Valor econômico, v. 21, n. 5164, 11/01/2021. Brasil, p. A3

 

União pode ser acionada por omissão na vacinação

André Guilherme Vieira

Sergio Lamucci

Cristiano Romero

11/01/2021

 

 

Recorrer ao STF pode ser opção em caso de ausência de plano nacional de imunização
O governo federal poderá ser acionado judicialmente caso o Ministério da Saúde se omita no plano de vacinação e não apresente um planejamento detalhado e objetivo que garanta o início do processo no próximo dia 25.
O Estado de São Paulo aceitou seguir o plano a ser definido pelo governo federal, submetendo-se, portanto, às regras de proporcionalidade e risco a serem definidas. Mas, se não houver estratégia detalhada sobre como será feita a vacinação até a última semana de janeiro, o governo paulista considera que nada o impede de iniciar a imunização antes da União.

Ontem, no Twitter, o governador João Doria (PSDB) reagiu à afirmação feita pela Anvisa, no sábado, de que faltam documentos do Instituto Butantan para avaliar o pedido de uso emergencial da Coronavac.

“É preciso senso de urgência da Anvisa para liberação da vacina do Butantan. Ritos da ciência devem ser respeitados, mas devemos lembrar que o Brasil perde cerca de mil vidas/dia para a Covid-19”, escreveu Doria na rede social.

Em nota enviada ontem, o Instituto Butantan afirmou que seguiu, durante o domingo, “fornecendo todos os documentos necessários para a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o registro de uso emergencial da vacina contra o coronavirus.”
Segundo o Butantan, o fato de a Anvisa solicitar mais informações, “que estão sendo prontamente atendidas pelo Butantan, não afeta o prazo previsto para autorização de uso do imunobiológico”. Ainda conforme o comunicado, “pedidos de novos documentos ou mais informações são absolutamente comuns em processos como esses”. O Butantan confirmou ter realizado suas reuniões com a Anvisa no sábado.

Caso a aplicação se inicie no país em 20 de janeiro, como o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tem dito que pode ocorrer “na melhor das hipóteses”, São Paulo anteciparia o processo. Há dúvidas quanto à entrega do plano de imunização, uma vez que, depois de Pazuello fechar acordo em outubro com o governo paulista, comprometendo-se a comprar toda a vacina produzida pelo Instituto Butantan, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou o acerto no dia seguinte.

Como o Brasil é hoje um dos poucos países entre as maiores economias do mundo a não ter iniciado ainda a vacinação, no limite é possível que, na ausência de um plano federal de imunização, o governo seja acionado no Supremo Tribunal Federal (STF), se houver demora do governo federal para dar início à campanha.

Uma sinalização dessa estratégia foi emitida pelo governo paulista e veio à tona na manhã de sexta-feira. Ao analisar pedido da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE), o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, determinou que União não pode requisitar seringas e agulhas adquiriras por São Paulo para a vacinação.

A decisão do ministro, concedida em pedido cautelar, ainda poderá ser analisada pelo plenário da Corte. Na noite de sexta-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou ao STF que a requisição de agulhas e seringas para a futura vacinação contra a covid-19 não abrange insumos já adquiridos pelos Estados. A requisição administrativa é um mecanismo previsto na Constituição que permite ao poder público usar temporariamente bens privados, em caso de necessidade iminente.
Também na sexta-feira, o secretário de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, garantiu que a vacinação no Estado começará em 25 de janeiro, ainda que o governo federal não tenha iniciado a imunização em todo o país até essa data. De acordo com o secretário, mesmo que o governo federal já tenha assinado o contrato com o Instituto Butantan para a aquisição de 100 milhões de doses da Coronavac - 46 milhões com entrega prevista para até o fim de abril e o restante antes do fim de 2021 - o Estado tem a prerrogativa de vacinar sua população, desde de que sejam seguidos “todos os ritos e normas previstos no Plano Nacional de Imunização”.

A intenção do governo paulista, neste momento, é não entrar em confronto com a administração do presidente Jair Bolsonaro a respeito do assunto. O fato de não existir um Plano Nacional de Imunização claro, objetivo e detalhado é um dos fatores de preocupação no Palácio dos Bandeirantes.

Não se sabe quantas das doses da Coronavac ficarão em São Paulo. A decisão depende do que será definido no plano a ser apresentado pelo governo federal, que estabelecerá a quantidade de vacinas que será destinada a cada Estado, tendo como referência critérios populacionais, etários e de grupos de risco. Na prática, o governo de São Paulo depende dessa definição.

