Valor econômico, v. 21, n. 5171, 20/01/2021. Brasil, p. A7

 

Estados retêm 2ª dose para garantir intervalo

Anaïs Fernandes

Gabriel Vasconcelos

20/01/2021

 

 

Governos estaduais retêm segunda dose da vacina para que muncípios façam a imunização respeitando intervalo recomendado
Governos estaduais estão redistribuindo apenas metade das vacinas Coronavac aos seus municípios e guardando o restante para garantir a aplicação da segunda dose no intervalo recomendado. “A orientação do governo federal foi para que se respeitasse o intervalo de 21 a 28 dias, tanto que a sugestão foi que os Estados pudessem reter metade das doses e fazer uma segunda entrega. A maioria está fazendo assim”, disse ao Valor Carlos Lula, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e à frente da pasta no Maranhão.

Alguns Estados, porém, optaram por enviar de uma vez todos os imunizantes proporcionais a cada cidade, como Mato Grosso do Sul e Pernambuco. Segundo a Secretaria de Saúde pernambucana, o envio das duas doses foi definido em reunião da Comissão Intergestora Bipartite (CIB), com representantes da saúde do Estado e dos municípios, sob a condição de que elas sejam aplicadas respeitando a recomendação do ministério. A secretaria informou que, se uma cidade adotar estratégia diferente, terá de arcar com as eventuais consequências. A Secretaria de Saúde de Mato Grosso do Sul disse estar em contato direto com os municípios, orientando sobre o intervalo a ser observado.
“Não queremos que as segundas doses fiquem nos municípios. É muito mais fácil proteger 26 centrais de abastecimento do que 5.570 municipais”, afirma Wilames Freire, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). A organização também orienta prefeituras para a vacinação em duas etapas respeitando o intervalo.

O Instituto Butantan, responsável pela Coronavac, informou que a estratégia de vacinação é definida pelo Ministério da Saúde, incluindo o intervalo entre as doses, que deve ser de, no mínimo, 14 dias e, no máximo, 28, sendo a média ideal de 21 dias. Bula no site do instituto diz que a resposta imune esperada depende de duas doses e que “a proteção em indivíduos com esquemas incompletos não foi avaliada nos estudos clínicos”.
Para Marco Antonio Stephano, professor de Ciências Farmacêutica da USP, é acertada a estratégia de reter metade das doses nos Estados enquanto a oferta de vacina for restrita. Segundo ele, a dose única estimularia o surgimento de anticorpos por período limitado, de seis a sete meses, sem a fixação de células de memória. “Dose única não seria um total desastre, porque alguma imunidade será conferida, mas pode ser encarada como desperdício de vacina, porque rebaixa a eficácia a patamar inferior ao mínimo (50%). É erro sanitário, imprudência com consequências que serão observadas por promotores de Justiça.” Stephano considera que é dever da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fiscalizar e notificar os aplicadores na ponta, as prefeituras.

O fundador e ex-diretor da Anvisa, Gonzalo Vecina, concorda que a dose única limita “perigosamente” os efeitos da vacina, mas diz que isso não pode ser dimensionado porque o Butantan não divulgou informações sobre dose única. Para Vecina, no entanto, a responsabilidade de coordenar e orientar a campanha nos Estados é do Ministério da Saúde. “Deveria haver recomendação ostensiva [pela dose dupla], que não existe. Se acontecer dose única, vai ser mais uma barbeiragem logística do governo federal.” Procurado, o ministério não se manifestou.