O Estado de São Paulo, n.46340, 01/09/2020. Política, p.A4

 

Castro se alinha ao Planalto; Witzel recorre ao Supremo

Fábio Grellet

Paulo Roberto Netto

Vinicius Neder

01/09/2020

 

 

Governador em exercício anuncia ‘diálogo’ com Flávio Bolsonaro sobre socorro financeiro da União ao Rio; defesa de governador afastado tenta reverter afastamento no STF

Três dias após o afastamento de Wilson Witzel (PSC), o governador em exercício do Rio, Cláudio Castro (PSC), e a família Bolsonaro explicitaram um processo de aproximação. Castro anunciou ontem ter conversado por telefone com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-rj). O Rio depende da União para assuntos como o Regime de Recuperação Fiscal, que precisa ser renovado esta semana para garantir o funcionamento da máquina do Estado. Já a família do presidente quer ter influência no Palácio Guanabara.

Até dezembro, o governador terá de escolher o novo chefe do Ministério Público estadual. A nomeação do novo procurador-geral de Justiça é considerada de interesse do clã Bolsonaro, já que a escolha pode influenciar, por exemplo, o andamento da investigação do esquema de “rachadinha” (apropriação do salário de servidores) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) – que alcança o antigo gabinete de Flávio Bolsonaro. Até agora, o MP tem se mostrado alheio a esse tipo de interferência política. O atual chefe da Promotoria, Eduardo Gussem, é tido como um chefe que dá autonomia aos diferentes grupos de promotores.

A Constituição do Rio estabelece que o procurador-geral de Justiça, obrigatoriamente, deve ser escolhido pelo governador a partir de lista tríplice formada por eleição por voto secreto entre os membros do Ministério Público com mais de dois anos de carreira. Tradicionalmente, o nome mais votado tem sido o escolhido.

A defesa de Witzel entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter o afastamento determinado na sexta-feira pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O pedido, apresentado no sábado, foi distribuído ontem ao presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que pediu manifestação da Procuradoria-geral da República (PGR). Em linhas gerais, o recurso contesta o afastamento por meio de uma decisão monocrática ( mais informações nesta página).

Telefone. As conversas entre o governo fluminense e o Planalto haviam cessado desde que Witzel e o presidente Jair Bolsonaro passaram a brigar publicamente, há pouco menos de um ano. O motivo foi a pretensão de Witzel ser candidato a presidente em 2022. Ontem, no Twitter, Castro anunciou a reaproximação. “Recebi agora há pouco uma ligação do senador Flávio Bolsonaro, que se colocou à disposição para ajudar o Estado na renovação do Regime de Recuperação Fiscal. Diálogo! Todos pelo Rio!”, escreveu.

O plano de recuperação do Rio completa três anos no próximo dia 5, e o governo fluminense luta para se manter no regime. Pelas regras, o Estado faz um plano de recuperação com uma série de medidas de ajuste fiscal, como elevação da contribuição previdenciária dos servidores. Em troca, o pagamento das dívidas com a União, ou garantidas por ela, é suspenso. O tema era tratado pelo secretário da Fazenda, Guilherme Mercês, sem a participação direta de Witzel.

Em nota, Flávio afirmou que o governador afastado “estava se recusando a reconhecer que o Rio não fez o dever de casa”. “Parece que o Cláudio vai adotar outra postura, mais humilde, realista e colaborativa”, disse.

Estancar as investigações sobre a “rachadinha” não atenderia apenas à família Bolsonaro. No relatório inicial do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), 22 deputados estaduais tiveram movimentações atípicas identificadas e encaminhadas ao MP. Alguns casos já foram arquivados e um virou denúncia: o do deputado Márcio Pacheco (PSC), do partido de Witzel e Castro. O governador em exercício também foi alvo de mandado de busca e apreensão na última sextafeira, mesmo dia em que Witzel foi afastado do governo.

Enquanto estiver como interino, Castro não deve promover mudanças expressivas na estrutura do governo. Ontem, após reunião com o secretariado, ele determinou a suspensão de todos os pagamentos, processos de compras e contratações com fornecedores do Estado para os próximos dez dias. Ele também definiu a criação de um “Comitê de Programação das Despesas Públicas”, que vai analisar todos os gastos com valores iguais ou superiores a R$ 1,8 milhão.

Ontem, em entrevista à rede de TV CNN, Witzel disse que Castro está “fazendo o papel dele” ao tentar se aproximar do Planalto. “Sempre estive à disposição do governo federal, nunca fechei as portas.” Witzel também afirmou que não tinha a intenção de disputar a Presidência em 2022, contrariando declarações anteriores. “Meu objetivo era seguir junto e formarmos uma nova liderança política no País.”

Na entrevista, ele afirmou que nomeou até dois secretários por indicação de Flávio. O senador retrucou, pelo Twitter, dizendo que não pediu nenhum espaço no governo estadual: “Além de traidor e psicopata, ( Witzel) é mentiroso!”

Após apresentar o recurso no Supremo, o governador afastado tem até amanhã para apresentar sua defesa à comissão especial do impeachment da Alerj.