O globo, n.31901, 09/12/2020. Sociedade, p. 12

 

Pazuello sob pressão

Paula Ferreira 

Renata Mariz 

Daniel Gullino 

Gustavo Maia 

Adriana Mendes

Paulo Cappelli 

09/12/2020

 

 

Governadores e prefeitos aumentaram a pressão sobre o governo federal por avanços na estratégia de vacinação contra a Covid-19. Em reunião com o ministro da Saúde, chefes dos executivos estaduais reclamaram da falta de coordenação sobre o tema e, especialmente, dos planos de compra de imunizantes. Prefeitos emitiram nota pedindo que sejam compradas “todas as vacinas reconhecidas como eficazes e seguras”, enquanto o governador do Maranhão, Flávio Dino( PC do B ), acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para que estados possam comprar imunizantes diretamente, com apoio financeiro da União.

Na reunião, marcada por tensão e até um bate-boca do ministro com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), Eduardo Pazuello estimou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária leve 60 dias para aprovar o registro de algum imunizante e previu que no caso da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e a Astra Zene caem parceria coma Fio cruz isso só ocorreria no final de fevereiro:

— A Anvisa vai precisar de um tempo cumprindo essa missão. Se tudo estiver redondo, teremos o registro da AstraZeneca no final de fevereiro, dando início à vacinação.

Doria anunciou para 25 de janeiro um plano de vacinação em seu estado, coma C oro na Vac ,des envolvida pela Sinovacc omo Instituto Butantan. Na reunião, ele questionou se o ministro não estava preterindo esse imunizante por “questão ideológica, política ou falta de interesse ”, lembrando ofato de o presidente Jair Bolsonaro ter desautorizado Pazuello após acordo para a compra de 46 milhões de doses.

Pazuello rebateu dizendo que Doria trata a vacina como se fosse doestado de SP. E disse que quando o trabalho de desenvolvimento for concluído será analisada a demanda:

—Eu já expus a todos os governadores, quando a vacina do Butantan, que não é doestado de São Paulo, é do Butantan, eu não sei porque o senhor fala tanto como se fosse doestado, ela é do Butantan. O Butantan é o maior fabricante de vacinado nosso país e é res peitado p orisso. O Butantan quando concluir seu trabalho e estiver coma vacina registrada, avaliaremos a demanda e se houver demanda e houver preço nós vamos comprar. (...) Havendo demanda, preço (inaudível), todas as vacinas, todas as produções serão alvo de nossa compra.

Mais tarde, Pazuello fez um pronunciamento no Palácio do Planalto afirmando ser competência do governo federal o plano de vacinação. Bolsonaro, em publicação nas redes sociais, afirmou que o país disponibilizará de forma gratuita os imunizantes com registro na Anvisa e afirmou que as vacinas não podem ser usadas para “fins políticos”.

Mesmo governadores aliados pressionam pela aceleração dos planos. O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), afirmou que já iniciou conversas com o estado de São Paulo para aquisição da CoronaVac. Ele fará uma visita ao Instituto Butantan hoje para verificar o plano de produção do imunizante.

— O povo não aguenta esperar. Eu já pedi autorização da assembleia para que, se for necessário comprar, eu possa comprar. Se os países da Europa já começaram, esperara té março não tem justificativa.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, criticou a possibilidade de que um estado tenha acesso à vacina e outros não. Para ele, abus capelo imunizante não podes e transformar“num acorrida maluca ”.

—Não sepo deter alguns estados podendo atender e outros não. Issoé umar egran acional. Mais um aveza importância de o governo federal assumira distribuição das vacinas do país. Isso não podes e transformar numa corrida maluca —afirmou.

Wellington Dias, governador do Piauí e presidente do Consórcio Nordeste, que representa os estados da região, disseque aposição dos governador e sé“colocar avida em primeiro lugar” eé obrigação “a união de todos” para um plano nacional.

Flávio Dino preferiu já acionar o Judiciário para garantir a distribuição de imunizantes. A ação do governo do Maranhão pede que o estado seja autorizado a elaborar e executar o plano de vacinação eque a União dê auxílio financeiro para aquisição das vacinas.

As cobranças também vêm dos prefeitos. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) e outras entidades que representam municípios divulgaram nota pedindo para o governo federal comprar e distribuir “todas as vacinas reconhecidas como eficazes e seguras contra a Covid-19”.

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Perguntas e respostas sobre a coronavac 

Ana Lucia Azevedo 

09/12/2020

 

 

A disputa política em torno da  CoronaVac acabou por deixar em segundo plano informações de ordem prática sobre como funciona essa vacina e O que esperar dela. Trata-se de uma vacina desenvolvi- da com uma plataforma conhecida e que tem sido bem recebida por vacinólogos, como a professora titular da Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ) Clarisa Palatnik de Souza, uma das mais experientes especialistas do país em desenvolvimento de imunizantes e editora associada da revista “Frontiers of lmmunology'í

O que é a CoronaVac?