Em contrapartida, 11 milhões de doses da Coronavac já foram separadas para atender à demanda do Estado. Dessa forma, a gestão Doria terá meios para dar início à vacinação em 25 de janeiro, na hipótese de o governo Bolsonaro ainda não ter dado início à imunização no país. Com esse estoque de vacinas, São Paulo ficaria à distância de uma liminar do Supremo para se antecipar na corrida da vacinação, se não houver uma imunização nacional até lá.
Na semana passada, Pazuello disse que 354 milhões de doses estariam garantidas para este ano. Do total, 254 milhões seriam produzidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), numa parceria com a AstraZeneca, além de 100 milhões de doses da Coronavac. Por enquanto, parece improvável que a vacinação em todo o país comece ainda neste mês.

No sábado, o Ministério da Saúde afirmou que a vacinação contra a covid-19 deve ocorrer simultaneamente em todo o país, com distribuição proporcional de doses entre os entes federativos. Na nota divulgada pelo ministério, o governo disse que decidiu na sexta-feira, em reunião com o Instituto Butantan, que as 100 milhões de doses produzidas pela instituição serão incorporadas ao Plano Nacional de Vacinação. Até agora, no entanto, o governo federal não divulgou nenhuma informação oficial sobre o cronograma da vacinação.

Três possibilidades estão sendo aventadas: até 20 de janeiro, com o uso de vacinas do Butantan e as doses da AstraZeneca importadas da Índia; de 20 de janeiro a 10 de fevereiro, já com vacinas produzidas no Brasil pelo Butantan e pela Fiocruz; ou com início de vacinação mais tardia, em 10 de março.

Ao menos outros 12 Estados já elaboraram estratégias próprias para garantir a vacinação, na hipótese de inação do governo federal. Até o momento, 12 Estados e 1.102 prefeituras solicitaram a Coronavac.

Também na sexta-feira, a Anvisa recebeu pedido de autorização temporária para uso emergencial, em caráter experimental, da vacina de Oxford. O pedido foi enviado pela Fiocruz, que conduz, no Brasil, os estudos do imunizante desenvolvido pela AstraZeneca. A solicitação da Fiocruz é para o uso de 2 milhões de doses de vacinas que devem ser importadas do laboratório Serum, com sede na Índia.

Procurada no domingo, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo ratificou que a campanha de vacinação contra covid-19 será iniciada no dia 25 de janeiro em São Paulo.

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Saúde revê plano para requisição de seringas e agulhas

Luísa Martins

11/01/2021

 

 

Após decisão de Lewandowski, Ministério prepara ajuste na iniciativa de requisitar estoques de fabricantes desses produtos; objetivo será não afetar pedidos já encomendados por Estados e prefeituras
O Ministério da Saúde prepara uma série de ofícios a serem encaminhados às fabricantes de agulhas e seringas para requisitar os estoques excedentes desses materiais, deixando claro que isso deve ocorrer sem prejuízo aos contratos já firmados com outros entes federados. O governo estima obter 30 milhões de unidades com essa iniciativa.

O ajuste está sendo providenciado depois que o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu a União de “confiscar” insumos contratados pelo Estado de São Paulo para a campanha de vacinação contra a covid-19.

A saída foi articulada pelas áreas técnica e jurídica do governo, que defendem uma solução conciliatória entre União e Estados, amenizando os discursos políticos beligerantes que têm oposto o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

A Procuradoria-Geral do Estado acionou o STF depois que o ministério requisitou todo o estoque de agulhas e seringas da Becton Dickinson (BD) Indústria Cirúrgica, mediante indenização futura. Contudo, o governo paulista havia contratado a empresa anteriormente, inclusive com pagamentos já empenhados.

Após alerta da Advocacia-Geral da União (AGU), o ministério vai enviar novos ofícios a essa e a outras quatro fabricantes, esclarecendo que o requerimento diz respeito só aos excessos dos estoques, e não ao que já foi contratado por Estados ou municípios.

De acordo com fontes da AGU, a intenção do ministério é atuar apenas como um suporte, cumprindo o papel de regular os estoques - isto é, caso faltem seringas ou agulhas a algum ente federativo, a pasta terá os materiais disponíveis como retaguarda.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi intimado por Lewandowski a prestar informações, até o fim desta semana, sobre o estoque de insumos necessários à imunização contra a covid-19, tanto nos armazenamentos do governo federal quanto nos dos Estados.

