Valor econômico, v. 21, n. 5169, 18/01/2021. Brasil, p. A6

 

Amazonas faz Estados acenderem sinal de alerta

Rodrigo Carro

Lucianne Carneiro

Juliana Schincariol

Marina Falcão

Cibelle Bouças

Anaïs Fernandes

18/01/2021

 

 

Em 21 Estados e no DF, novo coronavírus está em expansão
A crise vivida por Manaus expõe a complexidade dos sistemas de saúde e dispara um sinal de alerta para Estados que registram ritmo de transmissão elevado do vírus e números da doença acelerando rapidamente nas últimas semanas, alertam especialistas.

Até sábado, em 21 dos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal, o número efetivo de reprodução (Rt) da covid-19 estava acima de 1, sinalizando expansão da doença, de acordo com a ferramenta Covid Analytics, criada por professores da PUC-Rio. O indicador estima quantas pessoas, em média, alguém infectado contamina. Marcelo Fernandes, professor da FGV-SP e pesquisador associado ao Covid Analytics, explica que os Estados com Rt elevado devem enfrentar ritmo de contágio mais rápido nas próximas semanas.
Com hospitais em calamidade por falta de oxigênio, o Amazonas tem o maior Rt (1,6). A ocupação dos leitos superava 90% para Unidades de Terapida Intensiva (UTIs) de covid-19 até o dia 15, último dado da Secretaria de Saúde. Questionado sobre a abertura de novos leitos, o governo afirmou que a prioridade agora é “garantir assistência adequada aos pacientes internados nas unidades já em funcionamento”.

Embora não tenha um Rt tão alto quanto o amazonense, o Rio de Janeiro registrava, até ontem, a maior taxa de mortalidade entre os Estados, segundo o Ministério da Saúde. Eram 161 mortes por covid para cada cem mil habitantes, acima da do Amazonas (149,4). O site do governo fluminense mostrava, na noite de ontem, taxa de ocupação em leitos de UTI para covid de 68,3%. Em nota, a Secretaria de Saúde informou que o abastecimento de oxigênio em hospitais públicos administrados pelo Estado “encontra-se regular” e “não há previsão de escassez nas unidades”.
Na capital, a taxa de ocupação do Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, referência para o tratamento da doença, estava em 87%. No Hospital Federal da Lagoa, que tinha 119 leitos inativos, a maioria por falta de profissionais, a ocupação era de 100%. O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, garante, no entanto, que a cidade não corre o risco de enfrentar situação dramática similar à de Manaus. “O Rio de Janeiro tem uma rede hospitalar muito maior”, disse.

Na opinião do infectologista Evaldo Stanislau de Araújo, do Hospital das Clínicas da USP, a situação vivida em Manaus pode se repetir em outras cidades, inclusive no Rio. Na capital do Amazonas, lembra ele, o comércio permaneceu aberto e a população não evitou aglomerações - e o mesmo acontece em diversos municípios.

A experiência recente de Manaus evidencia a complexidade do sistema de saúde brasileiro, segundo o pesquisador da Fiocruz Christovam Barcellos. “A falta de um item, no caso o oxigênio, é vital para o hospital.” Na sexta-feira, o secretário de Saúde de Roraima, Marcelo Lopes, disse à Rede Amazônica, segundo o portal G1, que o Estado tem oxigênio suficiente para uma semana, mas afirmou que não há motivo para preocupação.

Em Mato Grosso, que tem o segundo maior Rt (1,35), a taxa média de ocupação das UTIs da rede estadual estava em 70,84% ontem, muito acima dos 50,87% de 1º de janeiro. Em nove das vinte unidades com leitos de UTI, a taxa de ocupação está em 90% ou mais - em quatro hospitais, é de 100%.

Barcellos, da Fiocruz, ressalta que ampliar leitos não é algo trivial. “Abrir leitos não é abrir camas.” Com ocupação em UTI de covid rondando 80%, o Paraná abriu seis novos leitos em Arapucana, por exemplo, mas relata dificuldades em encontrar profissionais para as novas unidades. “Já teve situação em que havia a previsão de novos leitos, mas não foi possível efetivar”, disse a Secretaria de Saúde em nota.
Apesar do aumento na incidência de casos, o governo Minas Gerais diz que não há falta de gases medicinais e leitos. “O serviço está sendo prestado normalmente e atendendo a demanda”, informou a secretaria a respeito dos gases. O Estado apresenta a menor taxa de mortes (63,6 por cem mil habitantes) do Brasil.

