Valor econômico, v. 21, n. 5163, 08/01/2021. Mundo, p. A10

 

Isolado, Trump pode sofrer novo processo de impeachment

Andy Sullivan

Jonathan Landay

08/01/2021

 

 

Membros do governo renunciam em massa após invasão do Congresso estimulada pelo presidente Trump. E líderes democratas defendem afastamento do presidente
Os dois principais democratas do Congresso dos Estados Unidos pediram ontem a remoção do presidente Donald Trump do cargo, um dia depois de seus apoiadores terem invadido o prédio do Congresso, num ataque assustador à democracia americana.
Restando 13 dias para o fim do mandato presidencial, a presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, e o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, disseram que o vice-presidente Mike Pence e o gabinete ministerial deveriam invocar a 25ª Emenda da Constituição americana para removê-lo do poder antes desse prazo.

Caso isso não seja feito, disseram eles, o Congresso deveria se movimentar rapidamente para tirá-lo do poder por meio de um processo de impeachment. “Ontem [quarta-feira], o presidente dos EUA incitou uma insurreição armada contra a América”, disse Pelosi em uma entrevista coletiva, acrescentando que Trump representa um perigo para o país.

Membros do gabinete de Trump e aliados do presidente republicano discutiram a invocação da 25ª Emenda, que permite a destituição de um presidente considerado incapaz de exercer seus deveres e obrigações no cargo, disse uma fonte a par da situação. O vice-presidente Pence disse no final da tarde, porém, se opor a usar essa medida para o afastamento de Trump.

Na madrugada de ontem o Congresso certificou formalmente a vitória do presidente eleito, o democrata Joe Biden, nas eleições de novembro, horas depois de os parlamentares serem forçados a se esconder de centenas de agitadores que subjugaram a polícia e invadiram o prédio. Mais da metade dos republicanos da Câmara e oito senadores republicanos votaram pela contestação dos resultados das eleições, defendida por Trump.

O presidente enfrentou ontem um êxodo em sua equipe. Uma autoridade de primeiro escalão do governo, a secretário do Transporte, Elaine Chao, que é casada com o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, disse que iria renunciar ao cargo, citando como o motivo a violência.
Outros membros do governo, como o embaixador Mick Mulvaney, ex-chefe de Gabinete do presidente, e a porta-voz da primeira-dama, também renunciaram. Mais saídas são esperadas.

Biden culpou o presidente pela invasão, mas não chegou a pedir a sua saída. “Ele provocou um ataque geral contra as instituições de nossa democracia desde o começo. E ontem [quarta-feira] foi o ápice desse ataque contínuo”, disse Biden em uma entrevista coletiva.

O Facebook disse que vai bloquear postagens de Trump até a posse de Biden, em 20 de janeiro. O Twitter bloqueou, na quarta-feira, a conta de Trump por 12 horas.

Dezenas de democratas pediram ontem a destituição de Trump do cargo. Alguns republicanos, coo o governador de Maryland, Larry Hogan, e o deputado Adam Kinzinger também disseram que ele deveria sair. Kinzinger afirmou numa mensagem de vídeo que Trump está “fora da realidade”.

Mas, sem uma ação do gabinete presidencial, não se sabe se o Congresso terá tempo para iniciar um procedimento de impeachment antes do fim do mandato de Trump. Vários deputados democratas já começaram a esboçar o pedido formal de impeachment pelo papel desempenhado por Trump na incitação da “quarta-feira sem lei”.

A Câmara, que é controlada pelos democratas, abriu um processo de impeachment contra Trump em dezembro de 2019, depois que ele pressionou a Ucrânia a investigar Biden. Mas em fevereiro de 2020 o Senado, sob comando dos republicanos, votou por absolvê-lo das acusações de abuso de poder e de obstruir o Congresso.

Em comunicado no começo da manhã, Trump prometeu uma “transição ordeira” até a posse de Biden, reconhecendo pela primeira vez, ainda que indiretamente, a sua derrota. Mas continuou a alegar falsamente que teve sua vitória eleitoral roubada. Trump não condenou a violência ocorrida depois que ele encorajou seus apoiadores a marcharem até o Capitólio, apesar dos apelos de membros importantes de seu governo.
“Imploro ao presidente e a todas as autoridades eleitas que condenem veementemente a violência que ocorreu ontem”, disse o secretário interino de Segurança Interna, Chad Wolf. Segundo fontes, Trump tem se isolado cada vez mais na Casa Branca, onde conta com um pequeno grupo de assessores fiéis obstinados e ataca Pence e outros que o contrariam.

Ele também disse a assessores que avalia a possibilidade de se conceder um perdão presidencial, segundo noticiou ontem o “The New York Times”. Especialistas disseram que não está claro se o poder de perdão presidencial pode ser usado dessa forma. Trump pode enfrentar processos judiciais estaduais quando deixar o cargo, entre eles uma investigação criminal em Nova York, que não seriam cobertos por um perdão federal.

