Valor econômico, v. 21, n. 5167, 14/01/2021. Brasil, p. A4

 

Vacinação contra covid começa na semana que vem

Fabio Murakawa

Murillo Camarotto

14/01/2021

 

 

Planalto prepara solenidade para a terça, 19; ministério prevê início da imunização só no dia 21
A vacinação contra a covid-19 no Brasil deve começar na semana que vem, após a Agência Nacional de Vigilância Santiária (Anvisa) aprovar as duas vacinas que estão sob análise para uso emergencial no país. O Palácio do Planalto está preparando para o próximo dia 19, terça-feira, uma cerimônia simbólica para marcar o início da imunização contra o coronavírus.

Porém, no Ministério da Saúde acredita-se que dificilmente haverá tempo para que isso ocorra antes do dia 21 de janeiro - por questões logísticas e políticas.
O governo pretende usar na solenidade a vacina produzida em parceria pela AstraZeneca e a Universidade de Oxford, com as quais a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fechou um convênio de transferência de tecnologia. Trata-se da principal aposta do governo federal para imunizar a população contra o coronavírus.

No campo político, ela rivaliza com a Coronavac, produzida em parceria com o Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac. Nesse caso, a vacina tem como principal padrinho político o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que se tornou um inimigo do presidente Jair Bolsonaro.

Porém, o imunizante da AstraZeneca ainda não está sendo produzido em território brasileiro, enquanto o governo de São Paulo diz já haver um estoque de 10,8 milhões de doses da coronavac.
Na última sexta-feira, Bolsonaro enviou uma carta ao premiê da Índia, Narendra Modi, pedindo a antecipação do envio ao Brasil de 2 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde junto ao laboratório indiano Serum Institute.

Hoje, um Airbus da companhia aérea Azul decola deo Recife rumo a Mumbai para buscar o imunizante. Será um voo de 15 horas, sem escalas. A ideia é que a carga chegue ao Brasil no próximo sábado, véspera do anúncio da Anvisa. O pouso acontecerá no Rio de Janeiro, de onde as vacinas serão distribuídas para todo o país.

Uma fonte do governo a par do assunto disse ontem ao Valor que o Ministério da Saúde pretende iniciar a vacinação simultaneamente em todos os Estados e “com todas as vacinas que forem aprovadas pela Anvisa”. No entanto, disse a fonte, será preciso inspecionar, reembalar e fazer outros procedimentos com as vacinas da importadas da Índia - um processo que dificilmente estará concluído antes do dia 21.

Até ontem, era com essa data que o ministro Eduardo Pazuello e seu entorno trabalhavam para o início da vacinação em nível nacional contra a doença, que já matou mais de 206 mil pessoas no país.

Para essa fonte, o mais provável é que a solenidade no Planalto também ocorra no mesmo dia.

No evento, segundo fontes da Presidência, serão vacinados um profissional de saúde e uma pessoa idosa, que fazem parte dos grupos no topo da lista de prioridades para a imunização. Bolsonaro já declarou publicamente que não vai se vacinar. Segundo as fontes, essa ainda era a posição do presidente ontem. A previsão, no entanto, é que tanto ele quanto Pazuello participem da cerimônia.

O ministro tem sido criticado por suas declarações em relação ao início da vacinação. Em dezembro, ele perguntou “por que tanta pressa” e “tanta ansiedade” em relação a isso. Na segunda-feira, afirmou que a imunização começaria “no dia D” e “na hora H”.
Já Bolsonaro tem dado declarações apontadas como um desestímulo para que a população se vacine, além de espalhar informações falsas. Ontem, no Alvorada, questionado por um fã sobre se iria se vacinar, ele respondeu que já havia contraído a doença - ignorando os diversos casos de reinfecção.

Ele também já disse, em tom de brincadeira, que quem tomar a vacina pode virar jacaré e, no caso de mulheres, ganhar um bigode.

Doria, por sua vez, marcou o início da vacinação no Estado para o dia 25 de janeiro, mas já disse que antecipará a data caso o governo federal inicie a imunização antes disso. O Estado já possui mais de 10 milhões de doses da Coronavac em estoque. O Ministério da Saúde informou ontem que deverá ser publicado amanhã um novo edital para a compra de seringas e agulhas, visando o programa de vacinação contra a covid-19.

