Valor econômico, v. 21, n. 5172, 21/01/2021. Brasil, p. A6

 

Fiocruz terá este ano 210 milhões de doses, mas ‘vai faltar vacina’

Lucianne Carneiro

Francisco Góes

21/01/2021

 

 

Fiocruz prevê entregar 210 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 ao governo este ano; mesmo assim, deve faltar vacina para imunizar toda a população
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) planeja entregar ao governo 210,4 milhões de doses de vacina contra a covid-19 em 2021, mas o montante, somado a outras vacinas disponíveis no país, ainda não será suficiente para imunizar toda a população brasileira este ano. “Não tem vacina no mundo para todo mundo, vai faltar vacina”, diz Maurício Zuma, diretor de Bio-Manguinhos, que é a unidade técnico-científica da Fiocruz. Ele acredita que a vacinação contra a covid-19 só vai se encerrar no ano que vem, apesar de todos os esforços do instituto para disponibilizar o imunizante o quanto antes.

Do total previsto pela Fiocruz para ser entregue este ano, 100,4 milhões de doses serão produzidas no primeiro semestre, a partir do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) importado da China, e outros 110 milhões a partir do insumo produzido localmente graças ao acordo de transferência de tecnologia fechado com a Universidade de Oxford e o laboratório AstraZeneca. Zuma espera que as primeiras doses da vacina da Fiocruz sejam disponibilizadas ao governo no começo de março.
Amanhã técnicos de Bio-Manguinhos terão reunião com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para discutir a entrega de um lote final de documentos, o que deve acontecer na semana que vem, envolvendo o pedido para registro definitivo da vacina da Fiocruz contra a covid-19. No domingo, a Anvisa aprovou o uso emergencial da vacina da AstraZeneca/Oxford, produzida pela farmacêutica Serum Institute of India. Seriam 2 milhões de doses importadas da Índia, mas a iniciativa terminou frustrada pela negativa do governo indiano de liberar o material. Agora o registro definitivo inclui as 100,4 milhões de doses negociadas em contrato com a AstraZeneca. Esse volume de vacinas depende da importação do IFA da China e, depois, do processamento final, por Bio-Manguinhos, em suas instalações, no Rio.
A expectativa de Zuma é que a Anvisa dê o sinal verde para a distribuição da vacina em até 30 dias. Ao mesmo tempo, a Fiocruz vem trabalhando para concluir o mais rápido possível a liberação do IFA na China. Ele afirma que questões burocráticas, incluindo um novo processo de tramitação no país asiático, têm adiado a liberação do insumo. A última data prevista para chegada do IFA é sábado, mas os técnicos da Fiocruz sabem que o prazo não será cumprido uma vez que, além dos trâmites burocráticos, há questões logísticas envolvidas. Não está claro ainda quando o IFA vai chegar ao Brasil, mas Zuma acredita que será “em breve”.

“Algumas pessoas vêm isso [o atraso] como derrota, nós vemos como vitória. Geralmente leva dez anos para disponibilizar uma vacina, estamos levando dez meses. Isso [o atraso] tecnicamente não é um grande problema, mas estamos fazendo todos os esforços para ter a vacina o mais breve possível, porque a situação exige vacina”, disse Zuma. Ele descarta que o atraso tenha sido motivado por questões políticas ou diplomáticas. “Não é isso que parece ser”, afirma.

Contratualmente ainda não há atraso no fornecimento pela AstraZeneca, e Zuma considera que a eventual aplicação de penalidades previstas em contrato só se justificariam em caso de atraso “considerável” que configurasse descumprimento contratual. É preciso considerar também que a Fiocruz olha a relação com a AstraZeneca/Oxford a longo prazo, uma vez que a vacina envolve transferência de tecnologia ao Brasil.

Zuma diz ainda que seria inviável transferir o local do fornecimento do IFA da China para outro país. Em primeiro lugar porque a AstraZeneca não tem disponibilidade de fornecer o insumo de outra fábrica porque está “tudo contratado”. Existe ainda a questão de que nos documentos enviados à Anvisa está previsto que será a Wuxi Biologics que fornecerá o IFA à Fiocruz. Os próprios técnicos da Anvisa visitaram a fábrica e deram a certificação ao fabricante chinês. “Estamos focados em resolver o problema lá [na China], vai demorar algumas semanas, mas temos certeza que o IFA vai chegar e isso vai chegar e isso vai se resolver logo”, disse Zuma.
A produção da vacina da Fiocruz contra a covid-19 será dividida em duas etapas. Na primeira fase, Bio-Manguinhos recebe o IFA importado congelado e faz a formulação da vacina: descongela o insumo, mistura com outros ingredientes (há segredos industriais no processo) e depois envasa e rotula a vacina, que passa ainda por etapa de controle de qualidade.
Há uma segunda fase do contrato, que envolve a transferência de tecnologia para produção do IFA nas instalações de Bio-Manguinhos, algo mais complexo. O instituto tem uma área pronta, que seria usada para produzir biofármacos, e que está sendo adaptada para produzir o IFA nacional. A perspectiva é que essa área fique pronta em março, e Bio-Manguinhos corre atrás da certificação da Anvisa, que é necessária para a produção do insumo localmente. “Pretendemos começar os lotes experimentais [de IFA nacional] em abril. Mas é uma produção longa. Um lote leve 45 dias em todo o processo, desde que começa a cultivar a célula. Teremos capacidade de produzir por mês o equivalente a 15 milhões de doses [de vacina] formulada e envasada, isso inicialmente”, diz Zuma. A capacidade poderá dobrar, em prazo ainda incerto, com a instalação de equipamentos maiores na unidade do instituto.

