O Estado de São Paulo, n.46348, 09/09/2020. Metrópole, p.A20

 

Parada nas aulas pode reduzir o PIB global em 1,5%

Marina Aragão

Paula Felix

Paulo Favero

09/09/2020

 

 

OCDE avalia que prejuízos podem ir até o fim do século; avaliação é de que uma perda de aprendizado levará à perda de habilidade

A suspensão das atividades escolares provocada pela pandemia do novo coronavírus deve causar impactos na economia mundial que podem durar até o fim do século e provocar, ao longo deste período, uma perda de, na média, 1,5% na economia global. Essas são algumas das constatações do relatório Education at a Glance 2020 (Um Olhar na Educação), divulgado ontem pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

De acordo com economistas que ajudaram a fazer o estudo, esse efeito não será notado em curto prazo – mas os impactos econômicos serão sentidos por muitos anos. "A perda de aprendizado levará à perda de habilidades, e as habilidades que as pessoas têm se relacionam com sua produtividade", diz o texto.

Desde janeiro, colégios e universidades em vários países interromperam atividades para reduzir o risco de contágio da covid-19. No Brasil, a suspensão de atividades presenciais começou em março. As escolas ficaram fechadas por mais tempo do que a média dos outros países estudados e isso terá impactos na aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.

A estimativa, segundo o relatório, é de que só os atuais grupos de alunos serão afetados. Se as escolas demorarem para retomar o desempenho de antes da pandemia, o revés financeiro será proporcionalmente maior. Usando como exemplo os Estados Unidos, o documento aponta que se a pandemia levar a uma redução de um décimo no nível padrão de habilidades dos alunos, a perda econômica será de US$ 15,3 trilhões.

A suspensão das aulas também trouxe à tona as lacunas de oportunidades educacionais entre ricos e pobres. As crianças com acesso à internet, computadores e suporte familiar se saíram melhor, com mais estímulos e mais chances de usufruir de aulas remotas. "É fundamental que todos os esforços sejam feitos para garantir que a crise não exacerbe as desigualdades na educação reveladas em muitos países", disse o secretáriogeral da OCDE, Angel Gurría, ao lançar o relatório em Paris. A crise atual acrescentou, "testou nossa capacidade de lidar com interrupções em grande escala". "Cabe agora a nós construir como legado uma sociedade mais resiliente."

Desafios. Mesmo com a reabertura de escolas em muitos países, grandes desafios permanecem para a educação. A entidade ressalta que as nações continuarão enfrentando uma redução da economia, mesmo que suas escolas voltem aos níveis de desempenho anteriores. Especialistas no Brasil têm defendido a necessidade de priorizar o debate sobre a retomada das aulas. "O País pagará por abrir bar antes de escola", criticou Priscila Cruz, presidente executiva do Todos pela Educação, em entrevista ao Estadão publicada neste domingo.

A reabertura de escolas e universidades trará benefícios aos alunos e à economia em geral, mas a retomada deve ser avaliada cuidadosamente em relação aos riscos à saúde e à necessidade de mitigar o custo da pandemia, ponderou a OCDE. Mas, segundo a entidade, "os desafios não terminam com a crise imediata. Como os fundos públicos são direcionados à saúde e ao bem-estar social, gastos com educação no longo prazo estão em risco". No nível superior, o declínio na mobilidade estudantil internacional pelas restrições de viagens está reduzindo os fundos disponíveis em países onde os estudantes estrangeiros pagam taxas mais altas.

Em agosto, um estudo publicado pelo Instituto Unibanco e pelo Todos Pela Educação indicou que, com a pandemia, pode haver redução no investimento anual por estudante de até R$ R$ 1.339. No cenário mais otimista, a perda seria de R$ 670. O relatório estima que as redes municipais devem perder entre R$ 15 bilhões e R$ 31 bilhões em tributos vinculados ao ensino neste ano, a depender do cenário de crise econômica. Um levantamento com 82 redes municipais de educação identificou um conjunto de gastos adicionais de R$ 870 por estudante matriculado.

O tempo que as escolas brasileiras ficaram fechadas por causa da pandemia do novo coronavírus aumentou problemas históricos da Educação, na avaliação de gestores da área. O retorno trará a necessidade de fornecer suporte emocional para crianças e jovens impactados pelo isolamento, dificuldades financeiras e até mesmo o luto.

Presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), a secretária da pasta em Mato Grosso do Sul Cecilia Motta diz que o impacto na aprendizagem é algo que já é visível, assim como o aumento das desigualdades, e, por isso, o retorno às aulas se tornou uma questão urgente. "O vírus vai continuar e vamos ter de voltar com os protocolos claros."

Articulação. A secretária adverte que "não vamos satisfazer toda a sociedade, porque uns querem que as aulas voltem e outros não. Mas estamos seguindo orientações científicas". Ela diz que o País enfrentou falta de articulação entre as esferas estaduais e a federal, mas que a situação está mudando.

O governo de São Paulo prevê necessidade de investimentos extras em Educação com o retorno. "Temos um adicional de gastos. Há uma série de custos extras que vão na contramão de grande perda de arrecadação. Vão ser necessárias políticas específicas para que se compense esses meses sem atividades regulares nas escolas", diz o subsecretário de Articulação Regional

da Secretaria da Educação do Estado, Henrique Pimentel. Ele destaca programa de financiamento de obras em escolas, que se tornará ainda mais importante com a previsão de readaptação para evitar contágios.

Desigualdades

"É fundamental que todos os esforços sejam feitos para garantir que a crise não exacerbe as desigualdades na educação reveladas em muitos países."

Angel Gurria

SECRETÁRIO-GERAL DA OCDE