A primeira tentativa de compra de 331 milhões de itens ocorreu no dia 29 de dezembro do ano passado, mas o pregão conseguiu adquirir apenas 7,9 milhões de seringas e agulhas. Agora, a oferta será para 290 mihões de itens.

Ontem, o governador do Pará, Hlder Barbalho, firmou um decreto proibindo a circulação de embarcações com passageiros vidas do Amazonas, diante da explosão de casos no Estado vizinho.

“Isto é uma medida preventiva e fundamental para que possamos evitar a ampliação do contágio dentro do Estado do Pará e principalmente os problemas em Saúde em face à pandemia do coronavírus”, disse. “A partir de amanhã [hoje] nossas fronteiras estarão fechadas para o Estado do Amazonas, com monitoramento da Polícia Militar do Estado, com embarcações e aeronaves.”

O Brasil registrou 1.283 mortes provocadas pela covid-19 nas 24h até 20h de ontem, elevando o total de óbitos provocados pela doença para 206.009, segundo o consórcio de veículos de imprensa.

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Doria quer começar a fazer a imunização imediatamente após aprovação da Anvisa

Carolina Freitas

14/01/2021

 

 

Governador diz que agência tem o dever “científico e humanitário” de aprovar a Coronavac e a vacina da Astrazeneca
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), quer o início imediato da vacinação contra a covid-19 assim que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o pedido de uso emergencial da Coronavac. “Todas as vacinas consideradas eficazes de acordo com os cientistas atendem 50% ou mais da taxa de eficácia, portanto a vacina do Butantan [que mostrou eficácia de 50,4%] atende plenamente. Atendendo plenamente, ela deve ser colocada imediatamente, após a aprovação da Anvisa, para a vacinação dos brasileiros”, afirmou Doria, em entrevista coletiva. O início da imunização em São Paulo está marcado para o dia 25.

“Desejo que a Anvisa cumpra o seu dever científico e humanitário no domingo e libere as duas vacinas, da AstraZeneca e do Butantan”, disse o governador, em referência à reunião da agência no domingo, para avaliar o pedido de uso emergencial dos dois imunizantes. Segundo ele, a Anvisa tem o “dever científico e humanitário” de aprovar as duas vacinas contra a covid-19.
Em entrevista com secretários e autoridades do combate à pandemia no Estado, o tucano defendeu a eficácia da Coronavac, vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica Sinovac.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, classificou como “excepcional” a eficácia de 50,4% da Coronavac e ressaltou que ela foi a única testada entre profissionais da saúde, que estão mais expostos a se contaminar com a covid-19. “A Sinovac é uma das melhores vacinas disponíveis no mundo. No Brasil, é a única. Isso coloca Anvisa na necessidade de aprovação rápida dela. Precisamos tirar a vacina da prateleira e começar a vacinação.”

O coordenador-executivo do Comitê de Saúde do Estado, João Gabbardo, que compôs a equipe do Ministério da Saúde, também participou da entrevista. Questionado, ele disse: “Não tenho nenhuma dúvida de que a Anvisa vai registrar a vacina da Sinovac, porque ela é segura, eficaz e vai reduzir a transmissibilidade da doença”.
Logo no início do evento, o governador agradeceu a cientistas que anteontem concederam entrevistas comentando os números sobre a eficácia da vacina do Butantan. Segundo Doria, os dados mostram que o imunizante deve ser incluído no programa nacional de imunização.

“Respeitamos a ciência. A ciência não tem partido nem política, não faz campanha eleitoral, não vislumbra nem 2020, nem 2021 nem 2022”, afirmou o tucano, que antagoniza no combate à pandemia com o presidente Jair Bolsonaro.

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Bolsonaro ironiza Coronavac, mas diz que compra a vacina se Anvisa aprovar

Fabio Murakawa

Eulina Oliveira

14/01/2021

 

 

Governador de São Paulo rebate ironias do presidente
O presidente Jair Bolsonaro ironizou ontem os dados da vacina Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac. Ele, porém, disse que o governo comprará qualquer imunizante que seja aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Na terça-feira, o governo de São Paulo anunciou que a coronavac tem eficácia global de 50,38%. O índice está acima dos 50% indicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas abaixo dos 78% anunciados anteriormente pelo governador João Doria com base em casos moderados da doença.
“Então, essa de 50% é uma boa ou não? O que eu apanhei por causa disso, agora estão vendo a verdade. Quatro meses apanhando por causa da vacina”, disse Bolsonaro a um apoiador ao sair do Palácio da Alvorada para o trabalho no Planalto. “Entre eu e a vacina tem a Anvisa. Eu não sou irresponsável, não estou a fim de agradar quem quer que seja.”

