 da última segunda-feira no plenário virtual do STF, uma ferramenta online que permite que os magistrados julguem processos sem se reunir pessoalmente ou por videoconferência.

"Descabe enquadrar, como sancionador, cadastro de empregadores, cuja finalidade é o acesso à informação, mediante publicização de política de combate ao trabalho escravo, considerado resultado de procedimento administrativo de interesse público", escreveu o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello.

Marco Aurélio foi acompanhado integralmente pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Rosa Weber e pelo presidente do STF, Luiz Fux.

O ministro Edson Fachin concordou com o relator, com ressalvas, ao destacar que a divulgação da "lista suja" do trabalho escravo integra um bloco normativo de "regras constitucionais e internacionais, em proteção ao trabalhador e ao combate à escravidão".

"A manutenção da existência de formas modernas de escravidão é diametralmente oposta a quaisquer objetivos de uma sociedade que se pretende democrática, já que nega a parcela dos cidadãos condições para o exercício pleno de seus direitos, em especial o direito a um labor digno e a condições de saúde, integridade física e mental, locomoção, acesso a salário justo e outros benefícios decorrentes de uma correta relação de trabalho", escreveu Fachin em seu voto.

"A opção de maximização de lucros em detrimento da saúde e da integridade do trabalhador não foi a escolha constitucional, e o combate a essa forma cruel de subjugação do ser humano é dever inerente à configuração do Estado Brasileiro", frisou Fachin.

Sociedade democrática

"A manutenção de formas modernas de escravidão é diametralmente oposta a quaisquer objetivos de uma sociedade que se pretende democrática."

Edson Fachin

MINISTRO DO STF