O globo, n.31899, 07/12/2020. Economia, p. 19

 

Sinal de alerta

Cássia Almeida 

Carolina Nalin 

07/12/2020

 

 

Mesmo coma recessão deste ano e uma recuperação lenta da economia, a inflação no Brasil corre o risco de, em 2021, ultrapassar o centro da meta pelo terceiro ano segui does e tornar mais um obstáculo para a retomada do crescimento. Reajustes represados por causa da pandemia devem pesar no bolso e freara retomadado consumo no início do ano. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para a metade inflação (3,75% em 2021), deves e manter em boa parte de 2021 acima de 5% ao ano, estimam economistas. Com alto desemprego e renda em queda, a inflação reduz ainda mais o poder de compra das famílias.

—Não dá para dizer que está tranquilo e que não tem preocupação com inflação. Não estamos vendo arrefecer o preço das commodities agrícolas( como soja e milho) coma retomada da China, que deve crescer 8% no anoque vem. Os preços dos alimentos talvez subam menos (em 2021), mas será uma pressão em cima de uma alta de 16% este ano — diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

O centro da metade inflação foi definido em 3,75% em 2021, podendo chegara até 5,25% no intervalo de tolerância. Vale projeta o IPCA fechando entre 3,5% e 3,8% em 2021, com maior pressão sobre os preços no início do ano. Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco, prevê que o índice ficará acima de 5,5% ao ano no primeiro semestre:

— A trajetória não é tranquila. Vamos passar boa parte do próximo ano acima do teto da meta, com o pico de 5,7% no acumulado em 12 meses entre abril e maio.

A economista, no entanto, está otimista. Ela prevê pressão inflacionária menor no segundo semestre, com IPCA fechando o ano em 3,1% em 2021. Ela calcula que abandeira verme lhanas contas de luz que vigora a partir deste mês, aumentando tarifas para compensar o custode geração elevado pelos baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, antecipa um impacto que só era esperado em 2021. Em maio, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) havia fixado abandeira verde até dezembro, masa cabouco mo represamento em novembro.

Os reajustes de preços controlados pelo governo, como os de medicamentos e de planos de saúde, adiados este ano por causa da pandemia, vão pesar na inflação de 2021. Juntas, as despesas levam 7,5% do orçamento doméstico. O Itaú prevê que os planos de saúde vão subir 12,4%. Os remédios, 5%. O transporte público é outro item que deve subir 5% em 2021, pelas previsões.

—Serão reajustes de magnitude maior, dado que serão dois anos de correção. Deve haver também recomposição de preços industriais e de serviços, que ficaram muito baixos por muito tempo — diz a economista Maria Andrei a Parente, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

PREÇO ALTO, MENOS GASTO

O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC e especialista em inflação, vê uma desaceleração do IPCA só no segundo semestre. Mas ele espera inflação perto de 4% em 2021, acima do centro da meta. Ele chama a atenção para uma composição diferente nessa inflação em relação ao que se via historicamente:

—Foi um primeiro semestre (de 2020) totalmente atípico, com deflação, quando tudo estava fechado. E depois houve uma pressão acima do normal nos preços de alimentos, eletrodomésticos e material de construção. Em dez anos, nunca vimo sessa composição.

A recente alta dos preços de alimentos, combustíveis, gás de botijão e energia já está fazendo o casal Danielle Magalhães de Lima, de 39 anos, e Márcio Abreu e Silva, de 44, consumir menos. Pais de três filhos, eles são donos de um bufê de pizzas. Além da queda de 40% no faturamento, sentem que os custos estão subindo, reduzindo seus ganhos. O orçamento da família apertou.

— Temos gastado o dobro para comprar os mesmos produtos. Laticínios estão muito caros, e carne também está com preço surreal. Chegou uma hora que não tivemos como não repassares se aumento — conta Danielle, que notou altanas contas de água, luze gás e teve que parcelara fatura do cartão de crédito.— Estamos conseguindo aos trancos e barrancos, mas não damos conta de tudo. Não deixamos de pagar o financiamento da casa porque os juros são altos, mas atrasamos amensalidade escolar da minha filha mais velha por quatro meses.

Sem perspectiva de redução nos preços dos itens básicos, a empreendedora já sabe que o consumo da família vai ser menor no ano que vem:

— Cortamos um ponto da TV por assinatura, mas vou tentar renegociar porque continua muito caro. O plano de saúde aumentou, e aqui em casa só meus filhos têm.

Para o economista Sergio Vale, será um desafio manter a inflação baixa nos próximos anos. Mesmo após dois de recessão (2015 e 2016), coma recuperação ainda por se concretizar e uma pandemia, o IPCA não ficou muito o abaixo de 4% no fim de cada um.

—Recessão ecrise eram para jogara inflação par abaixo. Aqui, não vai abaixo de 4%.

JUROS DEVEM SUBIR

Por causa dessas pressões adicionais em 2021, o mercado já espera que a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 2% ao ano, suba para 3% até o fim do ano. Vale prevê que, em junho, os juros já estejam em 2,5%, alcançando 3,5% no fim de 2021. Já o Itaú vê essa subida a partir de outubro, chegandoa 3% no fim do ano. Mesmo assim, os juros devem continuar abaixo da inflação, ainda estimulando a economia.

Parente não vê a inflação como um problema em 2021 e prevê que o IPC Afique no centro da meta, mas alerta que há pouca margem para choques:

— Tudo está muito condicionado a uma série de fatores. Não estamos esperando desvalorizações cambiais. Espera mosque o governo dês e quência às reformas, com austeridade fiscal. É um cenário que tem pouca margem para absorver algum choque.

Aquestãof isca lé um dos focoda alta da inflação. Coma dívida pública caminhando para 100% do Produto Interno Bruto( PIB ), o temor sobre o equilíbrio fiscal foi um dos motivos da alta do dólar este ano, que afeta uma série de preços.

— Fatores políticos e incerteza fiscal geraram muita pressão este ano —afirma Cunha.

Há ainda a desorganização industrial, com falta de insumo generalizada reduzindo a oferta e dólar mais alto encarecendo a produção, alerta Vale:

—Os repasses não serão pequenos. A demanda está fraca, as empresas já fizeram todo o ajuste de custo possível. Ou demitem mais ou têm de repassaruma parte para o consumidor.