O presidente, então, discordou do apoiador, que disse que a melhor vacina é a que está sendo produzida em parceria pela AstraZeneca e a Universidade de Oxford, principal aposta do governo federal para imunizar a população por meio de um convênio com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“Não... [A melhor] é a vacina que passar pela Anvisa, seja qual for”, disse. “Passou por lá, já temos, já assinei um crédito de R$ 20 bilhões para comprar.”

O apoiador afirmou, em seguida, que só tomaria a vacina que Bolsonaro tomasse. O presidente, que já disse publicamente que não irá se vacinar, respondeu: “Eu já fui infectado”. Apesar da declaração do mandatário, o país já registrou casos de reinfecção pela doença.

O Instituto Butantan e a Fiocruz entraram com requerimentos para a utilização em caráter emergencial de suas vacinas contra o coronavírus. A Anvisa comunicou que se reunirá no domingo para discutir e aprovar ou não os pedidos.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), criticou em seu perfil no Twitter as declarações de Bolsonaro sobre a Coronavac.

“Lamentável a declaração do presidente Bolsonaro sobre a vacina do Butantan”, escreveu. “Ao invés de comemorar o fato do Brasil ter um imunizante seguro e eficaz para combater a pandemia, ele ironiza a vacina.”

“Enquanto brasileiros perdem vidas e empregos, Bolsonaro brinca de ser presidente”, acrescentou.

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Especialistas veem imunizante como ‘seguro e bom’

Anaïs Fernandes

14/01/2021

 

 

Comparada com a hipótese original de não ter nada, a Coronavac é absurdamente boa, diz Marcio Bittencourt, da USP
Apesar dos ruídos na comunicação dos dados de eficácia da Coronavac, especialistas reforçam que o imunizante, produzido pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac, é seguro e bom, principalmente porque permite ao Brasil começar, finalmente, seu programa de vacinação.

“Não sabemos tudo sobre essa vacina, mas, tudo o que nós sabemos, é bom”, resume Hélio Bacha, médico infectologista e consultor técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia. Segundo o Butantan, a eficácia global da Coronavac no Brasil foi de 50,4%, acima do mínimo recomendado (50%) pela Organização Mundial de Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Brasil. O número, no entanto, ficou abaixo do observado em imunizantes da Pfizer (95%) e da Moderna (94,1%). Essas vacinas, porém, são produzidas a partir do RNA mensageiro, enquanto a Coronavac usa o vírus inativado.
“Esse resultado é bem razoável, principalmente por ter algo já na mão que possa modificar a pandemia”, diz Bacha, lembrando que, para vacinas do tipo da Coronavac, era esperado algo mais perto de 60%. “Números acima de 90% são equivalentes às melhores vacinas, de sarampo, febre amarela. As dos vírus das gripais são bem menores.”

Após a divulgação dos dados brasileiros, Malásia e Cingapura, que têm acordo com a Sinovac, disseram que vão procurar a chinesa para mais informações sobre eficácia antes de aprovar compras, informou a agência Reuters. Para o médico sanitarista Adriano Massuda, professor da FGV, é natural que países queiram detalhes. “É um produto novo, há vários no mercado competindo e cada país tem que avaliar qual se adapta melhor às suas circunstâncias.”

Sob esse aspecto, a vacina do Butantan ganha relevância para o Brasil. “O índice de proteção não é dos mais altos, mas é suficiente para garantir potencial de imunidade coletiva, se houver grande cobertura vacinal, e isso é o mais importante em uma pandemia. É uma vacina que será produzida aqui, não é das mais caras e o manuseio também é de fácil acesso”, lembra Massuda.
Esses elementos ajudam a explicar parte da diferença entre o que os especialistas dizem ser a eficácia dos imunizantes em estudos controlados e sua “eficácia real”, que ainda precisará de tempo e da aplicação na prática para ser compreendida. “A eficiência de uma vacina no estudo pode ser de 80%, mas, se a aplicação é difícil, você pode acabar tendo uma eficiência menor”, diz Bacha. Com o Butantan apontando que a Coronavac não gera efeitos colaterais graves, agora será “o teste para valer”, afirma o infectologista. “É hora de dispormos do melhor meio que nós temos. O Brasil ficou sem muitas opções, não foi disputar no mercado as vacinas mais modernas.”

