Valor econômico, v. 21, n. 5170, 19/01/2021. Brasil, p. A3

 

Insumo chinês para vacina tem superdemanda

Maria Cristina Fernandes

19/01/2021

 

 

Pequim não tem data para envio de catalisador diante da necessidade de atender população da própria China
O envio do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), catalisador do qual depende a fabricação das vacinas tanto da AstraZeneca quanto da Sinovac no país, não tem data para chegar ao Brasil. O contrato prevê que um primeiro lote seja enviado até o fim de janeiro mas, na avaliação de fontes que acompanham a negociação em Pequim, a deliberação está presa nos escaninhos da burocracia chinesa.

Mais que as rusgas políticas das relações entre os dois países, estariam pesando na decisão injunções como a necessidade de ampliar a vacinação. Até agora a China só vacinou 10 milhões de pessoas (de uma população de 1,4 bilhão). O ritmo, que não difere muito de outros países na Ásia, reflete a baixa incidência da covid-19 sobre a população. A ampliação deve começar pelos profissionais de saúde, o que exigiria, de imediato, 50 milhões de doses.

Num país que tem quatro fábricas de vacina com capacidade de produzir 3 bilhões de doses contra a covid-19 por ano, a demanda interna não deveria ser problema, mas a pressão pelo imunizante vem do mundo inteiro e dilui as pressões do Brasil no oceano de prioridades com as quais o governo chinês tem que lidar.

O chanceler Wang Yi cumpriu no início de janeiro agenda de visitas a cinco países africanos dando seguimento à tradição de iniciar o ano diplomático pelo continente. Na viagem, cuidou da implementação da cooperação firmada pelo fórum que reúne os países do continente e a China pelo combate à covid-19. Ficou claro que a África, por ora, é a prioridade na “diplomacia das vacinas” chinesa.

Avalia-se, ainda, que a negociação só ganhou tração no início deste ano, tanto porque o Brasil acabou ficando para trás no calendário de vacinação até de vizinhos na América Latina, quanto porque a pressão política egressa dos governadores, especialmente o de São Paulo, aumentou. Só em dezembro, a diplomacia brasileira foi acionada para acompanhar o cronograma de liberação do insumo na China.
Na reunião que teve na manhã de ontem, em São Paulo, com o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o governador do Piauí, Wellington Dias, coordenador do tema no Fórum Nacional de Governadores, disse ter ouvido a promessa de um cronograma mais efetivo para a chegada do IFA. Aos governadores foi garantido que, se o ingrediente chegar até 31 de janeiro, 4,6 milhões de doses da AstraZeneca podem ser entregues em fevereiro.

Além das 6 milhões de doses da coronavac já distribuídas, o Instituto Butantan tem outros 4 milhões de doses, envasadas no Brasil. Na reunião de domingo, a Anvisa liberou as vacinas produzidas na China. Falta liberar as demais.
A maior preocupação dos epidemiologistas é a de que os gestores públicos só apliquem as doses de Coronavac recebidas na quantidade suficiente para que sejam capazes de repetir a segunda dose daqui a três semanas, prazo que garante a eficácia da vacina. Uma reunião na tarde de ontem entre técnicos da vigilância sanitária e do programa de imunização do Ministério da Saúde deve detalhar o cronograma de vacinação a ser enviado aos Estados e municípios.

A maior dificuldade do cronograma é a segurança em relação à disponibilidade do IFA e também a conclusão das obras de ampliação da fábrica da Bio-Manguinhos/ Fiocruz, fabricante da vacina da AstraZeneca no Brasil. A previsão inicial era a de que a Fiocruz entregaria 52 milhões de doses até abril e o Butantan, 100 milhões até o fim do primeiro semestre.

Antes de deixar São Paulo, Wellington Dias falou com o governador João Doria, que não participou da reunião com Pazuello, sobre a cerimônia com a qual o Estado saiu à frente dos demais na vacinação. “Nosso único ponto de divergência era em relação à data do início da vacinação. Reconhecemos o esforço do Butantan e do próprio governador, mas havíamos pactuado, desde outubro, que haveria um regramento nacional para isso. Mas decidimos virar a página.”
O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse ontem que é preciso receber novos insumos da China até o fim do mês para não atrasar o cronograma de produção da Coronavac. “As duas matérias-primas [da vacina de Oxford e da Coronavac] precisam de autorização do governo chinês para serem exportadas. O Brasil tem de se preocupar com essa relação para a China avalizar a chegada dessa matéria-prima.”

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Próximo mês será crítico por falta de matéria-prima, prevê pesquisador

Lucianne Carneiro

19/01/2021

 

 

Pesquisador da Fiocruz diz que próximos 30, 40 dias serão críticos pois país ainda não tem insumo para produção da vacina contra a covid-19
Ex-diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Julio Croda acredita que o início “atropelado” da vacinação contra a covid-19 vai fazer com que faltem doses para cumprir a primeira fase do Plano Nacional de Imunização (PNI).

“Sempre teve falta de alinhamento, seja na forma de divulgação [do plano de vacinação], sobre quem será vacinado, a questão das datas... Este início da campanha atropelado vai fazer com que faltem doses da vacina”, diz o médico infectologista, que trabalhou na linha de frente de combate ao coronavírus até março de 2020.

Ele afirma que seriam necessárias 28 milhões de doses para vacinar o público de 14 milhões desta primeira fase - considerando a primeira e a segunda aplicação. Ao todo, as três primeiras fases do plano de vacinação incluem um público de 51 milhões de pessoas.

“Não temos nem 30% do que a gente precisa só para esta primeira fase da vacinação. Há poucas doses para uma demanda enorme da população por uma vacinação em massa. O que pode ocorrer é que em poucos dias as vacinas acabem. E os próximos 30, 40 dias serão mais críticos porque ainda não temos nem envasamento do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) nem produção local, o que é essencial para a produção dos dois laboratórios públicos com vacinas, o Instituto Butantan e a Fiocruz.”

A AstraZeneca, que tem contrato com a Fiocruz para a produção de vacina contra a covid-19, disse em nota: “A AstraZeneca está trabalhando atualmente para apoiar o desenvolvimento da produção no Brasil de 100,4 milhões de doses da vacina. A empresa continua trabalhando para liberar os lotes planejados de IFA para a vacina o mais rápido possível”. E acrescentou: “Além disso, para permitir o início da vacinação antecipada, a AstraZeneca trabalhou para que a Fiocruz contratasse diretamente do Serum Institute of India (SII), nosso parceiro de sublicenciamento, o fornecimento de 2 milhões de doses prontas para o uso, adicionais para o Brasil”;
Croda defende uma ação mais intensa do Ministério de Relações Exteriores para auxiliar na negociação dos dois laboratórios com a China, para a liberação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA).