Valor econômico, v. 21, n. 5171, 20/01/2021. Brasil, p. A6

 

Prefeitos temem gasto “represado” durante a pandemia

Rodrigo Carro

20/01/2021

 

 

Despesas das prefeituras que não foram realizadas no ano passado tendem a pressionar orçamentos em 2021
Despesas represadas durante a pandemia tendem a pressionar o caixa das prefeituras em 2021, apesar de uma melhoria na situação geral das contas municipais. A estimativa do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) é de que 1,07 bilhão de procedimentos ambulatoriais e hospitalares deixaram de ser realizados em 2020 por causa da covid-19. Na área de educação, mesmo com a adoção de ferramentas de ensino a distância, a expectativa das prefeituras é de uma ampliação nos gastos tanto por causa da recomposição da carga horária perdida como devido a investimentos para manter as aulas remotas.

Pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), em conjunto com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), constatou que, em maio do ano passado, 16% dos professores das redes estadual e municipal não conseguiram desenvolver remotamente atividades educacionais - por falta de condições técnicas ou financeiras.
Levantamento posterior divulgado em outubro, pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), constatou que - numa amostra de 3.988 municípios pesquisados - 97,5% disponibilizaram atividades pedagógicas não presenciais. A maior parte (3.818 cidades) recorreu à distribuição de material pedagógico impresso. Mas em 3.152 municípios houve aulas por meios digitais.

“O modelo de ensino híbrido [presencial e virtual] me parece que veio para ficar”, afirma Glademir Aroldi, presidente da CNM. A volta às aulas num futuro período pós-covid 19 incluiria, portanto, investimentos em tecnologia da informação.

Presidente da CNTE, Heleno Araújo questiona a viabilidade de as prefeituras manterem o ensino a distância. Ele teme uma sobrecarga dos profissionais na área de educação. “[O ensino híbrido] veio para ficar em que condições?”, pergunta. “Vai ter um ser humano preparado atrás da câmera? Vai ter equipamento para todo mundo? Conexão à internet?” A CNTE conta com 52 sindicatos filiados.

A otimização no uso de recursos pelas prefeituras, decorrente de medidas tomadas para se antecipar aos efeitos da covid-19, fez com que os municípios registrassem em 2020 o melhor ano de fechamento de contas desde 2013, diz Aroldi, da CNM. Ainda assim, ele alerta para o impacto financeiro iminente de gastos que ficaram contidos devido à pandemia.
“Daqui a pouquinho os novos gestores terão de enfrentar a pressão das despesas que estão represadas”, sustenta Aroldi. Na conta entram procedimentos na área de saúde que deixaram de ser realizados em virtude da pandemia. “Grande parte de tudo isso ocorre no município”, diz Daniel Faleiros, consultor técnico do Conasems, referindo-se ao 1,07 bilhão de procedimentos acumulados em 2020. A estimativa abrange desde ações preventivas, consultas e cirurgias eletivas até a distribuição de medicamentos.

Consultor da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Kleber Castro destaca também o aumento dos subsídios ao transporte público como fonte relevante de despesas nas grandes cidades brasileiras. A ampliação dos valores pagos pelas prefeituras a título de subsídio seria uma consequência da retomada no uso do transporte público uma vez superada a pandemia.

Principal fonte de receita das pequenas cidades, os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) projetados para este ano somam R$ 113,4 bilhões, de acordo com o Projeto de Lei Anual Orçamentária (PLOA). O montante é 0,4% menor em relação ao FPM repassado no ano passado.

Em 2019, os repasses de FPM totalizaram R$ 110 bilhões em valores nominais, segundo a CNM. Já em 2020 esse valor alcançou R$ 113,7 bilhões. Por detrás do aparente aumento está, na verdade, a recomposição de receitas do fundo com dinheiro injetado pela União, prevista na Lei Complementar nº 173. A recomposição foi de R$ 7,7 bilhões. Sem ela, haveria queda de 4,2% no total de repasses.

Castro, da FNP, defende que é preciso analisar mais que os repasses. “A base de cálculo [para os repasses do FPM] não vai recuperar neste ano a perda em termos reais ocorrida em 2020”, diz, referindo-se aos recursos do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados.

Dados compilados pelo Observatório de Informações Municipais (OIM) indicam que 50,89% da receita orçamentária per capita dos municípios com até 2 mil habitantes era proveniente de repasses do FPM em 2019. Nas cidades com população entre 2 mil e 5 mil habitantes, esse percentual era de 42,53%. “Os municípios mais afetados são os de menor porte demográfico, uma vez que a participação do FPM em relação à receita orçamentária é maior”, diz o economista François Bremaeker, gestor do OIM.