O globo, n.31901, 09/12/2020. Sociedade, p. 18

 

Em dia histórico, Reino Unido inicia vacinação contra Covid-19

09/12/2020

 

 

O Reino Unido acordou emocionado com as imagens da primeira paciente a ser vacinada com o imunizante da Pfizer/BioNTech contra Covid-19. Uma semana antes de completar 91 anos, a aposentada Margaret Keenan, avó de quatro netos e moradora de Coventry, região central da Inglaterra, não demonstrou nervosismo nem com as câmeras, nem coma agulha.

A aplicação durou alguns segundos, mas tem peso histórico, e Margaret sabe. O mundo todo ouviu seu conselho:

— Se você tiver chance de tomar essa vacina, tome. É de graça e é a melhor coisa que poderia acontecer. Se eu posso ser vacinada aos 90 anos, você também pode — disse Margaret, aplaudida por funcionários do hospital, também emocionados.

Afalada nonagenária marca um dia histórico para o Reino Uni doe o mundo. A campanha britânica de vacinação contra o novo corona vírus é a primeira a seguir protocolos usuais de saúde pública — diferentemente da Rússia, que deu início à imunização em massa mesmo sema conclusão dos testes dav aci naSp ut nik. Aprovada na última quarta-feira, a fórmula da farmacêutica americana P fiz e redo laboratório alemão BioNTech usa tecnologia de RNA mensageiro, que leva para o organismo cópia de parte do código genético do vírus.

Além de um marco na pandemia global, que já soma 1,5 milhã od em ortose 67 milhões de infectados, o processo britânico será acompanhado com atenção em todo o planeta por sua complexidade. A vacina depende de armazenamento a -75°C, o que exige freezers especiais e transporte meticuloso. É oprime iro grande teste de um sistema público — o Reino Unido tem 70 milhões de habitantes, e o medicamento deve ser administrado duas vezes, com 21 dias de intervalo.

Em Warwickshire, outro idoso chamou a atenção ao ser vacinado. William Shakespeare, de 81 anos, tomou a injeção no Hospital Universitário de Coventry, a 32 quilômetros de Stratford-Upon-Avon, local de nascimento de seu homônimo, o dramaturgo e poeta inglês. A vacinação de Shakespeare inspirou usuários do Twitter, que brincaram: “The Taming of the Flu” e “The Two Gentl emen of Corona ”— uma das comédias de William Shakespeare foi “The Two Gentlemen of Verona” —, numa referência ao controle da doença e aos “dois cavaleiros do Corona ”. Alguns perguntaram se Margar etera a paciente 1A, então Shakespeare era o “paciente 2B ou não?”.

CAUTELA E OTIMISMO

Foi um dia a ser comemorado, terminando comum a cerimônia na Catedral deSt. Paul, em Londres, para lembrar as mais de 60 mil vítimas da pandemia no país, e vários prédios públicos iluminados de amarelo. A mensagem de cautela foi tão enfatizada quanto ade otimismo. Achegada da vacina não significa a volta da normalidade, repetiram as autoridades de saúde. A população precisares peitaras medidas de restrição, que variam de acordo coma região, ou a contaminação se agravará.

Não se sabe ao certo quanto tempo levará para que as 40 milhões de doses da vacina sejam administradas — a previsão inicial era junho de 2021. Por enquanto, só há 800 mil no país. Até o Natal, espera-se que outras 4 milhões tenham chegado da Bélgica. Enquanto o vírus não estiver sob controle, o Reino Unido não pode se dara o lux ode descansar, lembrou o primeiro-ministro Boris J ohns on, criticado no início da pandemia pela demora em implantar o lockdown.

— Ainda não derrotamos o vírus. A contaminação foi reduzida com medidas de restrição, mas não podemos relaxar — avisou Johnson, ao visitar o hospital em que foi internado, em abril.

O ministro da Saúde britânico, Matt Han cock,dis se esperar que avida volte ao normal a partir da primavera de 2021 (entre março e junho) e deixou uma frase de efeito:

—Este é o começo do fim. Moradores e funcionários de asilos, pessoas com mais de 80 anos e profissionais de saúde na linha de frente da Covid-19 serão prioridade na primeira fase da vacinação. Depois, serão contemplados cidadãos em escala decrescente de idade até os 50 anos. Serão incluídos também aqueles entre 16 e 64 anos com comorbidades que representem “alto risco” de mortalidade pela doença. Quem tiver até 49 anos dependerá das próximas fases. Além disso, quem for internado em um hospital com Covid-19  será imunizado pelo Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês).

