Valor econômico, v. 21, n. 5164, 11/01/2021. Brasil, p. A5

 

Com pandemia, União suaviza cobrança de R$ 300 bi em dívidas

Marcos de Moura e Souza

11/01/2021

 

 

Flexibilização tem como objetivo aliviar empresas e pessoas físicas com perda de receita na crise
A União suspendeu, renegociou ou adiou a cobrança de parcelas no ano passado de quase R$ 300 bilhões em dívidas que têm a receber de empresas e pessoas físicas.

Desde março, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) adotou medidas de flexibilização de cobrança da dívida ativa com vistas não estrangular ainda mais devedores que perderam receita na pandemia.

O socorro abrangeu dos pequenos aos grandes devedores - estes com débitos a partir de R$ 15 milhões e vários com débitos de bilhões com a União.

“A PGFN adotou no ano passado uma postura alinhada com a do Ministério da Economia, uma postura cooperativa com os devedores”, disse ao Valor o procurador Everaldo Souza Passos Filho, cooperativa com os devedores”, disse ao Valor o procurador Everaldo Souza Passos Filho, coordenador de Acompanhamento e Controle Gerencial da Dívida Ativa da União da Procuradoria.

“Atuamos de todas as formas para dar um respiro a esses contribuintes que estão em situação de endividamento, para que eles pudessem transitar nesse contexto de pandemia”, completou Passos Filho.

Em um balanço datado de 5 de janeiro e assinado pelo procurador, ele informa que estimativa até novembro é que “os débitos inscritos em dívida ativa da União no valor de R$ 291,6 bilhões tiveram sua cobrança suspensa, foram transacionados ou se beneficiaram com o adiamento do vencimento das parcelas, por conta das medidas de enfrentamento à covid-19”.
O balanço esmiúça os números. Mostra, por exemplo, que 781.261 débitos deixaram de ser protestados pela União, no valor de R$ 45,4 bilhões.

Mostra também que R$ 159,9 bilhões em dívidas deixaram de ser imputados a terceiros devido à suspensão desses procedimentos de imputação de responsabilidade.
Muitos devedores também recorreram a renegociações de dívidas - as chamadas transações tributárias - oferecidas pela PGFN em 2020. Foram, ao todo, 160 mil transações entre janeiro e novembro (em geral uma transação por devedor)

O prazo de adesão a uma das modalidades de transações mais buscadas - a transação extraordinária - venceu em 29 de dezembro.

As condições das transações tributárias preveem realinhamento de parcelas em até 145 meses e a concessão de descontos em juros, multas e encargos em até 70%.

As transações são diferentes dos programas de refinanciamento de dívidas (Refis) porque calibram os descontos em função da capacidade financeira de cada devedor de arcar ou não com seus débitos. Quanto maior a capacidade, menor o desconto.

Pelo balanço da PGFN, até novembro foram suspensas as cobranças ou postergados os pagamentos de R$ 242,8 bilhões do que a União tem a receber. Além disso, foram renegociadas - por meio das transações - dívidas que somam R$ 48,8 bilhões. A soma das duas cifras resulta nos R$ 291,6 bilhões.
“O papel da procuradoria foi muito importante não só na parte legislativa - no que se refere à lei de transição - como também na sua regulamentação”, diz a advogada Priscila Faricelli, sócia do escritório Demarest Advogados.

Priscila acompanhou alguns casos de grandes devedores que recorreram às medidas da PGFN. “É desejo dos devedores que existam algumas condições para que essa dívida seja liquidada”, aponta ela. A advogada afirma que a PGFN tem atentado para isso, diferentemente, segundo ela, do que se vê na Receita Federal. “Não existe hoje na Receita nenhuma margem de abertura e negociação. Isso a gente só consegue na PGFN.”
A PGFN tem a atribuição de atuar num segundo momento da cadeia de cobrança tributária. Primeiro, a Receita Federal autua o contribuinte; e se este não paga, o débito é encaminhado aos procuradores.

O total da dívida ativa que a Fazenda tem a receber de empresas e pessoas físicas é uma cifra astronômica: R$ 2,5 trilhões. Desse total, a parte devida pelos grandes devedores é de R$ 1,7 trilhão. Entre os grandes devedores, parte deles aparece no rol de devedores com débitos em aberto - ou seja, que não estão sendo pagos ou debatidos na Justiça.

Nessa lista com grandes débitos em aberto estão grupos falidos como Vasp (com uma dívida de R$ 7 bilhões) e Varig (R$ 4,7 bilhões), o empresário Eike Batista (R$ 3,7 bilhões) e a mineradora MMX (R$ 3,5 bilhões), entre muitos outros.

Em 2020, de acordo com a PGFN, houve um aumento de 3,4% no estoque da dívida ativa.

Mas o órgão chama atenção para o aumento significativo no estoque em situação regular. Eram R$ 492 bilhões em 2019 e em 2020, R$ 557 bilhões - um aumento impulsionado, segundo a PGFN, pelos programas de alívio aos devedores.

Outro resultado do que os procuradores chamam de estímulos à regularização é o número de devedores. Entre 2019 e 2020, o número dos devedores à União caiu de 5,1 milhões para 4,8 milhões.

Outra mudança em 2020 foi o valor que efetivamente a PGFN recuperou de dívidas que a União tem a receber. Em 2019, a PGFN conseguiu recuperar R$ 25 bilhões dos devedores. Em 2020, entre os meses de janeiro e novembro, já foram recuperados R$ 23,3 bilhões.

“O valor que a gente deve arrecadar em 2020 provavelmente vai ser maior do que o de 2019”, avalia Passos Filho.

Segundo ele, esse aumento se deve, em boa parte, a medidas que o órgão vem adotando para melhoria na cobrança da dívida ativa e também às condições facilitadas de pagamento.
O procurador lembra ainda que houve uma queda na arrecadação desses créditos no primeiro nos primeiros meses da pandemia. “Mas a partir de agosto, tivemos uma retomada rápida do montante arrecadado. Foi uma recuperação em ‘V’, uma queda brusca e recuperação rápida.”