Valor econômico, v. 21, n. 5169, 18/01/2021. Política, p. A8

 

Estados reabrem pressão para sustar precatórios

Malu Delgado

18/01/2021

 

 

Pandemia da covid-19 fez com que Estado de São Paulo procurasse dilatar o prazo
Nova articulação política em curso pode reabrir no Congresso o debate sobre a postergação dos débitos de precatórios da União, Estados e municípios, tendo como pretexto central os gastos com a pandemia de covid-19.

Se isso ocorrer, uma ampla concertação nacional que foi costurada com lideranças políticas, setores do Judiciário e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2017, será jogada por terra. Naquele ano, foi promulgada a Emenda 99, que determinou o prazo, até 2024, para que essas dívidas pendentes do poder público com cidadãos e empresas sejam quitadas. Um dos Estados com maior interesse na prorrogação dos pagamentos de precatórios é São Paulo.
A equipe econômica do governador João Doria (PSDB) quer adiar por mais quatro anos, até 2028, esses pagamentos. Para isso, aposta em votação de nova emenda no Senado, patrocinada pelo senador José Serra (PSDB-SP).

Atual secretário-geral da Comissão de Precatórios da OAB e presidente da Comissão de Estudos de Precatórios do Instituto dos Advogados de São Paulo, Marco Antonio Innocenti critica o movimento e afirma que nova moratória de precatórios é “inadmissível”. Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pedido do escritório de Innocenti, alerta que o atraso de pagamento de precatórios pode ter impacto negativo no crescimento econômico e também consequências sociais.

O estudo da FGV, concluído ao final de 2020, aponta que a tentativa de suspender o pagamento de precatórios, diante da crise de covid-19, pode ser feita com o argumento de que “o dinheiro seria destinado a políticas que beneficiariam a economia”. “Todavia, o não pagamento dos precatórios pode ter impacto social negativo ao lesar os credores, sendo que parcela significante das dívidas são de precatórios de natureza alimentar e muitos credores têm mais de 60 anos”, diz o estudo.

Segundo Innocenti, a pressão para mais uma vez modificar esses prazos, que tem no governo de São Paulo um dos principais adeptos, “reflete uma incapacidade de gestão e uma má qualidade desta gestão”. “São Paulo está pagando hoje precatórios de 2003. Estamos em 2021. É o Estado que tem a pior relação de dívida de precatório com suas receitas. E isso está acabando com a capacidade fiscal dos governos, que insistem em não pagar, achando que a prorrogação, por si só, resolve o problema”, critica.
Os Estados e municípios do país, juntos, têm dívida de precatórios que, em 2018, somava R$ 99 bilhões, diz estudo da FGV. Desde a Constituição de 1988, o Brasil já fez três moratórias constitucionais (com emendas) para não realizar os pagamentos dessas dívidas nos prazos legais estabelecidos. A emenda mais recente é a 99/2017.

De março a setembro de 2020, o governo de São Paulo conseguiu suspender, com aval do Tribunal de Justiça, o pagamento de precatórios, pela excepcionalidade da pandemia. Ao final deste prazo, o Estado tentou novo adiamento, escalonado. O caso acabou chegando, em dezembro, ao Supremo. O ministro Luiz Fux, presidente do STF, concedeu, então, liminar favorável ao governo paulista, suspendendo, mais uma vez, o desembolso de R$ 2,2 bilhões, em 2020.

Para Fux, o desembolso “prejudicaria o cumprimento do dever constitucional do ente estadual de proteger a vida e a saúde da população nesse contexto excepcional".

O secretário de Projetos, Orçamento e Gestão de São Paulo, Mauro Ricardo, contesta o cronograma do Conselho Nacional de Justiça para que os Estados quitem, anualmente, até 2024, os precatórios. A secretaria informou, por nota, que reservou R$ 2,54 bilhões no orçamento de 2021 para precatórios. “A aprovação da Emenda 99 com prazo até 2024 se deu num contexto econômico diferente para São Paulo e demais Estados”, diz a nota enviada ao Valor.

O governo paulista argumenta, ainda, que devido à pandemia “a crise econômica se agravou com queda brusca da arrecadação e aumento das despesas”. Dezenas de Estados, diz o governo de São Paulo, questionam no STF a dificuldade de cumprimento da resolução do CNJ de 2020. Há, hoje, três ações no STF questionando a quitação de precatórios. Os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber e Kassio Nunes são os relatores.