Espera-se que a rainha Elizabeth II, de 94 anos, e seu marido, o príncipe Philip, de 99, estejam entre os primeiros vacinados no Reino Unido. A expectativa do Palácio de Buckingham é que a adesão da monarca incentive a população a vacinar-se.

O cardiologista brasileiro Ricardo Petraco, professor do Imperial College de Londres, espera a chegada da vacina ainda esta semana no Saint Mary’s Hospital, um dos maiores da capital britânica:

— É um dia emocionante. Um marco não só na história do NHS mas da ciência. Conseguir desenvolver um imunizante eficaz em tão pouco tempo mostra como o investimento na ciência compensa.

A vacina aplicada no Reino Unido foi considerada uma “forte proteção” contra a Covid-19 após a primeira dose, segundo relatório do Food and Drug Administration (FDA), agência regulatória de saúde dos Estados Unidos, equivalente à Anvisa no Brasil.

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Estudo em revista endossa eficácia da vacina de Oxford 

Rafael Garcia 

09/12/2020

 

 

Os resultados preliminares sobre a eficácia da vacina para Covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a AstraZeneca saíram na tarde de ontem em estudo na revista médica “Lancet”. Após passar por revisão independente, o trabalho mantém a análise de que a administração da vacina ChAdOx1 foi capaz de oferecer 90% de proteção a voluntários que receberam uma dose e meia do imunizante. A eficácia geral, porém, foi de 70%.

Como a aplicação de meia dose na primeira administração para alguns dos voluntários havia sido acidental, os resultados divulgados inicialmente em comunicado público pela AstraZeneca vinham sendo questionados. A afirmação, porém, foi mantida na conclusão publicada agora em periódico acadêmico após passar pela“revisão por pares ”, ou seja, uma análise do trabalho feita por cientistas não envolvidos coma pesquisa.

LIMITAÇÕES NA EFICÁCIA

O estudo, porém, relata limitações para a conclusão de eficácia de 90%, que foi restrita a pacientes não idosos (com menos de 55 anos) e num subgrupo relativamente pequeno da pesquisa, de 1.367 pessoas. O menor número de indivíduos testados nessa condição amplia a margem de erro da conclusão. O estudo reúne dados de 23.848 voluntários até agora.

“A ChAdOx1 tem um perfil de segurança aceitável e foi considerada eficaz contra Covid-19 sintomática nesta análise interina de testes clínicos em andamento”, afirmam os pesquisadores no estudo.

A vacina de Oxford, que será produzida pela Fiocruz no Brasil, é a única que já tem doses pré-contratadas pelo Ministério da Saúde para uso em campanha no ano que vem. Lily Weckx, cientista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que coordenou os testes no Brasil, afirma que a consolidação dos resultados num artigo científico é uma boa notícia:

—Os dados interinos jasão muito significantes e muito robustos, dá para afirmar que é uma vacina eficaz, segura e que pode ter impacto na pandemia. Ela pode ser utilizada e vai trazer benefícios.

A pesquisadora destaca o fato de nenhum voluntário que tomou a vacina ter sido hospitalizado, o que indica uma possibilidade de a vacina de prevenir doença grave mesmo nos casos em que não consegue prevenira infecção. Entretanto, como os resultados de eficácia no subgrupo principal, que recebeu duas doses inteiras da vacina, foi relativamente baixo comparado ao do subgrupo de 1,5 dose, os cientistas afirmam que será preciso avançar mais nos testes par atirar uma conclusão mais seguras obre oque ocorreu. Aindaé cedo, por tanto, para concluir de vez que a vacina possa chegara 90% de eficácia.

Em nenhum trecho do artigo científico nem do comunicado à imprensa distribuído pelos pesquisadores, os autores reconhecem explicitamente ter havido um erro na administração da vacina para o subgrupo que recebeu meia dosagem. Coma possibilidade deus armei ado sena primeira aplicação, a Fio cruz chegou a cogitar que isso permitiria ampliara quantidade de pessoas vacinadas no Brasil coma vacina de Oxford.

O GLOBO perguntou à Astra Zeneca do Brasil se o pedido de registro a ser enviado à Anvisa incluirá a possibilidade de uso do regime “meia dose/uma dose”. A empresa não respondeu até o fechamento desta edição.