O globo, n.31901, 09/12/2020. Economia, p. 25

 

Gargalo na produção

João Sorima Neto 

Ramona Ordoñez 

Raphaela Ribas 

09/12/2020

 

 

A escassez de matéria-prima impôs um freio ao crescimento da indústria. Insumos como papelão, plástico, alumínio e vidro estão em falta nas linhas de produção, segurando a expansão de muitos segmentos no momento em que a demanda começa a ressurgir.

Segundo levantamento da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em novembro, 75% das indústrias de transformação no país enfrentaram dificuldades para conseguir insumos. E 54% delas tiveram problemas para atender os clientes.

— Faltam embalagens, plásticos, peças de alumínio e até tecido. No caso do papel, por exemplo, houve queda na coleta de material reciclado na pandemia. Além disso, tem o problema da alta dos preços que atinge toda a cadeia, até chegar ao consumidor — diz Renato da Fonseca, gerente executivo de Economia da CNI.

Na última sondagem da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), entre os itens em falta citados pelas empresas estão: papelão, cobre, materiais plásticos, componentes eletrônicos, aço carbono, latão, alumínio, aço silício e chumbo.

O setor têxtil começou a enfrentara falta de corantes importados em agosto. Mas agora também estão faltando caixas de papelão para os produtos e os chamados “tubetes” para fabricação das bobinas de fios, que são nacionais. Ainda assim, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, a produção não parou. Ele afirma que o problema é de sincronia na entrega dessas matérias-primas:

— A economia parou de forma abrupta e voltou mais rápido do que se esperava. Portanto, a partir de agosto, tivemos problemas de atrasos na entrega dessas matérias-primas, mas não de forma absoluta. É um problema de timing na entrega. Mas acredito que, se tudo estivesse normal, as indústrias têxteis poderiam ter faturado entre 10% a 15% mais. Não vão faltar produtos têxteis para os brasileiros neste Natal.

Ele acredita que, ao longo do primeiro trimestre de 2021, a situação já estará ajustada, inclusive com os estoques refeitos. O setor, que demitiu mais de 80 mil pessoas durante a pandemia, começou a contratar. Já são 50 mil vagas repostas, mas o ano deve terminar no vermelho em termos de emprego. O que preocupa, diz ele, são as incertezas em relação a 2021, como a falta de sinalização se haverá continuidade do programa de auxílio emergencial ou algo similar, oque deve impactara economia.

No início da semana, a Anfavea, associação que reúne as montadoras, alertou que a falta de insumos, matérias-primase peças pode levara indústria automobilística a paralisar a produção neste mês.

No setor de medicamentos, o Sindusfarma informa que não há falta de matéria-prima importada para os medicamentos, mas há problemas de fornecimento e aumento de preços de insumos nacionais, como o papelão para embalagens, que está em falta.

SETOR FICARÁ AQUECIDO

A Abividro, associação que reúne as 17 empresas fabricantes de vidro do país, informa que não há falta de matéria prima para a produção, mas sim de produtos como garrafas de cerveja e bebidas alcoólicas em geral e potes para geleias e compotas. Lucien Belmonte, presidente-executivo da entidade, observa que a demanda por esses produtos está mais aquecida que a oferta:

— Com a pandemia, as pessoas  ficaram mais casa, o consumo cresceu e houve descasamento entre demanda e oferta de garrafas e potes. Para outros setores que usam vidro, como cosméticos, indústria automobilística e construção civil, não falta vidro.

Vinícolas e fabricantes de cerveja já sentem o impacto da falta de garrafas, que restringe o aumento da produção.

Apesar desse cenário, as empresas não têm planejamento de novos investimentos previstos para 2021 no sentido de aumentara produção.

— As previsões para o dólar em 2021 variam de R $4,20 a R$ 7. Como fazer planejamento nesse cenário? O maquinário da indústria de vidro é importado —diz Belmonte.

O economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, avalia que essa falta pontual de matéria prima acaba atrapalhando a retomada da economia, afinal, é produção que deixa de ser realizada. Mas, ao mesmo tempo, gera a necessidade de recompor estoques:

— A redução de estoques tende a manter a indústria aquecida no primeiro trimestre de 2021.

O economista diz que o descasamento entre demanda e oferta aconteceu por uma série de fatores. No Brasil e no mundo, os governos deram estímulos (como o auxílio emergencial) que sustentaram o consumo. E, na pandemia, a demanda migrou de serviços para bens, o que levou à escassez de alguns produtos.

