Correio braziliense, n. 21017, 09/12/2020. Economia, p. 8

 

Inflação é a maior em 5 anos e subirá mais

Vicente Nunes 

Bruna Pauxis 

09/12/2020

 

 

Uma ida ao supermercado está custando cada vez mais caro. Não por acaso, os consumidores vêm reduzindo, semanalmente, o número de produtos nas cestas de compras. Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçam o que os brasileiros sentem no bolso. A inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), registrou alta de 0,89% em novembro, o pior resultado para o mês desde 2015 e acima das previsões dos analistas, de 0,78%. Alimentos e transportes (gasolina, principalmente) foram os itens que mais pesaram no bolso dos consumidores. Em 12 meses, o IPCA cravou alta de 4,31%, superando a meta de 4% perseguida pelo Banco Central. No mesmo período, os alimentos saltaram quase 16%.

Quem está assustado com a disparada dos preços deve ficar atento. Pelos cálculos da economista Julia Passabom, do Itaú Unibanco, a inflação de dezembro será ainda mais pesada: de 1,27%, encerrando 2020 em 4,44%. Além dos alimentos, que continuarão massacrando as finanças da população, sobretudo a mais pobre, o custo de vida será puxado pelos reajustes das contas de luz e pela recuperação do setor de serviços. A boa notícia é a recente queda dos preços do dólar, que reduzem a pressão sobre as commodities agrícolas (cotadas segundo o mercado) e sobre a indústria, que sofre com a falta de insumos, reflexo da paralisação das fábricas no auge da pandemia do novo coronavírus.

Para Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital, a inflação está chegando ao seu pico. Há, no entender dele, perspectivas de normalização dos preços a partir de 2021, com a recomposição dos estoques da indústria, o dólar mais fraco, o fim das antecipações das compras de alimentos pela China e o fato de a economia ainda estar operando muito abaixo de seu potencial. Outro ponto importante que, matematicamente, ajuda no cálculo da inflação do ano que vem: a antecipação da bandeira vermelha para as contas de luz. Somente esse ponto retirará 0,3 ponto percentual do IPCA de 2021. Com isso, é possível apostar em uma inflação mais próxima de 3%, abaixo da meta de 3,75%.

Queixas gerais

São esses fatores, segundo Leal de Barros, que fazem com que o Banco Central ainda se sinta confortável para manter a taxa básica de juros (Selic) em 2% ao ano, o nível mais baixo da história. Hoje, essa taxa deve ser ratificada em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O economista da RPS Capital acredita, porém, que, a partir do próximo ano, o BC passará a adotar um discurso mais duro em seus comunicados ao mercado. E, da metade de 2021 em diante, terá de aumentar a Selic para controlar as expectativas dos agentes econômicos. "Nesse contexto, a política fiscal a ser executada pelo governo terá papel preponderante nos rumos da inflação e dos juros", diz.

Distantes desse debate macroeconômico, os consumidores dizem que fechar as contas no fim do mês está cada vez mais difícil, pois os preços não param de subir. A servidora pública Ane Márcia de Lima, 60 anos, afirma que está muito complicado comprar carnes e frutas, como maçã, abacate, mamão e banana. "Tudo está muito caro", frisa. "Entre os produtos de limpeza, o sabão em pó é o vilão", afirma. A professora Cármen Lúcia Martins, 44, reclama, especialmente, dos valores dos eletroeletrônicos, que subiram muito nesses tempos de home office, por causa da covid-19. "O fato é que o custo de vida não é mais o mesmo do observado no início do ano", relata.

O jeito de driblar a carestia é aproveitar as poucas ofertas feitas por lojas e supermercados. É o caso da aposentada Maria Luíza Rodrigues, 67. Ela conta que, se o shampoo que costuma usar ficou mais caro, conseguiu bons descontos nas tinturas para cabelo e em um par de sapatos. A servidora pública Ane de Lima, por sua vez, percebeu deflação (queda dos preços) nos artigos de vestuário. "As roupas, talvez em função da Black friday, ficaram mais acessíveis do que no restante dos meses do ano", afirma.

*Estagiária sob a supervisão de Vicente Nunes

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Queda do dólar alivia custo de vida 

Israel Medeiros 

09/12/2020

 

 

A recente queda do dólar terá papel importante para levar a inflação novamente para abaixo do centro da meta perseguida pelo Banco do Central, acreditam especialistas. Ontem a moeda norte-americana encerrou os negócios cotada a R$ 5,12, o menor patamar desde julho. Em parte do dia, a divisa chegou a ser vendida a R$ 5,06, graças ao forte fluxo de recursos estrangeiros que tem migrado para países emergentes, entre eles, o Brasil. Em novembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apontou alta de 0,89%, cravando 4,31% em 12 meses, acima da meta oficial de 4%.