O ataque ao Capitólio foi o ponto culminante de meses de uma crescente retórica desagregadora de Trump e seus aliados em torno da eleição de 3 de novembro, em que o presidente repetidamente deu declarações falsas de que a votação foi “fraudada”.

O prédio foi invadido durante a sessão conjunta do Congresso que iria certificar a vitória de Biden. Agentes de segurança fizeram uma barricada com móveis contra a porta do plenário e sacaram suas armas antes de ajudar os parlamentares e outras pessoas presentes a escapar.

Uma nova cerca foi instalada ao redor do Capitólio nesta quinta-feira, na preparação para a posse de Biden. Autoridades eleitorais dos dois partidos e observadores independentes têm dito que não houve fraude significativa na eleição. Biden recebeu 7 milhões de votos a mais do que Trump na votação popular nacional.

Em outro revés para Trump, na quarta-feira os democratas arrebataram as duas vagas do Senado dos EUA que estavam em disputa nas eleições de segundo turno na Geórgia, o que dá ao partido o controle da Casa e reforça as perspectivas da agenda legislativa de Biden.

______________________________________________________________________________________________________________________

Possibilidade de afastar Trump existe, mas tempo é curto para o processo

Lucas de Vitta

08/01/2021

 

 

Presidente pode ser afastado a pedido do Gabinete de governo ou por meio de um novo processo de impeachment, mais rápido. Ainda assim, há pouco tempo.
Diversos setores da sociedade civil e da política dos EUA passaram a pressionar pelo afastamento do presidente Donald Trump antes da conclusão de seu mandato por ter incentivado a invasão do Congresso para impedir a confirmação da vitória eleitoral de Joe Biden.

Trump pode ser afastado do cargo antes da posse de Biden, em 20 de janeiro, de duas formas: impeachment, que pode demorar mais que os dias que lhe restam na Casa Branca, ou com a invocação da 25ª emenda da Constituição.
As regras constitucionais dos EUA preveem que um presidente pode ser afastado do cargo caso seja considerado incapaz de continuar no poder por seu vice-presidente e pela maioria dos membros do gabinete de governo. Trump poderia contestar a invocação da 25ª emenda em uma carta ao Congresso. A remoção permanente, então, precisaria da aprovação de dois terços do Legislativo - 67 senadores e 290 deputados.

A saída de Trump por meio da 25ª Emenda está sendo discutida por pessoas do alto escalão da Casa Branca, segundo o jornal “The Washington Post”. Vários funcionários do governo, entre eles Mick Mulvaney, enviado especial para Irlanda do Norte e ex-chefe de gabinete do presidente, renunciaram aos cargos após as cenas de violência de ontem. Outros avaliam fazer o mesmo nos próximos dias.

Trump publicou na madrugada, após a confirmação da vitória de Biden, um comunicado dizendo que garantiria uma transição ordenada do poder, mas voltou a repetir as alegações falsas de fraude eleitoral. A imprensa americana diz que a nota foi uma tentativa do presidente de encerrar as discussões internas sobre sua remoção do cargo.

No entanto, o “Post” afirma que muitos temem que novas ações do presidente possam incitar mais episódios de violência até a posse do democrata. Em vídeo para pedir que os protestos fossem encerrados, em vez de condenar a violência, Trump disse que “ama” os manifestantes, chamando-os de pessoas “muito especiais”.
Vários veículos de mídia do país, como o próprio “WP” e o “The New York Times", pediram que Trump seja afastado do cargo. O jornal britânico “Financial Times” afirma que o presidente americano deve ser responsabilizado por incitar a violência no Congresso ontem, citando a possibilidade de remoção. Vários democratas pediram, em carta enviada ao vice-presidente, Mike Pence, que ele recorra à 25ª emenda para tirar seu colega do poder. A pressão também vem de diferentes líderes empresariais.

Os republicanos ainda não endossaram abertamente os pedidos para que Trump seja afastado do poder o mais rapidamente possível, mas, nos bastidores, muitos concordam com a remoção do presidente da Casa Branca.

“Ele deveria sofrer impeachment e ser removido”,disse um parlamentar republicano à rede CNN, pedindo para que não fosse identificado. Um ex-funcionário do governo expressou opinião similar. “Eu acho que isso foi um grande choque para o sistema. Como mantê-lo no cargo por duas semanas depois disso?”, questionou.

Um dos mais incisivos em condenar Trump entre os republicanos foi o senador Mitt Romney, de Utah, que já havia votado em favor do impeachment de seu colega de partido por pressionar a Ucrânia a investigar Biden. Ele chamou a ação dos manifestantes de “insurreição incitada pelo presidente”.

Ex-candidato à presidência, Romney não se posicionou sobre a ideia de afastar Trump por meio de um novo processo de impeachment, mas acha que há pouco tempo para o Congresso votar.

A deputada republicana Liz Cheney, filha do ex-vice-presidente Dick Cheney, também usou termos duro para criticar Trump. “Não há dúvida de que o presidente formou a multidão. O presidente incitou a multidão”, disse ela.