O Estado de São Paulo, n.46341, 02/09/2020. Economia, p.B3

 

‘Impacto de um raio que caiu em abril’

Julia Lindner

Jussara Soares

02/09/2020

 

 

Paulo Guedes minimiza tombo de 9,7% do PIB, diz que ‘estamos decolando em ‘V’ e que País vai surpreender e crescer até 4,5% em 2021

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que não causa preocupação ao governo o tombo histórico de 9,7% do Produto Interno Bruto (PIB), no segundo trimestre na comparação com os três primeiros meses do ano.

“Isso é impacto do raio que caiu em abril”, afirmou Guedes, no Palácio da Alvorada, em referência aos impactos da crise do coronavírus na economia brasileira. Ele participou do anúncio da prorrogação do auxílio emergencial até dezembro, ao lado do presidente Jair Bolsonaro e de líderes do Congresso.

Depois, em audiência pública com os parlamentares, o ministro disse que o resultado do PIB divulgado ontem é “som de um passado distante”. “Nós humanos somos átomos que raciocinam. Economia não é uma ciência exata. Como a velocidade da luz é diferente da velocidade do som, você vê um raio muito cedo e o som chega depois. É a mesma coisa com a economia.”

Ele completou dizendo que quem previu uma queda de 10% no PIB deste ano “viajou na velocidade da luz” e errou. “Chegou agora o som de uma queda inicial do PIB de 10%. Só que a realidade é outra. É um som de um passado distante. Como a luz das estrelas que nós vemos foram emitidas há bilhões de anos. O que você vê é um registro do passado. Foi esse som que chegou agora”, completou.

Guedes disse que as estimativas agora para o PIB de 2020 estão em queda entre 4% e 5%, a metade da queda registrada no segundo trimestre. A projeção oficial é de retração de 4,7%. “O crédito, consumo de energia elétrica, notas fiscais estão todas voltando com dois dígitos. No fim do ano, a queda da economia brasileira pode ser 4% até um pouco menos”, afirmou.

O resultado divulgado nesta terça-feira é a queda mais intensa desde que o IBGE iniciou os cálculos do PIB trimestral, em 1996. Até então, o maior tombo já registrado no País tinha ocorrido no quarto trimestre de 2008 (-3,9%).

Com o desempenho, o Brasil entrou oficialmente em recessão técnica, caracterizada por dois trimestres consecutivos de encolhimento. “Isso é de impacto lá atrás. Estamos decolando em ‘V’”, disse Guedes usando a metáfora para explicar que após queda rápida da atividade, deve acontecer também uma alta na mesma intensidade.

Guedes afirmou que o crescimento da economia no próximo ano pode surpreender. Segundo a estimativa que consta da proposta de Orçamento do próximo ano, encaminhada na segunda-feira ao Congresso, o PIB deverá ter uma alta de 3,2% em 2021. “Ano que vem podemos ser surpreendidos com crescimento de 3%, 3,5%, 4% a 4,5%. Só depende de aprovarmos as reformas”, completou.

‘Cruel pelo feioso’. Ele voltou a defender a criação de um imposto sobre transações para compensar a redução da tributação que as empresas pagam sobre os salários, a chamada desoneração da folha. “Queremos trocar o cruel pelo feioso. Você pagar sobre transações digitais, é feio, é horroroso. Mas tudo que se fala desse imposto se aplica à folha de salários, que é muito pior. O impacto da tributação sobre a folha é três vezes mais distorcivo”, afirmou, em audiência pública na comissão mista do Congresso que acompanha a execução das medidas de enfrentamento à pandemia.

Guedes tem se esforçado para que o novo imposto sobre pagamentos não seja encarado apenas como a recriação da antiga CPMF. “Se você fala que quer criar um novo imposto digital e o presidente da Câmara ( Rodrigo Maia) diz que isso não será nem examinado pela Câmara, como eu posso mandar a reforma? Agora parece que está tudo calmo e esse imposto poderá ser examinado. Então poderemos começar a encaminhar o resto da reforma.”