O Estado de São Paulo, n.46347, 08/09/2020. Internacional, p.A8

 

Corrida pela vacina contra a covid-19 cria duelo entre agências de espionagem

08/09/2020

 

 

Espiões e hackers de vários países têm tentado descobrir o quão avançadas estão as pesquisas contra o coronavírus de universidades e indústrias farmacêuticas para roubar informações; competição lembra Guerra Fria, quando EUA e URSS espionavam programas espaciais

A pandemia de coronavírus provocou uma das mais rápidas mudanças de missão em tempos de paz para as agências de inteligência de todo o mundo, colocando-as umas contra as outras em uma nova grande disputa para obter dados sobre a vacina contra a covid-19.

Hackers chineses fizeram um reconhecimento digital da Universidade da Carolina do Norte e de outras universidades que estão conduzindo pesquisas de ponta. O principal serviço de inteligência da Rússia, o SVR, pôs seu alvo em redes de pesquisa de vacinas nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, esforços de espionagem que foram detectados pela primeira vez por uma agência de espionagem britânica que monitorava cabos de fibra óptica internacionais. O Irã também intensificou suas tentativas de roubar informações sobre pesquisas de vacinas.

Em suma, todos os principais serviços de espionagem do mundo estão tentando descobrir o que todos os outros estão fazendo.

Quase todos os adversários dos EUA intensificaram suas tentativas de roubar a pesquisa americana, enquanto Washington, por sua vez, movimentou-se para proteger as universidades e empresas que fazem o trabalho mais avançado. A inteligência da Otan, normalmente preocupada com o movimento de tanques russos e células terroristas, expandiu-se para analisar os esforços do Kremlin para roubar pesquisas de vacinas, segundo um oficial ocidental.

A competição pela vacina é uma reminiscência da corrida espacial, em que a União Soviética e os EUA dependiam de seus serviços de espionagem para informá-los quando o outro parecia prestes a atingir um marco histórico. Mas, se a disputa da Guerra Fria para alcançar a órbita da Terra e a Lua se desenrolou ao longo de décadas, a linha do tempo para ajudar a proteger os dados sobre os tratamentos contra a covid-19 é fortemente comprimida conforme a necessidade da vacina fica mais urgente a cada dia.

"Surpreendente seria se eles não estivessem tentando roubar a pesquisa biomédica mais valiosa que está sendo desenvolvida agora", disse John Demers, funcionário de alto escalão do Departamento de Justiça, sobre a China no mês passado, durante evento do Center for Strategic and International Studies. "Valioso do ponto de vista financeiro e inestimável do ponto de vista geopolítico."

O esforço da China é complexo. Seus operadores também usaram furtivamente informações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para guiar suas tentativas de hackear vacinas, tanto nos EUA quanto na Europa, segundo um agente da ativa e um aposentado.

Não está claro exatamente como a China vinha usando sua posição de influência na OMS para reunir informações sobre os estudos em todo o mundo. A organização coleta dados sobre vacinas em desenvolvimento e, embora muitos deles sejam eventualmente divulgados, os hackers chineses podem ter se beneficiado ao obter informações antecipadas sobre quais esforços de pesquisa de vacinas a OMS considerou mais promissores, de acordo com um exagente de inteligência.

Funcionários da inteligência americana souberam dos esforços da China no início de fevereiro, quando o vírus estava começando a se espalhar pelos EUA, de acordo com ex-funcionários americanos. A CIA e outras agências acompanham de perto os movimentos da China dentro das agências internacionais, incluindo a OMS, nas universidades americanas e nas indústrias farmacêuticas.

O governo Donald Trump ordenou em 22 de julho que a China fechasse seu consulado em Houston, em parte porque agentes chineses o usaram como base para tentar espionar médicos especialistas na cidade, segundo o FBI.

O trabalho de espionagem também está se intensificando à medida que os pesquisadores compartilham mais candidatos a vacinas e tratamentos antivirais no processo de revisão por pares, dando aos adversários uma chance melhor de obter acesso às formulações e estratégias de desenvolvimento de vacinas. As autoridades acreditam que, até agora, os espiões estrangeiros tiraram poucas informações das empresas americanas de biotecnologia que visavam: Gilead Sciences, Novavax e Moderna.

O esforço russo, anunciado em julho por agências de inteligência britânicas, americanas e canadenses, pôs o foco principalmente na coleta de informações sobre pesquisas da Universidade Oxford e sua corporação farmacêutica parceira, a Astrazeneca.

Nenhuma empresa ou universidade anunciou roubos de dados resultantes de esforços de hackers identificados publicamente. Mas algumas das tentativas dos hackers conseguiram ao menos penetrar nas defesas de redes de computadores, de acordo com um funcionário do governo americano. E os hackers da China e da Rússia vêm testando os pontos fracos todos os dias, segundo agentes da inteligência.

Embora apenas duas equipes de hackers, uma da Rússia e outra da China, tenham sido identificadas publicamente, várias equipes de hackers de quase todos os serviços de inteligência desses dois países têm tentado roubar informações sobre vacinas, segundo autoridades de inteligência. / NYT, TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Segurança

"É realmente uma corrida contra o tempo para que os mocinhos encontrem as vulnerabilidades, consigam corrigi-las e implantem essas correções antes que o adversário as encontre e as explore"

Bryan S. Ware

AGÊNCIA DE SEGURANÇA CIBERNÉTICA