O globo, n.31902, 10/12/2020. País, p. 9

 

Em ano de importação recorde, Bolsonaro zera alíquota de armas

Bernardo Mello 

Rayanderson Guerra 

Victor Farias 

10/12/2020

 

 

 Recorte capturado

Alvo de mais uma flexibilização do governo Jair Bolsonaro, a importação de armas no país este ano, com números ainda em evolução, já é quase o dobro do registrado em 2019 e mais do que o triplo de 2018. Segundo dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), do Ministério da Economia, 102,3 mil revólveres e pistolas estrangeiros foram comprados até meados de novembro por pessoas físicas e jurídicas e por órgãos públicos. No ano passado, haviam sido importados 54,6 mil armamentos desse tipo, o que já representava um salto em relação a 2018 e à série histórica: o número equivalia à soma de todas as armas importadas entre 2009 a 2017, de acordo com o Siscomex.

Ontem, uma resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicada no Diário Oficial da União (DOU) extinguiu a alíquota incidente sobre revólveres e pistolas importados. Até então, a taxa era de 20% sobre o valor dos produtos. A medida, que passa a vigorar no próximo dia 1º, foi anunciada por Bolsonaro nas suas redes sociais. Para especialistas em segurança pública, a nova regra contribui para um processo de fragilização do controle sobre armas e munições observado no atual governo.

“A CAMEX editou resolução zerando a Alíquota do Imposto de Importação de Armas (revólveres e pistolas). A medida entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2021”, escreveu Bolsonaro.

Numa estimativa a partir do custo total dos revólveres e pistolas estrangeiros que entraram no país este ano informado em dólares pelo Siscomex,, o governo brasileiro deveria recolher o equivalente a US$ 5,6 milhões somente em imposto de importação. Com a resolução publicada ontem pela Camex, órgão vinculado ao Ministério da Economia, esta receita cai a zero.

— É uma medida que não apresentou um estudo, inclusive de impacto econômico. É algo que não passa pelo financeiro, mas sim por dar uma resposta a pressões de grupos pró-armas — avalia Isabel Figueiredo, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para o gerente de “advocacy” do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, a redução de tributos sobre armamentos em um cenário de pressão fiscal — gerado pelos impactos econômicos, sociais e sanitários da pandemia da Covid-19 — reforça a noção de que se trata de um “tema pessoal” para o presidente. Angeli também alerta para outros impactos do aumento da circulação de armas.

— Mais armas em circulação, mais gastos com saúde, segurança e com o sistema penitenciário. É necessário que o Estado taxe esses produtos parar arcar, inclusive, com esses gastos —afirmou.

Em nota, o Instituto Igarapé apontou que a maior entrada de armamentos no país, aliada a medidas recentes do governo federal que dificultam o rastreamento de armas e munições, “facilita a vida de grupos criminais”.

“Armas e munições legais podem cair na ilegalidade e os baixos controles dificultam as investigações e a prevenção desses desvios”, diz um trecho da nota, que também classifica a decisão de zerar a alíquota sobre revólveres e pistolas como “um exemplo da captura da agenda do governo federal por grupos de interesse, em prejuízo da totalidade dos cidadãos (que perdem recursos dos impostos)”.

DECRETOS PRESIDENCIAIS

Segundo especialistas, as restrições à importação de armas já vinham sendo flexibilizadas desde o governo de Michel Temer. A tendência de alta, porém, avançou no governo Bolsonaro, que tem entre suas bandeiras a ampliação da posse e do porte de armas de fogo.

A flexibilização da posse e porte de armas é uma das principais bandeiras de Bolsonaro.

Em reunião ministerial do dia 22 de abril, que teve sua gravação divulgada, o presidente disse que queria “todo mundo armado”. Um dia após a reunião, o governo federal publicou uma portaria interministerial aumentando a quantidade máxima de munições permitidas para compra no país. Na semana anterior, o Exército havia revogado, atendendo a uma determinação de Bolsonaro, três portarias que criaram regras para facilitar o rastreamento de armas e munição.

Entre as alterações feitas no atual governo, decretos presidenciais editados em julho e em setembro de 2019 revogaram um veto a armas estrangeiras que tivessem versão similar no país.

No geral, o valor gasto com armas e munições estrangeiras, incluindo espingardas, carabinas e suas peças, totalizou US$ 45,3 milhões até meados de novembro deste ano, 35% a mais do que o desembolsado no ano passado inteiro. Os dados do Siscomex incluem compradores públicos e privados. O número levantado pelo GLOBO abrange somente armas de fogo e suas munições, excluindo itens como cassetetes, pistolas de ar e armas brancas, e desconsidera também o valor gasto em armas de guerra, de uso restrito pelas Forças Armadas.