É uma vacina desenvolvida pela empresa chinesa de biotecnologia Sinovac Life Science, que fez uma parceria no Brasil com o Instituto Butantan. Ela é feita com vírus inativado, uma estratégia em uso há décadas contra outras doenças e considerada bem estabelecida.

Como funciona?

É composta pelo coronavírus inteiro, inativado com produtos químicos, isto é, ele não pode mais se replicar e causar doença, mas sua presença pode estimular uma resposta do sistema de defesa. Ela gera imunidade contra a proteína S, alvo das demais vacinas em fase avançada, mas também contra as demais proteínas do vírus. O adjuvante (substância usada para potencializar o efeito de um imunizante) da CoronaVac é a alumina, muito conhecida. Ele gera uma forte resposta de anticorpos. É uma fórmula tradicional, não inova, mas não traz dúvidas, diz Palatnik.

O que se sabe dela em estudos?

Em testes com macacos, ela eliminou o vírus das vias aéreas superiores e, com isso, fez com que não se tornassem infecciosos ao serem inoculados com o coronavírus. O vírus não foi encontrado nos pulmões. Resultados das fases 1 e 2 em humanos foram apresentados.

Isso significa que ela poderia proteger contra a Covid-19 e contra a infecção pelo coronavírus?

Os testes com animais sugerem que sim, que ela poderia evitar a doença e também a circulação do coronavírus.

Mas não há ainda resultados da fase 3 publicados em humanos, estes são esperados para breve. Porém, até agora, é a única que tem resultados que indicam que poderia proteger contra a Covid-19 e também interromper a transmissão.

Há efeitos colaterais relatados?

Não há efeitos colaterais severos relatados. Estudos com humanos nas fases 1 e 2 mostraram que causou efeitos leves, como dor localizada e febre baixa, em 30% dos casos, o que é considerado aceitável. Não há relatos de efeitos graves, como mielite transversa e reação adversa de anticorpos (ADE, na sigla em inglês), uma condição que pode matar.

A CoronaVac pode provocar a Covid-19?

Não, porque o vírus não pode mais se replicar, está morto. É diferente da tecnologia de vírus atenuados, ou vivos.

Por que essa estratégia é vista como mais potente por alguns cientistas?

vírus completo, ela apresenta todas as proteínas virais. Isso significa que, em tese, continuará a funcionar mesmo que o coronavírus sofra mutação em alguma proteína. Todas as demais vacinas são feitas com uma proteína, a espícula, ou um pedaço dela. Se ela mudar, a vacina terá, em tese, que mudar.

Quantas doses são necessárias?

Duas, com intervalo de 28 dias entre a 1ª e a 2ª dose. Duas doses num curto intervalo trazem um desafio de logística imenso, que também existirá para as demais vacinas em fase mais avançada.

Qual a margem de eficácia?

É de 95%. Mas somente de acordo com estudos de fase 2. Os dados dos estudos da fase 3, feitos no Brasil, são esperados nesta semana.

Quantas pessoas já foram vacinadas?

300 mil. Mas os dados continuam a ser aguardados.

Em que condições deve ser armazenada?

Entre 2°C e 8° C. Ponto favorável e compartilhado com o imunizante AstraZeneca/Oxford.

Quantas doses estão asseguradas?

O acordo do governo de São Paulo coma China garante 46 milhões de doses, suficientes para vacinar 23 milhões de pessoas. Seis milhões dessas doses vêm da China e outras 40 milhões serão fabricadas pelo Butantan até janeiro de 2021 com insumos importados dos chineses.

Quando deve começar a ser aplicada?

O governo de São Paulo estabeleceu a data de 25 de janeiro para o início da vacinação, prometeu enviar os dados da fase 3 até 15 de dezembro e deseja que a Anvisa aprove em 40 dias. O Ministério da Saúde diz que o prazo é de 60 dias. A chamada Lei Covid pode acelerar esse processo e permitir que, se for aprovada por alguma agência regulatória de EUA,  Europa ou China, a vacina possa ter o uso emergencial autorizado no Brasil num prazo de até 72h. Mas há contestação e não está claro se a lei pode se sobrepor às atribuições constitucionais da Anvisa.

Há garantia de que outros estados terão essa vacina?

Apesar da pressão de governadores, ainda não há. Não houve decisão do governo federal. E mesmo que pessoas de outros estados possam se vacinar em São Paulo, como disse o governador João Dória, não há garantia de doses suficientes.

Quais são as demais vacinas com vírus inativadas em fase 3, a última antes de uma aprovação emergencial?

São três: Sinopharm/Instituto de Produtos Biológicos de Pequim (chinesa), Sinopharm/Instituto de Produtos Biológicos de Wuhan (chinesa) e Bharat Biotec (indiana). Todas demandam duas doses. As chinesas com intervalos de 21 dias e a indiana, de 28 dias. As chinesas não têm negociação conhecida com o Brasil. A empresa indiana deve assinar uma carta de intenções com o Brasil, mas sem compromisso.