Pazuello deve comunicar se a quantidade de produtos é suficiente para vacinar ao menos os grupos prioritários, sem deixar de lado outras campanhas de imunização. Caso não seja, precisa apresentar um plano para novas aquisições.
Na quinta-feira, a pasta informou que Estados e municípios, responsáveis por executar as campanhas de vacinação, têm cerca de 60 milhões de seringas disponíveis para uso - outras 40 milhões estão em negociação com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

Pazuello disse, em pronunciamento em rede nacional na semana passada, que a vacinação contra a covid-19 começará ainda em janeiro. Sem mencionar a data precisa, afirmou que “todos os Estados e municípios receberão a vacina de forma simultânea, igualitária e proporcional à população”. Em São Paulo, o início da imunização da população está agendado para o dia 25.
O calendário do plano nacional de vacinação do governo federal prevê 16 meses para que todos os brasileiros estejam imunizados, mas essa é a previsão referente apenas à primeira dose. Levando em conta a segunda, técnicos do governo falam em 18 meses.

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Rio espera vacina na semana que vem

Rafael Rosas

11/01/2021

 

 

Prefeitura mantém expectativa de iniciar imunização entre 20 e 25 de janeiro
A Prefeitura do Rio de Janeiro decidiu não ratificar o acordo para compra de 3,2 milhões de doses da Coronavac que havia sido feito com o Instituto Butantan, mas ainda assim tem a expectativa que já a partir da próxima semana as primeiras doses do imunizante cheguem à cidade, ou que ao menos a logística para a vacinação contra a covid-19 fique mais clara.

Ontem, ao acompanhar a chegada de 10 mil testes rápidos de antígeno covid-19, tipo de exame ainda não usado no Estado, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, frisou que, com a decisão do Ministério da Saúde de comprar 46 milhões de doses do imunizante, o mais “civilizado” passa a ser esperar pelo Plano Nacional de Imunização (PNI). Ainda assim, a expectativa da prefeitura é que a vacinação comece entre os dias 20 e 25 de janeiro, embora os próximos passos dependam da autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que atualmente analisa os pedidos de uso emergencial tanto da Coronavac quanto da vacina de Oxford, produzida pelo laboratório AstraZeneca e fabricada no país pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“Não precisou valer o acordo [com o Butantan] porque o governo federal comprou todas as vacinas, então vamos fazer o que é o mais normal e civilizado, que é o Plano Nacional de Imunização”, disse Paes, mantendo a decisão de não decretar lockdown na cidade, mas revelando que um decreto com novas regras sairá ainda essa semana, em um quadro nacional que aponta para o aumento do número de casos e de mortes.

O secretário de Saúde do Rio, Daniel Soranz, reiterou a expectativa de receber as primeiras doses da Coronavac a partir da próxima semana. “O Butantan já apresentou à Anvisa o pedido de registro, mas solicitou a distribuição das vacinas antes mesmo do registro. Nossa expectativa é receber vacinas já a partir da próxima semana, ou que a cadeia de logística já fique mais clara”, disse, durante a apresentação dos novos testes.
Soranz afirmou que ontem mesmo a prefeitura começou a distribuir seringas e agulhas para unidades básicas e para centros municipais de saúde para que não haja atraso e o Rio possa estar pronto para começar a vacinação tão logo as primeiras doses estejam disponíveis e o calendário seja divulgado pelo Ministério da Saúde.

De início, o objetivo é o de imunizar 2,6 milhões de pessoas nas primeiras quatro etapas do plano de vacinação, a partir do cronograma do Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde. A estratégia envolverá 450 pontos de vacinação na cidade, a maioria nas Clínicas da Família e Centros Municipais de Saúde, com 10,5 mil profissionais envolvidos. A tendência é a de que, na primeira fase, deverão ser imunizados trabalhadores da saúde, pessoas a partir de 60 anos, pessoas com comorbidades, professores, indígenas, quilombolas e profissionais das forças de segurança e salvamento e serviços essenciais, além de funcionários do sistema prisional.

Sobre os testes doados por um grupo de empresários denominado União Rio, Soranz ressaltou que a meta é fazer 450 mil testes na população ainda no primeiro trimestre. “Essa primeira parcela [de 10 mil testes recebidos ontem] começa a ser distribuída amanhã [segunda-feira] para as unidades básicas de saúde e esses testes são fundamentais para interromper a cadeia de transmissão da covid-19”, disse o secretário na Central de Logística da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), em Jacarepaguá, zona oeste do Rio. “Todas as vacinas recebidas pelo Rio serão acondicionadas aqui”, acrescentou.

Com a testagem e os casos positivos, Soranz disse que será feito um rastreamento de contato. Os demais tipos de exames continuarão a ser ofertados na rede municipal e a previsão é que sejam testadas mil pessoas por dia inicialmente, aumentando o total gradativamente. A Prefeitura do Rio vai comprar mais testes e deverá receber também outra quantidade do governo do Estado.