Valor econômico, v. 21, n. 5163, 08/01/2021. Política, p. A9

 

Bolsonaro e Araújo questionam processo eleitoral nos EUA

Cristiano Zaia

Fabio Murakawa

08/01/2021

 

 

Governo e diplomacia brasileira endossam tese de fraude eleitoral para apoiar Trump
O presidente Jair Bolsonaro voltou a insinuar ontem que houve fraudes nas eleições presidenciais dos Estados Unidos e defendeu o voto impresso em 2022 no Brasil, com tom de ameaça, um dia após a invasão do Capitólio, em Washington, por apoiadores de Donald Trump.

Caso a mudança no sistema eleitoral não ocorra, afirmou, o Brasil terá “um problema maior que os Estados Unidos”. “Se nós não tivermos voto impresso em 2022, uma maneira de auditar voto, vamos ter um problema pior que os Estados Unidos”, disse Bolsonaro a apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.
Na visão de Bolsonaro, a causa da crise americana é “basicamente a falta de confiança no voto”. “Então, lá, o pessoal votou e potencializaram o voto pelos correios por causa da tal da pandemia, e houve gente lá que votou três, quatro vezes, mortos que votaram. Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí”, disse.

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso reagiu às informações infundadas do presidente (veja abaixo).

O apoio a Trump por parte do governo brasileiro não se resumiu a Bolsonaro. O chanceler Ernesto Araújo disse em sua conta no Twitter que grande parte do povo americano “se sente agredida e traída por sua classe política e desconfia do processo eleitoral” que levou à vitória do democrata Joe Biden, em novembro. Araújo foi além e chamou os manifestantes que invadiram anteontem o Congresso dos Estados Unidos de “cidadãos de bem”, embora tenha ressaltado que “nada justifica uma invasão como a ocorrida ontem”.
A invasão, promovida por manifestantes favoráveis a Trump, terminou com quatro mortos. Estimulados pelo presidente derrotado na disputa eleitoral, os apoiadores de Trump tentavam impedir e conseguiram paralisar por horas a sessão em que os parlamentares referendaram a vitória de Joe Biden nas urnas. Biden, que assume a Presidência no próximo dia 20 de janeiro, classificou a invasão como um ataque sem precedente à democracia dos EUA e que “beira à sedição”.

Em uma série de tuítes, Araújo justificou o ato dos manifestantes, colocando em dúvida a lisura do processo eleitoral americano, mesmo que sem endossar o ato. “Há que se lamentar e condenar a invasão da sede do Congresso ocorrida nos EUA. Há que investigar se houve participação de elementos infiltrados na invasão. Há que deplorar e investigar a morte de quatro pessoas, incluindo uma manifestante atingida por um tiro dentro do Congresso”, disse Araújo. Porém, acrescentou em seguida o chanceler: “Há que reconhecer que grande parte do povo americano se sente agredida e traída por sua classe política e desconfia do processo eleitoral”.

O processo eleitoral é distinto da democracia, pregou. “Duvidar da idoneidade de um processo eleitoral não significa rejeitar a democracia”, prosseguiu o ministro das Relações Exteriores do Brasil. “Uma democracia saudável requer, como condição essencial, a confiança da população na idoneidade do processo eleitoral.”

O chanceler disse ainda que os apoiadores de Trump não podem ser chamados de fascistas. “Há que parar de chamar ‘fascistas’ a cidadãos de bem quando se manifestam contra elementos do sistema político ou integrantes das instituições.”

As manifestações de rua não podem ser deslegitimadas, segundo o chanceler brasileiro. Tal atitude, atestou, “só serve para manter estruturas de poder não democráticas e seus circuitos de interesse”. Numa retórica defensiva, preocupado em não endossar os atos violentos dos manifestantes, Araújo disse que é preciso questionar por que razão a crítica ao Executivo é considerada normal, “mas a crítica a integrantes do Legislativo ou do Judiciário é enquadrada como atentado contra a democracia”.