O globo, n.31901, 09/12/2020. Sociedade, p. 14

 

“Não há plano”, dizem cientistas sobre vacinação

Rafael Garcia 

09/12/2020

 

 

O Observatório Covid-19 BR, um projeto multidisciplinar de cientistas para mitigação da pandemia, analisou o plano de vacinação divulgado pelo Ministério da Saúde para conter a doença. A conclusão dos especialistas: “Ainda não temos um plano”.

O grupo, um coletivo de 80 integrantes que inclui especialistas dos centros de pesquisa mais importantes do país, como USP, Fiocruz, UFSC e outras universidades, colheu informações disponíveis até agora sobre como o país pretende imunizar sua população contra a Covid-19, e afirma que é preocupante o estado atual de planejamento.

“É um esboço rudimentar, com tantas fragilidades e lacunas que dificilmente poderá ser seguido”, escreveram, em nota técnica divulgada hoje. “São marcantes a falta de ambição, de senso de urgência e de comprometimento em oferecer à população brasileira um plano de vacinação competente, factível, que contemple as diversas vacinas em teste no Brasil, com transparência e em articulação com estados e municípios”, diz o documento.

Segundo os cientistas, a iniciativa partiu de um sentimento de consternação em relação ao documento, obtido com exclusividade pelo GLOBO e posteriormente divulgado no website covid19br.github.io.

— Esse trabalho nasceu em parte da indignação que agente tem de saber que o Brasil poderia te rum plano consubstanciado,bem documentado e construído com uma racionalidade, mas não tem — diz a epidemiologista Maria Amélia Veras, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, umadas articuladoras da nota técnica.

Segundo a análise dos pesquisadores, “O plano de vacinação apresentado pelo governo federal (...) é um esboço rudimentar, com tantas fragilidades e lacunas que dificilmente poderá ser seguido. São marcantes a falta de ambição, de senso de urgência e de comprometimento em oferecer à população brasileira um plano de vacinação competente, factível, que contemple as diversas vacinas em teste no Brasil” Observatório Covid-19 BR, grupo interdisciplinar de cientistas contra a pandemia  um dos poucos aspectos do plano razoavelmente claros é o de priorização do público a ser vacinado. O ministério determinou que, na primeira etapa, por exemplo, são profissionais de saúde, idosos acima de 75 anos e indígenas. Ainda assim, os pesquisadores afirmam que algumas populações vulneráveis, como moradores de rua, também deveriam ter sido incluídas.

QUAIS VACINAS?

As maiores críticas dos pesquisadores são à falta de definição de quais vacinas serão usadas, à ausência de um cronograma e à exclusão de esferas estaduais e municipais na elaboração do plano. No contexto do SUS, iniciativas federais são executadas por agentes municipais.

O Observatório Covid-19 BR afirma que é estranho o governo não ter incluído no plano nacional a vacina CoronaVac, que deverá ser produzida pelo Instituto Butantan, do Estado de São Paulo. O governo paulista afirma ter um plano próprio de vacinação, que os cientistas também criticam.

Outra preocupação dos cientistas é a logística: “Além da produção da vacina para duas doses por indivíduo, a operacionalização da vacinação demanda outras questões logísticas fundamentais, como a aquisição de insumos diretamente ligados à aplicação da vacina (seringas e agulhas, por exemplo), o transporte e a conservação da vacina”, escrevem os pesquisadores.

O Ministério da Saúde afirma que está em processo de aquisição desses materiais, mas não dá detalhes.

SEGURANÇA E EQUIDADE

A falta de transparência no processo, dizem os cientistas, compromete também aspectos éticos do plano.

— Existe uma urgência sanitária, uma demanda da população e de todos os setores pela vacina, mas ela precisa ser atendida com critérios de segurança, equidade e justiça — afirma a sanitarista Tatiane Moraes, da Escola Nacional de Saúde da Fiocruz, que também ajudou a articular  a nota técnica.

“Além das várias fragilidades que apontamos, (...) a desarticulação com outros níveis federativos provoca imensa apreensão sobre sua adequação para o momento atual. Apesar de o início da vacinação estar próximo, vivemos um tempo de pandemia ainda repleto de incertezas”, afirma o grupo. “O propósito principal afinal é a preservação de vidas e de qualidade de vida. O plano de vacinação do governo federal não demonstra tal compromisso, por atos e por omissões”, completa.

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Câmara prepara projeto que Obriga compra de imunizantes 

Julia Lindner 

09/12/2020

 

 

Em reação do Congresso Nacional ao governo, o relatório da medida provisória (MP) que trata de um plano global para aquisição de vacinas contra o novo coronavírus prevê a obrigação do Ministério da Saúde de comprar e distribuir aos estados e municípios todos os imunizantes aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). De acordo com parecer do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), ao qual o GLOBO teve acesso, a pasta comandada pelo ministro Eduardo Pazuello terá um ano após a publicação da lei para garantir a imunização de toda a população brasileira.

Além disso, o texto sugere que a Anvisa deverá autorizar todas as vacinas contra a Covid-19 aprovadas por outros órgãos regulatórios internacionais. Em paralelo, os imunizantes registrados estarão automaticamente incluídos no Programa Nacional de Imunizações (PNI). Editada em setembro, a MP tem até março de 2021 para ser aprovada na Câmara e no Senado. Do contrário, perderá a validade.

De acordo com relato do deputado Geninho ao GLOBO, “após amplo debate, chegamos à conclusão de que a União deverá operar a compra de todas as vacinas registradas pela Anvisa, em típica política de saúde no arranjo interfederativo”. O deputado disse ainda que “a Anvisa também terá por missão autorizar o uso emergencial e temporário de imunizantes pelos entes subnacionais, desde que tais vacinas já tenham sido aprovadas por outros órgãos regulatórios internacionais”.

A matéria também fixa prazos para a edição do Plano Nacional de Imunização contra a Covid-19, que será de dez dias após sua publicação. Ainda segundo o texto, o plano precisará “garantir a incorporação de todas as vacinas contra a Covid-19, com reconhecida eficácia e segurança, especialmente as que já estão sendo testadas no Brasil”, além da “imunização de toda a população brasileira, no prazo máximo de 12 (doze) meses”.

‘TOTAL RESPONSABILIDADE’

O texto faz referência à chamada Lei Covid, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em maio, que autoriza a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, de forma excepcional e temporária durante a pandemia, desde que registrados por autoridade sanitária estrangeira.

Anteontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o Congresso deve estabelecer um plano para aquisição de vacinas com ou sem o Executivo. Para isso, Maia afirmou que pretende votar a MP até o início da semana que vem.

Após pressão de governadores ontem, que cobram o cronograma de vacinação do Executivo, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que compete à pasta “realizar o planejamento e a vacinação em todo o Brasil”.

— O Ministério da Saúde acompanha a evolução de imunizantes para a Covid-19, as vacinas, em passos acelerados, com total responsabilidade — declarou Pazuello ontem.

O Brasil já possui acordo fechado com a vacina desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford e a AstraZeneca, e está em negociação para a aquisição do imunizante desenvolvido pela farmacêutica Pfizer.

Após levantar dúvidas sobre vacinas nos últimos meses, especialmente a CoronaVac, Bolsonaro escreveu anteontem, em suas redes sociais, que o governo federal vai oferecer imunizantes contra a Covid-19 para toda a população de forma gratuita e não obrigatória.