O globo, n.31899, 07/12/2020. Mundo, p. 24

 

Apatia popular

07/12/2020

 

 

As eleições para a Assembleia Nacional venezuelana deste domingo foram marcadas pelo baixo comparecimento, reflexo da apatia popular com o cenário político do país. Boicotado pelos principais partidos de oposição, o pleito deve dar aos aliados do presidente Nicolás Maduro o controle do órgão Legislativo e enfraquecer ainda mais a oposição liderada pelo deputado Juan Guaidó, tido por quase 60 países, entre eles o Brasil, como governante interino da Venezuela.

Durante todo o horário de votação, a maioria das seções eleitorais por todo o país se encontrava vazia ou com poucos eleitores, inclusive em redutos tradicionalmente chavistas. Mesmo as filas pontualmente registradas eram menores que as vistas nas últimas eleições.

Segundo a Reuters, no leste de Caracas, reduto da oposição, a espera nos postos de gasolina era maior do que para votar — apesar de rico em petróleo, as sanções ao regime ch avista impulsionamo colapso da indústria petroleira venezuelana.

A abstenção prevista, segundo o instituto Datanálisis, era de 70%. O Observatório contra a Fraude, órgão formado por deputados de oposição, foi além e projetou que o comparecimento até o meio da tarde era de 16,1%, mas os números oficiais ainda não foram divulgados pelo governo.

Com o boicote de partidos e dirigentes da atual Assembleia Nacional, entre eles Guaidó, não há muitas dúvidas de que o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Maduro, elegerá a maior parte dos 277 novos deputados. Eles, assimcomo boa parte de seus aliados internacionais, encabeçados pelos Estados Unidos e pela União Europeia, alegam que não há salvaguardas suficientes da lisura do pleito.

SEM RECONHECIMENTO

Neste ano, por exemplo, a SupremaCorte nomeou um anova comissão eleitoral sema participação do Legislativo, controlado pelos opositores. O tribunal também removeu a chefia de três partidos críticos ao regime, nomeando novos líderes supostamente vinculados a Maduro. Legendas contrárias, por sua vez, foram consideradas inelegíveis.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, classificou a votação como uma “fraude” que “não reflete a vontade do povo venezuelano”. A União Europeia, por sua vez, disse não ter encontrado condições para enviar observadores. Diversos países latino-americanos, entre eles o Chile e a Organização dos Estados Americanos, já alertaram de antemão que não vão reconhecer o novo Legislativo, que tomará posse dia 5 de janeiro, quando expira o mandato atual.

— Qual foi o pior que essa Assembleia Nacional fez pelo país? Foi a traição à pátria, pedir sanções contra a economia de to doum povo, o quenos levou às itu ação dolorosa e difícil que estamos enfrentando — disse Maduro, que fez campanha para candidatos do PSUV, como sua mulher e seu filho.

DILEMA

O resultado do pleito significa que, a partir do ano que vem, a Venezuela terá uma Assembleia Nacional chefiada por chavistas e outra liderada por Guaidó e reconhecida pelo rol de países aliados, encabeçado pelos Estados Unidos e pela UE. A eleição, contudo, enterrará a Assembleia paralela controlada por dirigentes opositores que, no fim de 2019, firmaram um suspeito pacto com o governo de Maduro para tirar Guaidó da liderança do Parlamento.

— Nós não vamos nos render. A Assembleia Nacional continuará em funcionamento até que tenhamos eleições presidenciais livres — disse Guaidó, após o encerramento das urnas.

Na prática, o líder opositor perderá a chefiado Legislativo, cargo a partir do qual se autoproclamou presidente interino da Venezuela. Sem aposição, per departe da influência que ainda lhe resta, criando um dilema para os países que apoiaram, há menos de dois anos, seus clamores à Presidência diante das alegações de fraude no sufrágio que reelegeu Maduro.

Nações e organizações aliadas de Guaidó esperavam uma rebelião militar que nunca aconteceu. O presidente chavista, cuja influência será expandida pelo pleito de ontem, permanece firme no Palácio de Miraflores, com apoio das Forças Armadas. Sem que a alta cúpula militar mude de posição, especialistas apontam que mudanças mais profundas são improváveis.

O regime tem ainda o apoio de alguns governos estrangeiros, como Rússia, Cuba, Irã e Turquia. Vários destes países enviaram observadores internacionaispara a eleição, ques e juntaram a aliados regionais, como os ex-presidentes Evo Morales, da Bolívia; Rafael Correa, do Equador; e Fernando Lugo, do Paraguai.

—Essas eleições vão fortalecera democracia na América Latina —disse Morales.

A oposição, por sua vez, realizará a partir de hoje uma consulta popular virtual sobre o desejo dos venezuelanos de mudar o governo e convocar novas eleições, esperando dar legitimidade a Guaidó. Não está claro como o processo funcionará, já que a Venezuela tem uma das conectividades mais baixas do continente.

Nem governo nem oposição são populares entre o povo venezuelano, cuja prioridade é sobreviver em uma economia dolarizada e hiperinflacionária. Em recente pesquisa do Instituto Datanálisis, a gestão de Guaidó tem 67,4% de imagem negativa e ade Maduro ,81,8%.

No leste de Caracas, a espera nos postos de gasolina era maior do que para votar