Segundo o economista-chefe da Quantitas, Ivo Chermont, a retração dos preços do dólar frente ao real tem sido observada há semanas e não é uma exclusividade do Brasil. "Estamos falando de um movimento global. Moedas emergentes e também de países desenvolvidos têm se valorizado frente a moeda norte-americana", afirmou. Para a inflação, isso é ótimo, pois todos os produtos com cotação internacional ficam mais baratos. Foi justamente a arrancada do dólar em meio a pandemia do novo coronavírus um dos motivos para a disparada do IPCA.

Além do movimento externo, Chermont ressaltou que também a melhora nas notícias fiscais do governo e o "sumiço" de falas sobre um novo programa de renda ou um furo no teto de gastos para acomodar despesas extras ajudaram a tirar pressão sobre o dólar. Ele citou, ainda, o fim das incertezas em relação à eleição presidencial dos Estados Unidos, vencida por Joe Biden, e o horizonte promissor de vacinas contra o novo coronavírus para a recuperação do real.

Para Chermont, diante da alta do dólar durante a pandemia, era natural que vários produtos ficassem mais caros, especialmente os importados. Ele lembrou que, mesmo aqueles que têm produção nacional, dependem de insumos vindos do exterior, por isso, também subiram. No caso dos alimentos, os produtores brasileiros optaram por exportar as mercadorias e aproveitar os ganhos maiores com a moeda norte-americana. "O dólar mais caro incentiva às exportações. Isso aconteceu com o arroz. No país, oferta e demanda são muito próximas, e nós consumimos quase tudo o que se produz aqui. Quando o câmbio está pressionado, o produtor quer exportar", explicou.

A tendência de valorização do real só deve se manter, na avaliação de Chermont, caso o país seja capaz de demonstrar austeridade fiscal e for capaz de colocar em pauta uma agenda de reformas, além de aprovar a autonomia do Banco Central. "Se mostrar que não vai ter tentativa de dribles do teto de gastos, se tivermos um ambiente mais reformista e a autonomia do Banco Central e os obstáculos para a alocação de capital forem superados, como tem ocorrido com o Pix, que tem facilitado a vida de muita gente e é uma revolução nas transações financeiras, aí o real vai se fortalecer", frisou.

*Estagiário sob a supervisão de Vicente Nunes

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Problema para Bolsonaro 

09/12/2020

 

 

O Palácio do Planalto acendeu o sinal de alerta com a disparada da inflação. O temor no entorno do presidente Jair Bolsonaro é de que a carestia, que não dá trégua — os alimentos subiram quase 16% em 12 meses —, acelere o processo de queda da popularidade do governo. Pesquisas internas feitas pela equipe que assessora o presidente mostram um enorme descontentamento da população com o forte aumento do custo de vida.

As queixas dos pesquisados é de que muitos estão sendo obrigados a tirar itens essenciais dos carrinhos de supermercado. A quantidade de arroz comprada no mês caiu pela metade. Também foi reduzida a quantidade de feijão, carnes e óleo de soja. "As reclamações são gerais. Há um desconforto crescente em relação ao governo", admite um integrante do Planalto. "As pessoas estão se sentindo desprotegidas, sobretudo, as mais pobres, que, agora, ficarão sem o auxílio emergencial, que acaba neste mês", acrescenta.

Risco à reeleição

A expectativa do Planalto é de que se cumpram as promessas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que têm assegurado que a disparada da inflação é temporária. "O problema é que esse temporário está durando demais", diz outro integrante do Planalto. "De início, a explicação foi a de que era uma inflação dos alimentos, que passaria logo. Contudo, estamos vendo reajustes disseminados de preços", enfatiza.

Bolsonaro tem cobrado, sistematicamente, da equipe econômica justificativas para altas generalizadas de preços. Sua preocupação ficou estampada depois do anúncio, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de que as contas de luz ficarão mais caras a partir deste mês. Ele pediu às pessoas que economizassem no consumo de eletricidade. O presidente, dizem auxiliares, aposta todas as fichas na melhora da economia para garantir a reeleição em 2022. Mas, com inflação alta, não há apoio a governantes que resista. (VN)