O Estado de São Paulo, n.46341, 02/09/2020. Economia, p.B11

 

Economia circular transforma resíduo em matéria-prima

Cleide Silva

02/09/2020

 

 

Com a adoção desse conceito, cerca de 80 milhões de toneladas de materiais que vão para o lixo poderiam ser reaproveitadas

Reforçada pelas lições que a pandemia da covid-19 impôs ao planeta, a pressão por adoção de práticas mais sustentáveis tem colocado em evidência na indústria o conceito de economia circular. Alternativa ao modelo tradicional de produção, consumo e descarte, esse sistema tem como fundamento o melhor uso de recursos naturais para se evitar desperdícios e sobras. Com a adoção da economia circular, as quase 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos gerados no Brasil anualmente poderiam ser transformadas em matéria-prima.

Várias empresas já adotam parcialmente ou integralmente conceitos da economia circular que, segundo Luísa Santiago, diretora executiva da Fundação Ellen Macarthur, passaram a figurar no Brasil com mais força na agenda de grandes empresas, startups, governos e na academia nos últimos cinco anos.

“Não existe lixo na economia circular. Todo resíduo é recurso a ser utilizado de alguma forma, seja para empregar novamente na mesma cadeia produtiva ou em outra, de diferentes produtos”, afirma Davi Bomtempo, gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que vê a transição como oportunidade de novos negócios.

Segundo Bomtempo, a tendência é de se comparar a economia circular à reciclagem, “mas é muito mais do que isso, é pensar no design do produto antes de produzi-lo para facilitar sua manutenção, a própria remanufatura, até fechar o ciclo.”

A CNI e várias entidades, assim como o governo, participam de negociações entre os países da Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês) para a criação de uma norma internacional de economia circular. “Imagino que a norma fique pronta só daqui a dois ou três anos”, prevê Bomtempo.

Até lá, a entidade vai trabalhar para que o tema seja uma política pública. Não há dados que indiquem o que a mudança para a economia circular representaria para o Brasil. Na Europa, calcula-se que a conversão pode gerar renda de cerca de ¤ 320 bilhões até 2025.

Linha de desmontagem. Fabricante de produtos de tecnologia para grandes marcas, como a HP, a Flex (antiga Flextronics) criou uma unidade específica para transformar equipamentos sem uso em matériaprima para novos itens. A Sinctronics tem linhas de desmontagem de itens que vão de impressoras a celulares. Recebe entre 200 a 300 toneladas por mês do que seria lixo eletrônico e transforma em insumos para equipamentos novos.

Carlos Ohde, diretor de inovações da Flex, diz que 95% dos materiais são usados na produção de novos equipamentos. “Os 5% restantes vão para geração de energia”. A empresa tem 410 pontos de coleta e recolhe produtos também na casa de consumidores. “Realizamos mais de 3 mil coletas ao mês.”

Em outubro, a Climate Ventures vai divulgar estudo sobre negócios e impacto ambiental em que identificou em vários setores da economia, 72 desafios ambientais no País e 87 soluções para esses problemas. Boa parte do estudo, feito em parceria com a pipe.social, se refere à economia circular, informa Daniel Construcci, cofundador da Climate, plataforma de inovação que tem em sua base 639 startups com projetos voltados à economia regenerativa.

No caso da indústria, o estudo cita a dificuldade de rastreabilidade do produto – identificando, por exemplo, de onde vêm as matérias-primas e se a produção prejudica o meio ambiente. “Grande parte das soluções passa pela gestão de resíduos, que é o principal da economia circular”, diz Construcci.