O Estado de São Paulo, n.46343, 04/09/2020. Metrópole, p.A14

 

Maia defende âncora fiscal e ambiental

Cleide Silva

04/09/2020

 

 

Presidente da Câmara participou do debate promovido pelo 'Estadão' e disse ser necessário recuperar a imagem desgastada do Brasil

A retomada da economia brasileira tem de ocorrer a partir de um grande "pacto verde", e não nas mesmas bases de antes da pandemia do coronavírus, sob o risco de o País ficar de fora de grandes mercados globais. É preciso ter mais inclusão social e uma economia circular, voltada à inovação e com critérios ambientalmente corretos.

Essa foi uma das conclusões do debate promovido ontem pelo Estadão com o tema "Como fazer o Brasil passar de um vilão internacional a uma potência sustentável" e participações de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados; Carlos Nobre, cientista e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP; e Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A moderação foi de Fernando Gabeira, articulista do Estadão.

O painel integra o seminário Estadão Retomada Verde, que prossegue hoje. Autoridades, especialistas e representantes de diferentes setores da sociedade discutem assuntos relacionados ao movimento global que surgiu durante a pandemia da covid-19 e propõe reconstruir a economia dos países de maneira mais sustentável (veja como se inscrever no seminário em https://bit.ly/2YPvH4c).

Maia afirmou que uma das tarefas hoje é recuperar a imagem do Brasil, que há muitos anos vinha sendo construída na linha da preocupação com a preservação e com a valorização do meio ambiente, mas, "infelizmente", o presidente Jair Bolsonaro ganhou a eleição com outro discurso. Ele citou que, ao longo de 2019, o Ministério do Meio Ambiente desmontou tudo o que foi construído desde a década de 1990.

Segundo ele, a Câmara vem tentando atuar com projetos conjuntos para os setores de meio ambiente, agronegócio e área financeira, a fim de ampliar esse debate e promover a melhoria da imagem do País, sobretudo com os investidores. "Do ponto de vista da Câmara, estamos tentando construir consensos para mostrar a importância da preservação do meio ambiente para que o País recupere a capacidade de atração de investimentos em ambiente seguro, com duas âncoras importantes: a fiscal e a ambiental", disse. "Sem essas duas âncoras, nada será relevante", emendou, destacando que isso tem de ser preocupação permanente.

O presidente da Câmara lembrou que as recentes pressões externa e interna pelo fim do desmatamento da Amazônia levaram parte da sociedade a trabalhar com outra ordem relacionada à preservação ambiental. E ressaltou que há vários projetos em discussão na Câmara, como o da punição ao desmatamento ilegal e o de como avançar no mercado de carbono. Para ele, a sociedade precisa sinalizar de forma clara, mostrando que a agenda ambiental é prioridade de todos, e também pressionar o governo.

Biodiversidade. Marina Grossi reforçou que o Brasil tem a maior biodiversidade do mundo e matriz limpa – e nenhum país do mundo fala em retomada pós-pandemia sem agregar a retomada verde, "o que significa ter mais inclusão social e uma economia mais limpa". Para ela, toda inovação no mundo dos negócios tem de ocorrer com critérios ambientalmente corretos.

Marina defendeu o fortalecimento de sistemas de rastreabilidade, até mesmo com ajuda governamental. Segundo ela, vários países exigem, por exemplo, que a carne seja 100% rastreada no país e o Brasil não pode participar desses mercados globais, mesmo tendo competitividade e algumas empresas com sistemas de monitoramento. A rastreabilidade é uma tecnologia que consegue saber do início ao fim onde o boi estava, se em área desmatada ou não.

"A tecnologia aliada a questões ambientais e sociais é a resposta para o Brasil, porque somos muito competitivos."

O cientista Carlos Nobre disse que as pandemias, como a da covid-19, têm a ver com o desequilíbrio ecológico e ressaltou que "por muita sorte" ainda não tivemos nenhuma pandemia originária da Amazônia – local que mais tem microrganismos no mundo – diante do que estamos fazendo com a floresta. "A saída da pandemia tem de incluir política de proteção global às florestas tropicais", defendeu.

Em sua opinião, não faltam dados para melhorar as ações de fiscalização, "mas, infelizmente, o que atrapalha é o discurso político, apoiado pelo setor conservador do agronegócio, que incentiva um modelo atrasado de desenvolvimentismo que a gente já queria ter deixado para trás".

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