O Estado de São Paulo, n.46348, 09/09/2020. Metrópole, p.A18

 

Ministro fala em vacinar em janeiro, no dia era que teste de Oxford é suspenso

Mateus Vargas

Tânia Monteiro

Fabiana Cambricoli

09/09/2020

 

 

Pazuello fez a afirmação em reunião ministerial, sem citar que antes é necessário que o produto tenha eficácia comprovada; laboratório informa a Anvisa paralisação, sem detalhar efeito colateral. Bolsonaro volta a dizer que ninguém será obrigado a passar por vacinação

116 DIAS sem Ministro da Saúde

O laboratório Astrazeneca anunciou ontem a interrupção de estudos internacionais para desenvolver uma vacina contra a covid-19. Há suspeita de reação adversa grave em um dos voluntários no Reino Unido. A decisão ocorreu no dia em que o ministro interino da Saúde do Brasil, Eduardo Pazuello, afirmou que em "janeiro a gente começa a vacinar todo mundo".

Desenvolvido em parceria com a Universidade de Oxford, este imunizante é a principal aposta do governo Jair Bolsonaro. No entanto, é preciso destacar que esse tipo de interrupção de estudos, para revisão após contratempo, é normal – e a segunda vez que acontece com esse produto.

A notícia da paralisação foi divulgada pelo site americano Stat News, especializado em saúde e ciência, e confirmada pelo Estadão com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que tem parceria com a farmacêutica para produzir o imunizante.

A Astrazeneca disse ao Stat News que um processo de revisão padrão do estudo desencadeou uma pausa nos testes. "Esse tipo de interrupção tem como objetivo dar tempo para que os pesquisadores avaliem se a reação adversa observada em um dos participantes foi ou não causada pelo produto." Até que seja descartada qualquer relação causal, novos voluntários não podem tomar o imunizante por cautela.

"Trata-se de uma prática comum em estudos clínicos envolvendo fármacos. O comitê de monitoramento de segurança do estudo analisa se o caso tem ou não relação com a vacina e assim que a análise for concluída, a fase 3 deve ser retomada", informou a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que coordena os testes no País. "No Brasil, o estudo envolve 5 mil voluntários e avança como o esperado. Muitos já receberam a segunda dose e até o momento não houve registro de intercorrências graves de saúde."

Informada sobre a suspensão, a Anvisa disse que aguarda mais informações da Astrazeneca para se pronunciar oficialmente. O governo federal abriu crédito de cerca de R$ 2 bilhões para a Fiocruz receber, processar, distribuir e passar a fabricar sozinha a vacina.

Segundo fonte da Anvisa, o laboratório apenas enviou um comunicado à agência sobre a interrupção, sem detalhar que tipo de efeito colateral foi notado. Técnicos da Anvisa, agora, buscam mais informações da Astrazeneca.

Os testes dessa vacina são os que estão em estágio mais avançado no mundo. Os pesquisadores esperavam ter resultados parciais da fase 3, a última antes da comercialização, ainda em outubro.

Brasília. Mais cedo, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, em reunião ministerial no Palácio do Planalto, respondeu a perguntas da youtuber mirim Esther Castilho, escalada pelo presidente Jair Bolsonaro. "Vai ter vacina para todo mundo e remédio ou não vai?", indagou, repetindo o que foi ditado pelo presidente. "Esse é o plano. A gente está fazendo os contatos com quem fabrica a vacina e a previsão é de que chegue para a gente em janeiro. Janeiro, a gente começa a vacinar todo mundo", respondeu Pazuello sem citar que antes é necessário que a vacina tenha sua eficácia comprada, o que ainda não ocorreu.

Para a vacina desenvolvida por Oxford com a Astrazeneca, o governo federal acertou um protocolo de intenções que prevê a oferta de 30 milhões de doses até o fim do ano. Caso a vacina tenha sua eficácia comprovada, a previsão da pasta é produzir, inicialmente, 100 milhões de doses a partir de insumos importados. A produção integral da vacina na unidade técnico-cientifica Biomanguinhos, no Rio, deve começar a partir de abril de 2021. Apesar de meses de negociação, o governo ainda não tem um contrato com a Astrazeneca. O Estadão apurou que o ministério planejava assinar o contrato na quinta-feira.

Outros países também têm apresentado estudos para a produção da vacina, como Rússia e China, e integrantes do ministério já disseram que podem também negociar caso alguma delas se mostre eficaz contra a covid-19. Na reunião no Planalto, a garantia de uma vacina em janeiro foi citada ainda por Marcelo Álvaro Antônio, chefe da pasta do Turismo. "A expectativa é de que o próximo verão, com a vacina, tenha o maior volume de turismo da história do turismo doméstico", declarou. Segundo ele, o setor "vai voltar forte".

Reafirmação. Ainda ontem, o presidente voltou a falar de não obrigatoriedade de imunização. "A gente não pode injetar qualquer coisa nas pessoas e muito menos obrigar. Eu falei outro dia 'Ninguém vai ser obrigado a tomar vacina' e todo mundo caiu na minha cabeça", afirmou o presidente em encontro com um grupo de médicos que defendem o tratamento precoce da doença e o uso da hidroxicloroquina, medicamento ainda sem eficácia comprovada. O encontro foi mediado pelo deputado e ex-ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RS).

O presidente reiterou que cabe ao governo fazer campanha para a vacinação, mas que as pessoas não podem ser obrigadas. "A vacina é uma coisa que, no meu entender, você faz a campanha, busca uma solução, não pode é amarrar o cara e dar a vacina nele", declarou. Em seguida, completou dizendo que esse tipo de obrigação nunca foi feito, "a não ser em ditaduras".