Título: Articulação imprescindível
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 03/10/2008, Opinião, p. A8

OS NÚMEROS DIVULGADOS esta semana pelo Ins- tituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) emitem sinais perturbadores: o Instituto Nacional de Colonização e Re forma Agrária (Incra) ocupa os seis primeiros lugares no ranking dos 100 maiores desmatadores da Floresta Ama zônica. Foram 2.292 mil quilômetros quadrados devastados em oito assentamentos em Mato Grosso, entre 2006 e 2008 ­ ou 223 mil hectares de matas derrubadas por colonos em agosto, aumento de 134% em comparação com julho deste ano. (Os assentamentos são relacionados ao Incra porque ainda não há titularidade definitiva das terras). Tais números, suficientes para incriminar o órgão, provocou um impasse governamental. Trata-se de uma crise singular: o governo federal está sendo obrigado a enfrentar a si próprio. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, acertou ao divulgar a lista. São evidências inquietantes demais para silenciar. Mas o inquietante mesmo da constatação repousa justamente no fato de o governo ser, ao mesmo tempo, vítima e culpado por suas atividades. Por trás dessas notícias há um problema central: são gigantescas as dificuldades enfrentadas pela política de conservação ambiental. Junto ao Incra, empresas de agropecuária, cooperativas e pessoas físicas compartilham a devastação da Amazônia Legal e expõem os reveses que a política de preservação ambiental tem sofrido. É uma chaga que vem de longo prazo, sobre a qual o ministro Carlos Minc tem se debruçado com louvor. A visível falta de articulação de interesses entre as pastas resulta em acusações e acirra as divergências. De um lado, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, culpa o Ibama por entravar o sistema de assenta mento e golpear a reforma agrá ria. De outro, críticas à indústria dos assentamentos e o ministro Carlos Minc, que não poupou palavras para atacar o modelo adotado para distribuição de ter ras aos assentados. Minc não enfatiza a desor ganização da política de assen tamento à toa. A distribuição de terras, observou o ministro, peca pela desorganização, além de não favorecer nem a produtividade agrícola nem a formação de corredores ecológicos. Some-se o pouco diálogo entre os ministérios, que resulta em falta de coordenação e dificuldades para que sejam implantados projetos e modelos de gestão. Para o país atingir bons resultados e obter avanços no setor ambiental, é preciso que se busque apoio mútuo. A ausência de fiscalização e recursos faz com que áreas habitadas por pequenos agricultores sofram pela carência de orientações sobre produ tividade da terra e conservação. Neste contexto, a parca integração entre as esferas ­ federal, estadual e municipal ­ do governo, tanto para a fiscalização quanto para a execução de planos capazes de aliar conservação e desenvolvimento, dificulta a redução dos índices de destruição de um dos mais ricos biomas do mundo. Uma maior confluência entre setores-chave como agrope cuária, energia e meio ambiente evitaria tristes recordes como os 600 mil hectares de florestas desmatados em 2007 ­ área equivalente a cinco cidades do Rio. Dispensaria, ainda, a necessidade de medidas cada vez mais rígidas (atualmente indispensáveis) para punir crimes ambientais, como multas vultosas e criação de forças-tarefa para levar desmatadores ao banco dos réus. Os índices divulgados pelo Ibama constituem, portanto, razão suficiente para melhor elaboração de projetos que busquem evitar novos desmatamentos. A duplicação da área devastada em tão pouco tempo é indício da necessidade de questionar políticas por trás desse quadro. Apenas com planejamento será possível vis lumbrar um futuro menos perturbador do que tem sido o presente. Os recordes alcançados pelo Incra são resultado de decisões tomadas anteriormente. Espera-se precaução e sensatez.