Valor econômico, v. 21, n. 5169, 18/01/2021. Política, p. A8

 

Juristas pedem à PGR que denuncie Bolsonaro por sabotar vacinação

André Guilherme Vieira

18/01/2021

 

 

Para ex-ministro da Justiça,“ Bolsonaro é um delinquente que indiscutivelmente tem praticado crimes”
O descaso de Jair Bolsonaro com a efetivação de um plano de vacinação para o país levou um grupo de 352 pessoas, formado por juristas, intelectuais, artistas e ambientalistas, a solicitar a abertura de uma ação criminal contra o presidente da República no Supremo Tribunal Federal (STF), responsabilizando-o por “sabotar e frustrar” o processo de imunização de modo a colocar em risco a saúde pública.

A petição foi ajuizada na Procuradoria-Geral da República (PGR) na sexta-feira e é dirigida ao chefe do órgão, Augusto Aras - única autoridade com competência para denunciar o presidente da República na eventualidade da prática de crime comum.
“O presidente Jair Bolsonaro é um delinquente que indiscutivelmente tem praticado, reiteradamente, vários crimes ao longo do período em que vem ocupando a função presidencial”, afirmou ao Valor o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, um dos signatários do documento.

O ex-ministro fez referência às atitudes adotadas por Bolsonaro desde o início da pandemia, como a minimização da doença que já matou mais de 2 milhões de pessoas no mundo e cerca de 210 mil no Brasil; o encorajamento público do uso de medicamentos sem comprovação científica de eficácia para combater a covid-19, como a cloroquina e a ivermectina; e o estímulo frequente à formação de aglomerações em locais públicos, com apoiadores reunidos sem máscara em seu retorno.
“O presidente da República tem fomentado toda sorte de subterfúgios e sabotagens para retardar ou mesmo frustrar o processo de vacinação, embora o país seja historicamente reconhecido como referência internacional de prevenção de doenças por meio imunobiológico”, diz o texto da petição.

A peça jurídica enfatiza a postura de Jair Bolsonaro de desestimular e questionar repetidamente a eficácia da vacinação para combater o coronavírus.

“Em lugar de engajar-se nas tratativas com fornecedores internacionais [de vacinas] e motivar as instituições nacionais de pesquisa e desenvolvimento a realizarem suas missões institucionais, dedicou-se a levantar dúvidas sobre a efetividade das vacinas e ressaltar a facultatividade da sua aplicação”.

A petição destaca ainda que recentes pesquisas de opinião revelaram o aumento do percentual de brasileiros que declararam que não se vacinarão contra a covid-19 após o presidente da República colocar em dúvida e atribuir falsos efeitos colaterais a diversos imunizantes.

“A situação pode ainda ter se agravado após o pronunciamento do representado [Bolsonaro] informando que não vai tomar qualquer vacina, por entender que já teria anticorpos em razão de ter contraído a doença ainda no início da pandemia de covid-19”.

A petição também registra postagens de Bolsonaro nas redes sociais. Em uma delas, um seguidor que se identifica como um jovem de 17 anos faz um apelo para que o presidente não compre a vacina do Butantan para evitar “interferência da ditadura chinesa”. Em letras maiúsculas, Bolsonaro responde: “Não será comprada”.

O documento conta com nomes de juristas como Celso Antônio Bandeira de Mello, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, Alberto Zacharias Toron, Igor Tamasauskas, Marco Aurélio Carvalho e o ex-secretário de Justiça de São Paulo, Belisario dos Santos Junior. Também assinam o pedido enviado a Aras o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, o ex-secretário de Saúde de São Paulo, Gonzalo Vecina Neto, e ainda o escritor Milton Hatoum, a autora e filha de Jorge Amado, Paloma Jorge Amado, o cineasta Walter Salles, as atrizes Marieta Severo e Paula Lavigne, o ex-jogador e comentarista esportivo Walter Casagrande e a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP).
Sobre o fato de o procurador-geral da República ter sido indicado ao cargo por Bolsonaro fora da tradição da lista tríplice composta por meio de votação, o ex-ministro José Carlos Dias ressalta que o dever de Augusto Aras é analisar a representação pelo viés jurídico.

“Essa é uma outra questão, a responsabilidade do procurador-geral da República é cumprir com o seu dever, ainda que eu não possa dizer se ele irá ou não cumpri-lo”.

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Liberação de vacinas é exaltada mas presidente silencia

Estevão Taiar

Cristiano Zaia

18/01/2021

 

 

Aprovação pela Anvisa do uso emergencial das vacinas CoronaVac e da AstraZeneca foi comemorada por integrantes do Legislativo e do Supremo, e contrastou com silêncio de Bolsonaro
Assim que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso emergencial das vacinas CoronaVac e da AstraZeneca contra a covid-19, uma série de políticos, magistrados, ex-ministros da Saúde e autoridades vieram a público para comemorar a decisão da agência reguladora.

Pelo Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não só comemorou em sua conta no Twitter a autorização para as vacinas como ainda agradeceu o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). “A data de hoje entra pra história. Venceu a ciência, finalmente teremos as primeiras vacinas disponíveis à população brasileira e milhares de vidas serão salvas. A Anvisa cumpriu seu papel de agência do Estado”, disse.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também aplaudiu em suas redes a carta branca para o início da vacinação: “Seja de onde for, venha de onde vier, a vacina é essencial para que possamos retomar as rédeas de nossas vidas. Vem, vacina!”.

Os dois candidatos à Presidência da Câmara também se posicionaram. Baleia Rossi (MDB-SP) rendeu “aplausos aos cientistas e profissionais de saúde que tornaram a vacina possível. Em meio a tanto negacionismo, vocês são esperança. Vamos vacinar a população e vencer o coronavírus”. Arthur Lira (PP-AL) fez rápida menção à vacinação: “A Câmara precisa voltar a ser sinônimo de solução e não de problema. Sobretudo nesse momento crucial da pandemia. Vamos vacinar o nosso povo!”.

Pelo Senado, a candidata à presidência da Casa, Simone Tebet (MDB-MS), usou a hashtag “#Esperança De Volta” e defendeu um plano nacional para imunizar toda a população brasileira: “A vacinação finalmente começou no Brasil! A ciência venceu! A vacina é o caminho mais seguro para impedir a repetição das cenas de horror que assistimos na última semana em Manaus. Esperamos agora um plano nacional de vacinação para todo o país.”

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também usaram suas redes sociais para elogiar a Anvisa e comemorar a autorização das vacinas. Gilmar Mendes chamou a decisão da agência reguladora de “alento” e fez um alerta: “Devem agora os governantes estar à altura do desafio de imunizar toda a população”. Já Alexandre de Moraes afirmou que “acreditar na ciência é o único caminho sério no combate à pandemia”.
No fim da tarde, também houve uma pequena manifestação na frente do Palácio do Planalto organizada por partidos de oposição que pediu o impeachment de Jair Bolsonaro. Até o fechamento desta edição, o presidente da República não havia feito nenhuma declaração ou se pronunciou sobre a decisão da Anvisa.