O globo, n.31902, 10/12/2020. Mundo, p. 31

 

Novela prorrogada

10/12/2020

 

 

Numa viagem de emergência a Bruxelas para se reunir com a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, não conseguiu ontem obter concessões que levassem à conclusão do acordo que vem sendo negociado há meses para reger as relações comerciais entre o Reino Unido e o bloco apartir do próximo 31 de dezembro, quando acaba o pro- cesso de transição do Brexit.

Em um clima de pessimismo, Boris e Von der Leyen concordaram em prorrogar as negociações até domingo, agora conduzidas pelas equipes de negociadores, e prometeram até lá uma “decisão firme”. Os dois lados permaneceram “distantes”, disse ela, depois de um jantar que descreveu como “animado” eque duro umais de três horas. “Tivemos uma discussão calorosa e interessante sobre os temas pendentes. Entendemos as posições de cada lado. Estão muito distantes”, disseram os dois em nota conjunta.

Caso não haja um acordo que de certa forma mantenha laços comerciais especiais entre os dois lados, as relações nesse campo passarão a ser regidas pelas normas da Organização Mundial do Comércio( O MC) para quaisquer países que não tenham acordos bilaterais. Isso, na prática, significará o fim brusco do livre movimento de pessoas, bens, serviços e capital.

Antes de viajar para Bruxelas, Boris havia afirmado que a União Europeia (UE) deveria descartar as demandas que ele diz serem inaceitáveis, afim de evitar um rompimento turbulento em 31 de dezembro. Ao Parlamento, ele disse que “um bom negócio” ainda poderia ser feito se a UE abandonasse suas exigências, mas insistiu em que o Reino Unido prosperaria com ou sem um acordo comercial coma UE.

—Concordem ou não, não tenho dúvidas de que este país prosperará fortemente —afirmou, sob aplausos dos legisladores de seu Partido Conservador.

IMPASSE EM TRÊS TEMAS

Após oito meses de negociações, o impasse continua centrado nos mesmos três temas: o direito de barcos europeus pescarem em águas britânicas; normas de concorrência e subsídios estatais a empresas britânicas; e as jurisdições para a resolução de possíveis contenciosos entre Londres e Bruxelas.

Boris e Von der Leyen já haviam conversado por telefone no sábado e na segunda feira, mas em ambas as ocasiões admitiram que as diferenças em assuntos críticos ainda eram “significativas”.

Segundo Boris, Bruxelas quer que o Reino Unido seja automaticamente punido caso descumpra leis que venham a ser aprovadas pela UE, e insiste em que Londres desista do controle soberano das águas britânicas.

— Não acredito que esses sejam termos que qualquer primeiro-ministro deste país deva aceitar — declarou, novamente aplaudido no Parlamento e ressaltando: — [Os europeus] querem que o Reino Unido seja] o único país do mundo sem direitos de pesca em suas próprias águas.

O primeiro-ministro disse, ainda, não temer uma ruptura brutal no fim do ano, apesar de suas consequências serem mais duras para a economia britânica do que para a dos 27 Estados-membros da UE.

Em resposta ao discurso de Boris, a comissária de Serviços Financeiros da UE, Mairead McGuinness, disse que a Comissão Europeia está preparando planos de contingência “muito específicos e focados” para garantir que, caso não haja um acordo, “setores vulneráveis, como transporte e aviação”, sejam preservados.

— Não estou muito confiante com o discurso feito pelo primeiro-ministro britânico hoje —disse McGuinness.

— Acho que há uma falha de compreensão, que talvez seja uma falha do Brexit desde o início. Se você opta por sair, há consequências, principalmente se um país quer permanecer no mercado único.

MERKEL AINDA OTIMISTA

Antes do encontro entre Boris e Von der Leyen, Londres anunciou na terça-feira que revogaria, caso haja acordo, cláusulas da controversa Lei do Mercado Interno que violariam o pacto que permitiu o Brexit, firmado no final de 2019. Mais do que uma concessão, porém, a medida foi vista por especialistas como uma tentativa de tirar vantagem do simples cumprimento das regras, e foi recebida com fúria pela UE, que ameaça levara lei britânica a cortes internacionais.

O Reino Unido saiu oficialmente da UE em 31 de janeiro deste ano, mas desde então houve um período de transição que termina no final do ano, quando Londres deixará definitivamente o mercado comum e a união aduaneira.

O principal negociador europeu, Michel Barnier, afirmou no Twitter na terça feira que a UE “nunca sacrificarás eu futuro par achegara um acordo ”, em uma referência óbvia à incapacidade de fazer mais concessões a Londres. “O acesso ao nosso mercado tem condições”, acrescentou.

À semelhança do líder britânico, a chanceler alemã, Angela Merkel, considerou ontem que “ainda há possibilidades de se chegar a um acordo ”, embora tenha reafirmado que isso deve “preservar a integridade do mercado interno europeu ”.

Os líderes europeus realizarão uma cúpula hoje e amanhã em Bruxelas, mas o Brexit não está na agenda.