Correio braziliense, n. 21014, 06/12/2020. Artigos, p. 11

 

Desastre na política externa

Sacha Calmon

06/12/2020

 

 

Não satisfeito com a derrota festejada pelo mundo de Trump - que anda sem consolo - , pois a maioria da população (6 milhões de eleitores a mais) e mais 78 delegados no colégio eleitoral, o recusaram, o presidente do Brasil vem de cutucar com "pólvora" possíveis sanções unilaterais de Biden contra a política frouxa de nosso governo na Amazônia, cerrado e pantanal, ressalvados os esforços do vice-presidente, um homem decente e equilibrado.

De quebra, nos cobra virilidade: "O Brasil precisa deixar de ser um país de maricas". De minha parte, "marica" é Vossa Excelência que usa o cargo como quando manipulava grupos de motociclistas valentões, como se fosse ainda parte da "juventude transviada" - "valentias" que deveriam estar voltadas a combater a coronavírus, a pobreza, o desemprego de 14% da População Economicamente Ativa (PEA), a queda bruta do PIB (6%), a vacinação integral de nossa população. Nada disso sua valentia enfrentou a contento.

Ao que tudo indica, porém, por maiores que sejam as acomodações, daí as declarações aqui e acolá, Vossa Excelência agora mexeu com "pólvora". Mas desta vez não com pólvora metafórica contra os americanos de Biden na Amazônia (maluquice), mas a verdadeira, a que é usada pelas Forças Armadas do Brasil, notadamente pelo Exército Nacional. O comandante Pujol deixou bem claro aVossa Excelência e não adiantam quaisquer desculpas e interpretações, que o Exército bem como as Forças Armadas são instituições do Estado e não instituições do governo, no caso, de Vossa Excelência . Não cometerão tolices. De resto, em nome de defender o Estado e a democracia, derrubaram de seus cargos vários presidentes da República, haja vista em 1964.

Mas desta vez, ficou bem claro que Pujol avisou que os militares são independentes em relação de Vossa Excelência e as suas políticas e que estão exercendo diversas missões coordenadas pelo vice-Presidente da República, não se prestarão a aventuras.
Vossa Excelência nos faz lembrar um general franquista em face do reitor da Universidade de Salamanca, em Espanha, a lhe gritar o destemor militar em relação a morte: "Vila la muerte" disse o general a Unamano, um dos grandes humanistas do século 20. Ele redargui-o: En la universidad, nosostros brindamos a la vida".... É por isso que somos "maricas". Temos medo da covid porque Vossa Excelência é inepto e já morreu gente que não acaba mais... É famosa a frase de que a guerra é a continuação da política pelas armas. De fato, é assim. Mas os brasileiros por força da Constituição só usarão armas em casos de agressões armadas externas e em mais nenhuma hipótese, reza a Carta Magna. Biden jamais nos invadirá.

Deus acima de tudo e a Constituição acima de todos! De resto, o presidente Biden em momento algum ameaçou invadir a Amazônia, mas pode aplicar sanções ao governo brasileiro, se for o caso. E Vossa Excelência não poderá fazer nada, por inanição militar e política. Vai ter, sim, que cuidar da Amazônia e já se forma um comitê internacional. É importante tanto quanto a posse de armas nucleares e o terrorismo islâmico. É trabalhar a sério ou dar-se-á mal.

E nada de "patriotados" de tenente, como a que o expeliu do Exército Nacional por fazer greve por melhores soldos. Saiu com o cargo de capitão, como é de praxe.

Ao Brasil, cabe defender-se e manter os tradicionais laços de amizade com os Estados Unidas (EUA), seja o presidente de lá, democrata ou republicano. E deve aprofundar laços com a América Latina, sejam seus governos mais ou menos liberais. Somos impelidos a aumentar os laços econômicos e comerciais com a China em favor da economia do país, sem ideologias direitistas, caso contrário somente nos daremos mal, como a Hungria de Orban e a Polônia de Duda (que estão isolados). Deu para entender Araújo ou é preciso soletrar? (Hoje diplomacia e economia são inseparáveis). O maior parceiro comercial da China são os EUA. Como somos idiotas, os do governo Bolsonaro, a ignorar a China e seus investimentos. Os EUA não! Só não querem o 5G chinês...!

Fora disso é governar mal e infantilmente com tiradas e barretadas ideológicas idiotas. Somente energúmenos governam com ideologia e sem pragmatismo. Vossa Excelência deve estar ciente que deve abrir oportunidades com os nossos quatro primeiros parceiros comerciais, pela ordem: China, EUA, Argentina e CEE. Agora, dê-se conta que se indispôs com os quatro, com grosserias! Vossa Excelência gostava mesmo era de abonar o Trump, o grosseirão, que tanto desmereceu os EUA, como jamais se viu. Que diferença dos Kennedy, de Rossevelt, de Obama e até mesmo dos Bush. Pior, tomou-nos respiradores enviados da China na marra sem que o Brasil protestasse.

Vai continuar nesse caminho insano, cada vez mais isolado? Não vai sequer projetar o Brasil na América Latina e na África? É o que nos resta, salvo uma atitude mais cooperativa com a Ásia onde o progresso ocorre, justamente a parte do mundo que mais cresce?