PRESSÃO SOBRE OS PREÇOS

Pelo lado da oferta, a China, uma das grandes fornecedoras de insumos e peças, fechou regiões produtivas durante a pandemia, interrompendo o ciclo de produção. Outros países fornecedores de matérias-primas também tiveram paralisações com o fechamento da economia.

—A falta de matérias-primas, insumos e peças aumenta a pressão sobre os preços, levando à inflação. Mas acredito que será temporário, até que se recomponha a produção. A desvalorização recente do dólar, com um cenário externo mais favorável, também alivia o efeito câmbio sobre os preços —explica Campos Neto.

O mercado de alumínio ainda está na fase de recomposição da produção.

—Em abril, a indústria não tinha previsibilidade do futuro, e todo mundo queria caixa. Então, as empresas resolveram vender seus estoques para sobreviver. Isso ainda está se ajeitando — explica o presidente executivo da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), Milton Rego.

A falta de resina no mercado levou a fábrica de potes e frascos para cosméticos e alimentos São Sebastião, em Nilópolis, na Baixada Fluminense, a reduzira produção pela metade em setembro e outubro. Segundo o dono, Júlio César Coelho, isso fez o faturamento cair em torno de 30% no período:

— As áreas de alimentos e beleza tiveram muita demanda durante a pandemia. Existia o pedido, só que eu não tinha como entregar. Não fechei a fábrica por pouco.

Ele diz que a entrega de matéria-prima está voltando ao normal aos poucos, mas o preço está muito alto:

— Segurei o preço do que ainda tinha em estoque, mas, nas últimas vendas, tive que repassar parte do aumento da matéria-prima.

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Sem garrafa até para o brinde e para a cervejinha 

Ramona Ordoñez 

09/12/2020

 

 

A escassez de insumos na indústria não poupou nem mesmo a cervejinha do fim de semana ou o “tim-tim” do espumante. Fabricantes de cerveja e vinícolas se queixam da dificuldade para encontrar garrafas, restrição que limita o aumento da produção.

Disposição para consumir não falta. De janeiro a outubro, houve aumento de 26% na demanda por vinhos e espumantes. Mas com o gargalo de produção, algumas vinícolas estão importando garrafas de Argentina e Chile, com custo 10% maior. O setor se queixa ainda da dificuldade de encontrar papelão para fabricar caixas.

As vinícolas asseguram que não faltará bebida para comemorar o fim de 2020 (ufa!), pois a produção já está pronta. Mas para manter o ritmo em 2021, a União Brasileira de Vinicultura (Uvibra) já negocia com investidores americanos a possibilidade de instalação de uma fábrica de vasilhames no Rio Grande do Sul. Segundo a Uvibra, dos 6,4 milhões de litros vendidos em outubro, 72% foram de espumantes.

Segundo Oscar Ló, presidente da vinícola Garibaldi, no Rio Grande do Sul, o consumo do chamado vinho fino cresceu 35% este ano. As fábricas de vidro, porém, só conseguem entregar a quantidade acordada previamente, sem margem para aumentos:

—Ainda estamos com dificuldade de conseguir embalagens de vidro, mas se espera que a situação volte ao normal no primeiro semestre do próximo ano.

Hermínio Ficagna, diretor superintendente da vinícola Aurora, diz que a empresa tinha condições de aumentar sua produção de espumante moscatel para o mercado interno em 50%, mas em razão da combinação de aumento da demanda e falta de garrafas, a produção está suspensa desde outubro. Até o momento, a empresa tem crescimento de 38% nas vendas em relação ao ano passado, considerando todos os produtos, que incluem sucos, espumantes, vinhos e cooler.

O executivo garante que a empresa tem estoque de garrafas para finalizar o ano.

O Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) diz que o setor enfrenta desafios pontuais, mas busca junto aos fornecedores soluções para a normalização. Bárbara Buzin, sócia-diretora da Cervejaria Noi, conta que estão faltando garrafas, caixas de papelão, material para rótulos e até malte para a produção de cerveja.

Diante do quadro de escassez de insumos no mercado, Bárbara conta que a Noi adiou até o lançamento de um gin que seria feito agora:

—O fornecedor da caixa de papelão não pode passar orçamento porque não sabe em quanto vai aumentar o produto, e o prazo é para fim de fevereiro. O aumento foi de 50% a 60% nos insumos.