______________________________________________________________________________________________________________________

Manaus vive semana de desespero e mais de 150 morrem nos últimos 3 dias

Izabel Guedes

18/01/2021

 

 

Mesmo com a chegada do oxigênio em muitas unidades de saúde, o insumo tinha hora para acabar e não era suficiente para suportar a demanda
Uma semana de revolta, desespero, esperança e dor. Foi essa a combinação de sentimentos na população do Amazonas, na semana em que o Estado atingiu a marca de mais de 6 mil mortes causadas pelo coronavírus. Somente nos últimos três dias, quando o caos no sistema de saúde pública ficou escancarado com a falta de oxigênio nos hospitais da capital e interior, mais de 150 pessoas morreram vítimas da doença.

Os dados apontam ainda um número diário de mais de 2 mil casos confirmados em todo o Estado. Os números já ultrapassaram os registros feitos nos meses de abril e maio quando o Amazonas atingiu o ápice da doença na primeira onda do covid-19 na região.
No fim de semana, em virtude dos números crescentes, o cenário nos hospitais ainda era de dor e angústia. Mesmo com a chegada do oxigênio em muitas unidades de saúde, devido a doações e compras feitas pelo governo estadual, o insumo tinha hora para acabar e não era suficiente para suportar a demanda.

Na madrugada de domingo alguns pacientes que precisavam do oxigênio morreram no Hospital e Pronto-Socorro Platão Araújo, zona leste de Manaus. O familiar de umas das vítimas relatou que uma sirene avisa quando o produto vai acabar. “Avisaram por volta das 5h. Foi um desespero, correria. Minha prima, internada no local há alguns dias, não resistiu. Tentaram reanimar, mas ela não sobreviveu. O que a gente não entende é para onde está indo esse material, porque as pessoas continuam morrendo. Hoje a gente tem a sensação de que nem pode ficar doente, pois vai morrer sem atendimento”, disse o universitário Rodrigo Alves.

Nos hospitais os relatos são de preocupação e desespero de familiares e amigos é constante e mostra que o problema está longe de ser solucionado. “Passei pelo mesmo desespero com minha irmã e sobrinho. Minha irmã ainda está em oxigênio e meu sobrinho está fazendo o uso salteado do oxigênio. É um absurdo o que está acontecendo no nosso Estado. Um caos generalizado”, disse Lúcia Teixeira, funcionária pública.
Situação complicada também para quem está se tratando em casa. É o caso do avô do técnico de televisão Caio Silva. O idoso tem 92 anos e tem recebido tratamento contra a covid-19 na sua residência. A família tem buscado de todas as formas comprar o insumo por conta própria e passou boa parte do domingo na fila de uma empresa na zona leste da cidade para encher o cilindro com o oxigênio. O local é o único que ainda fazia o serviço até ontem.

“O oxigênio está chegando nos hospitais, mas muita gente está fazendo o tratamento em casa. O meu avô, por exemplo, tem plano de saúde, mas não conseguiu se internar. Tentamos até na rede pública, mas não estão recebendo os pacientes porque também não têm onde colocar. Em alguns casos eles até recebem, mas o paciente precisa levar o cilindro de oxigênio de casa. Só para se ter uma ideia da situação”, relatou.

O cenário não tem sido diferente no interior do Estado. No município de Itacoatiara, 270 quilômetros de distância de Manaus, a justiça determinou, também no fim de semana, que o governo enviasse 150 cilindros de oxigênio para o Hospital Regional José Mendes em Itacoatiara, interior do Amazonas.

O material chegou a ser enviado ainda na tarde de sábado, por helicóptero da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), porém os três cilindros de 50 litros cada um não foram suficiente para atender demanda do local. Na noite de domingo, nove pessoas morreram na unidade de saúde, por falta de oxigênio no local.