O globo, n.31900, 08/12/2020. País, p. 6

 

Moraes: Bolsonaro terá de depor sobre interferência

Carolina Brigído 

André de Souza 

08/12/2020

 

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que o presidente Jair Bolsonaro não pode desistir de prestar depoimento no inquérito que investiga se ele interferiu indevidamente nas atividades da Polícia Federal.

Moraes ressaltou que o plenário do tribunal vai decidir qual a forma do interrogatório —se presencial, ou por escrito. Ele também pediu urgência ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, para marcar esse julgamento.

Em novembro, a Advocacia-Geral da União (AGU) enviou ofício ao STF informando que o presidente optou por não prestar depoimento. Segundo Moraes, relator do inquérito, não cabe a Bolsonaro determinar como e se será interrogado. Moraes explicou que, pela Constituição, o investigado ou réu não pode se recusar previamente a ser interrogado. No entanto, ele tem o direito de permanecer em silêncio durante a oitava.

Ainda de acordo com o ministro, a lei prevê o depoimento como forma de assegurar ao investigado um julgamento justo. E que o respeito às garantias fundamentais “não deve ser interpretado para limitar indevidamente o dever estatal de exercer a investigação e a persecução criminal, função de natureza essencial e que visa a garantir, também, o direito fundamental à probidade e segurança de todos os cidadãos”.

DIREITO AO SILÊNCIO

O julgamento sobre como será o depoimento começou em outubro, quando o ex-ministro Celso de Mello, que era o relator do inquérito antes de Moraes, votou para obrigar Bolsonaro a prestar esclarecimentos presencialmente. O julgamento foi interrompido e, pouco depois, Celso de Mello se aposentou.

“Somente após essa definição, a autoridade policial designará dia, local e horário para a realização do interrogatório ou enviará por escrito as indagações que entender necessárias para a melhor apuração os fatos ensejadores da instauração do inquérito policial. Somente à partir da concretização do ato”, escreveu Moraes em sua decisão.

O ministro reconheceu que investigados e réus têm direito a ficar em silêncio e não produzir provas contra si, mas isso não pode ser usado como justificativa para limitar as ações de investigação.

“Em momento algum, a imprescindibilidade do absoluto respeito ao direito ao silêncio e ao privilégio da não autoincriminação constitui obstáculo intransponível à obrigatoriedade de participação dos investigados nos legítimos atos de persecução penal estatal ou mesmo uma autorização para que possam ditar a realização de atos procedimentais ou o encerramento da investigação”, disse Moraes. Em seguida, concluiu: “A Constituição Federal consagra o direito ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação, mas não o ‘direito de recusa prévia e genérica à observância de determinações legais’ ao investigado ou réu, ou seja, não lhes é permitido recusar prévia e genericamente a participar de atos procedimentais ou processuais futuros, que poderá ser estabelecidos legalmente dentro do devido processo legal, mas ainda não definidos ou agendados, como na presente hipótese.”

A decisão de Moraes ocorre cinco dias após o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmar, em manifestação enviada ao STF, que Bolsonaro tem direito de ser dispensado de prestar depoimento, como fora solicitado por sua defesa.

Aras argumentou que Bolsonaro estaria exercendo o direito constitucional de ficar em silêncio e, por isso, se manifestoua favor do pedido .“Na qualidade de investigado, ele está exercendo, legitimamente, o direito de permanecer calado”, escreveu. “Há de ser respeitada, pois, a escolha da autoridade investigada, que intenta exercer o seu direito ao silêncio, constitucionalmente garantido”, afirmou Aras.