“Qual é a nossa alternativa hoje? Comparada com a hipótese original de não ter nada, a Coronavac é absurdamente boa”, afirma Marcio Sommer Bittencourt, médico do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP). “Se você me disser que vai ter vacina da Pfizer, eu vou perguntar quando ela chega e em quantas doses. A pior hipótese é ficar esperando a vacina chegar sem ela vir.”

O Instituto Butantan explicou ainda que seu estudo, diferentemente de outros, se concentrou em profissionais de saúde em contato com pacientes com covid-19, o que tornou a incidência da doença no grupo analisado maior, e incluiu até casos muito leves da doença. Segundo o instituto, essas escolhas foram conscientes, para “estressar” ao máximo a capacidade da vacina. Para Bacha, é bom poder testar com um grupo mais exposto. “Você tem que estudar onde tem mais casos.”

Os médicos apontam, porém, que essas informações técnicas poderiam ter ficado mais claras desde o começo e que o governo gerou confusão ao divulgar, na semana passada e sem oferecer muitos detalhes, uma eficácia de 78% considerando apenas os casos leves. A primeira divulgação foi “pobre”, avalia Bittencourt. Na segunda, melhorou, diz.
“Tem o mérito de ter apostado no desenvolvimento da vacina, ter investido, mas acho que a ansiedade por reconhecimento atrapalhou”, afirma Massuda, da FGV. O principal, segundo ele, é esclarecer para a população que a vacina é boa para o Brasil. Massuda reforça que o país tem uma tradição centenária de vacinação que não pode ser colocada em risco. “As pessoas precisam ser vacinadas.”

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Teste com profissional de saúde explica eficácia, afirma Sinovac

14/01/2021

 

 

Grupo de voluntários da fase 3 no Brasil era constituído de pessoas muito expostas ao contágio, o que reduziu o resultado final, diz laboratório
A Sinovac Biotech afirmou que a baixa taxa de eficácia de 50,38% da Coronavac, no teste de estágio final no Brasil, se deve ao fato de os participantes do teste serem profissionais da saúde que enfrentam um alto risco de contrair covid-19.

Em contraste, vacinas ocidentais, como a desenvolvida em conjunto pela americana Pfizer e a alemã BioNTech, foram testadas entre voluntários, incluindo pessoas da população em geral, algumas das quais estavam menos expostas ao vírus no dia a dia.
A defesa foi feita pelo presidente-executivo da Sinovac, Yin Weidong, em entrevista coletiva em Pequim. Testes conduzidos no Brasil, Indonésia (65,3%) e Turquia (91%) divulgaram taxas de eficácia diferentes.

A divulgação brasileira levou Malásia e Cingapura, que haviam feito acordos com a Sinovac, a dizerem ontem que vão procurar mais dados sobre a eficácia da vacina antes de aprovarem as compras do produto.

A empresa, sediada em Pequim, disse em julho passado que seu ensaio de fase 3 no Brasil recrutaria cerca de 9 mil profissionais de saúde, trabalhando em instalações especializadas no combate à covid-19 em vários Estados. O ensaio foi posteriormente expandido e acabou recrutando mais de 13 mil pessoas, que foram divididas igualmente entre os grupos vacinados e os de placebo.

O Instituto Butantan, parceiro da Sinovac no Brasil, disse na semana passada que a vacina foi 78% eficaz na prevenção de casos leves e 100% contra infecções graves e moderadas. Mas a taxa geral, que também inclui casos que não requerem ajuda médica, é 50,38%.
O presidente da Indonésia, Joko Widodo, recebeu ontem a primeira dose do imunizante ao vivo na TV, em uma demonstração de confiança destinada a persuadir as pessoas a se vacinarem.

O lançamento da Sinovac na Indonésia será um teste crucial para a eficácia da vacina. O país vive o pior surto da doença no sudeste da Ásia e pretende vacinar 181,5 milhões de pessoas até março de 2022.