Zuma acredita que só será possível conseguir um aditivo ao registro original do local de fabricação do IFA - tendo as instalações próprias da Fiocruz como endereço - em agosto ou setembro. No registro original, o local de produção é a fábrica da Wuxi, na China, com processamento final em Bio-Manguinhos. Mas antes mesmo de obter esse registro o instituto terá volumes produzidos. É esse plano que leva a unidade da Fiocruz a prever a entrega ao governo de mais 110 milhões de doses de vacina contra a covid no segundo semestre, com uso de IFA nacional.
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Butantan espera insumo para este mês

Ana Conceição

21/01/2021

 


Governo de São Paulo faz gestões em Pequim e diz que falta aprovação de apenas uma de quatro instâncias chinesas
Não há entrave comercial ou “geopolítico” que impeça o envio de matéria-prima para a fabricação da vacina contra a covid-19 da Sinovac, na China, para o Instituto Butantan, segundo o diretor da instituição, Dimas Covas. As questões que envolvem a liberação dos insumos são burocráticas, disse. “Não temos informação sobre preferências entre países ou questões geopolíticas. São fatores absolutamente administrativos.” Ele espera a chegada de parte do material até o fim do mês.

Questionado sobre se o contrato com o laboratório Sinovac prevê data de embarque dos insumos para o Brasil, Covas disse que sim, que o acordo está sendo cumprido, mas que o envio dos insumos precisa ser aprovado por quatro instâncias do governo chinês: o Ministério da Saúde, a agência reguladora, a aduana e o Ministério das Relações Exteriores. “O processo está caminhando e há autorização de três dessas instâncias. Falta uma”, disse o diretor do Butantan. Ele não revelou qual instância falta.
Segundo Covas, o Butantan aguarda o envio pela farmacêutica Sinovac de 5,4 mil litros de matéria-prima que estão prontos, a partir dos quais serão produzidas 5 milhões de doses de vacina. Na sequência, haverá outra partida de 5,6 mil litros.

A previsão do Butantan é que os 5,4 mil litros iniciais cheguem ao Brasil no fim deste mês, e os demais 5,6 mil litros, até o dia 10 de fevereiro. Entre o recebimento do material e a disponibilização da vacina para a população, são necessários 20 dias.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) disse que está trabalhando junto às autoridades chinesas, independentemente do governo brasileiro, por meio da Investe SP, agência de fomento do governo estadual, instalada em Xangai. Ele ressaltou o bom relacionamento do governo do Estado com autoridades de Pequim, mas apontou que as relações entre governos nacionais estão estremecidas. “Há um mal-estar claro do governo chinês com o governo brasileiro depois de tantas agressões. Não à toa o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se reuniu hoje [ontem] com o embaixador chinês [Yang Wanming] para tratar do assunto.”
Maia afirmou que o chanceler chinês no Brasil se comprometeu a trabalhar para acelerar os trâmites para a importação das matérias-primas. A demora no embarque afeta também a Fiocruz, que precisa dos insumos para iniciar a fabricação da vacina desenvolvida pela AstraZeneca/ Oxford, que foi adiada de fevereiro para março.

Na entrevista de ontem, Covas afirmou que, se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) der o parecer final sobre o uso emergencial de mais 4,8 milhões de doses da Coronavac nos próximos dias, na próxima semana a vacina poderá ser disponibilizada. Esse pedido de uso emergencial é para o produto fabricado no Brasil, diferentemente da autorização dada no domingo passado para 6 milhões de doses de vacina importadas da China.

Covas ainda lembrou que o Butantan deve produzir 46 milhões de doses de vacina contra a covid-19 até abril e há possibilidade de fabricar mais 54 milhões desde que haja manifestação prévia do Ministério da Saúde. Mas não houve qualquer movimento do órgão nesse sentido.