O globo, n.31902, 10/12/2020. País, p. 6

 

Álvaro Antônio cai atirando

Gustavo Maia 

10/12/2020

 

 

Em meio a uma briga com o articulador político do Palácio do Planalto, ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), a quem acusou de querer entregar espaço no governo ao centrão nas negociações para a eleição à presidência da Câmara dos Deputados, Marcelo Álvaro Antônio foi demitido ontem do Ministério do Turismo. O posto será ocupado pelo presidente da Embratur, Gilson Machado.

Álvaro Antônio, em mensagem enviada no grupo de WhatsApp que reúne os ministros, chamou Ramos de “traíra” e disse que o agora excolega de governo pediu a Bolsonaro que o cargo de ministro do Turismo fosse ocupado por um nome do centrão, para facilitar a ascensão de um aliado do Palácio do Planalto ao comando da Câmara. Ontem, o deputado Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo governo, lançou a candidatura ao posto.

A informação sobre a demissão de Álvaro Antônio foi antecipada pelo colunista Lauro Jardim, do GLOBO. No início da tarde de ontem, o agora ex-ministro foi recebido por Bolsonaro no Palácio do Planalto —em seguida, foi a vez do sucessor, Machado.

Ainda no primeiro ano de governo, Álvaro Antônio foi denunciado pelo Ministério   Público, acusado de comandar um esquema de laranjas do PSL de Minas Gerais na eleição de 2018.

Ao chegar ao Palácio da Alvorada, na noite de ontem, Bolsonaro confirmou a apoiadores a substituição no Ministério do Turismo:

— Tá sabendo do Gilson (Machado)?Éministro(...)O Gilson é um cara muito competente nessa área. O outro (Álvaro Antônio) está fazendo um bom trabalho também, mas... Deu problema.

A pasta do Turismo era uma das cotadas para fazer parte de uma reforma ministerial planejada para o próximo ano, no bojo da negociação política feita com o centrão por apoio no Congresso. A mudança acabou ocorrendo antes do previsto, porque, diante das notícias sobre o tema Álvaro Antônio usou o grupo de WhatsApp para tirar satisfações.

“O Sr. (Ramos) deveria ter aprendido na sua própria formação militar que não se joga um companheiro de guerra aos inimigos, não se pode atirar na cabeça de um aliado... Ministro Ramos, o Sr. é exemplo de tudo que não quero me tornar na vida, quero chegar ao fim da minha jornada exatamente como meus pais me ensinaram, leal aos meus companheiros e não um traíra como o senhor”, disse Álvaro Antônio na mensagem.

Em outro trecho, o agora ex-ministro disse que o governo vem pagando um “preço altíssimo” em troca de apoio no Congresso. “Não me admira o Sr. ministro Ramosirao PR(presidente da República) pedir minha cabeça, a entrega do Ministério do Turismo ao centrão para obter êxito na eleição da Câmara dos Deputados. Ministro Ramos, o Sr. entra na sala do PR comemorando algumas aprovações insignificantes no Congresso, mas não diz o altíssimo preço que tem custado.

Conheço de parlamento. O nosso governo paga um preço de aprovações de matérias nunca visto antes na história, e ainda assim (na minha avaliação), não temos uma base sólida no Congresso Nacional tanto que o Sr. pede minha cabeça pra tentar resolver as eleições do parlamento, ironia, pede minha cabeça pra suprir sua própria deficiência)”.

Bolsonaro se irritou ao ver a exposição de mais uma briga entre integrantes do governo. Após o episódio no qual o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chamou Ramos de “Maria Fofoca”, depois da revelação sobre enfrentamentos entre ele e a ala militar do governo, o presidente pediu em uma reunião ministerial que as rusgas fossem resolvidas de forma reservada.

O ministro do Turismo chegou a voltar ao grupo de WhatsApp para se retratar e colocar panos quentes na discussão, admitindo que se excedeu. Ao ser chamado ao Planalo ontem, porém, ele se encontrou com Ramos, seu desafeto, e os dois bateram boca. Testemunhas relataram ao GLOBO que houve “gritaria”.

ESQUEMA DE LARANJAS

Em outubro de 2019, Álvaro Antônio foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral de Minas Gerais à Justiça por crimes relacionados à apresentação de candidaturas de fachada do PSL nas eleições de 2018.

De acordo com a acusação, na condição de presidente estadual do partido, Álvaro Antônio participou da inscrição de candidaturas-laranja (mulheres que não estavam dedicadas, de fato, à disputa) para permitir o desvio de recursos do fundo eleitoral. Até o momento, a Justiça não decidiu se ele vai se tornar réu no caso.

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Empresário, sanfoneiro e conselheiro eleitoral 

Gustavo Maia 

10/12/2020

 

 

Presidente da Embratur, veterinário, produtor rural, empresário e músico (cantor, sanfoneiro e compositor da banda de forró Brucelose). A apresentação que Gilson Machado fez de si mesmo em uma rede social é apenas uma amostra do perfil heterogêneo do novo ministro do Turismo, escolhido ontem pelo presidente Jair Bolsonaro para substituir o demitido Marcelo Álvaro Antônio.

Aliado próximo a Bolsonaro já na pré-campanha ao Palácio do Planalto, ele ficou conhecido por aparecer ao lado do presidente tocando sanfona nas que ocorrem às quintas-feiras. Desde o início do governo, Machado já apareceu em 13 delas.

Dono de uma pousada em São Miguel dos Milagres, no litoral de Alagoas, o pernambucano começou seu trabalho em Brasília, em janeiro do ano passado, em um cargo de segundo escalão. Coube a ele, no início do governo, assumir a Secretaria de Ecoturismo do Ministério do Meio Ambiente, chefiado por Ricardo Salles.

Quase seis meses depois, ele foi nomeado para presidir o então Instituto Brasileiro de Turismo, transformado no fim do ano na Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo. No comando da Embratur, ele ganhou mais destaque no entorno do presidente, passando a dispor de um status semelhante no setor ao do então ministro Marcelo Álvaro Antônio.

Amigo de Bolsonaro, Machado costuma frequentar o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente. Foi lá que ele protagonizou, em junho, uma cena que acabou virando piada involuntária, ao ser convocado para tocar e cantar “Ave Maria” na sanfona, sentado atrás de Bolsonaro, em homenagem às vítimas do coronavírus no Brasil.

Bolsonarista “raiz”, ele influenciou o chefe nas eleições municipais e foi o responsável por convencê-lo a apoiar a candidata Delegada Patrícia (Podemos) à prefeitura do Recife. A ajuda, no entanto, não rendeu frutos: ela acabou em quarto lugar. Em 2019, Machado foi cotado para disputar o comando da capital, mas a ideia não vingou.

O novo ministro também se envolveu na tentativa, até agora frustrada, de criar o partido Aliança pelo Brasil. No ano passado, na véspera da sua entrada no primeiro escalão do governo, Machado participou do evento de lançamento do Instituto Liberal-Conservador, do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

—Eu venho da iniciativa privada. É uma grande decepção a gente chegar aqui em Brasília e ver a velocidade com que as coisas andam. Até pra apertar botão de elevador tem que ter reunião aqui. É impressionante, mas é a pura verdade.