Valor econômico, v. 21, n. 5163, 08/01/2021. Brasil, p. A3

 

Coronavac tem eficácia de 78% contra covid, diz governo de SP

Leila Douza Lima

Cristiane Agostine

08/01/2021

 

 

Butantan afirma que vacina mostrou-se totalmente eficaz para prevenir casos graves e moderados
O governo de São Paulo e o Instituto Butantan anunciaram ontem que a Coronavac tem eficácia de 78% em testes feitos no Brasil. A vacina contra a covid-19, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Butantan, mostrou-se totalmente eficaz na prevenção de casos graves e moderados da doença e de internações, segundo o instituto. O pedido para uso emergencial do imunizante deve ser feito até hoje à Anvisa, e o início da vacinação no Estado está previsto para o dia 25, de acordo com o governo.

De cada cem pessoas que receberam a Coronavac no Brasil, 78% ficaram protegidas contra a covid-19 e 22% tiveram sintomas leves da doença. A taxa mínima de eficácia recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para uma vacina é de 50%. Nenhum dos voluntários morreu, desenvolveu formas graves de covid-19 ou precisou ser hospitalizado, de acordo com a gestão estadual. O resultado foi bem visto por diversos especialistas, que aguardam o detalhamento dos estudos sobre o imunizante, não divulgados até ontem.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que fornecerá a vacina para o país, por meio do Ministério da Saúde. “A vacina do Butantan é a vacina de São Paulo e do Brasil”, disse. “É um momento histórico, que nos orgulha.”

Doria comemorou o resultado e disse que a vacina salvará a vida de milhões de brasileiros. “Pessoas imunizadas terão entre 78% a 100% menos possibilidade de desenvolverem a covid-19 do que quem não receber”, afirmou, em coletiva. Ontem, o país superou 200 mil mortes por covid-19 e 7,9 milhões de casos.

São Paulo tem 10,8 milhões de doses do imunizante e aguarda a chegada de outras 35 milhões de doses até a primeira quinzena de fevereiro, segundo o secretário estadual de saúde, Jean Gorinchteyn.

Os testes clínicos no país foram realizados em 12.476 voluntários, todos profissionais da área de saúde, em 16 centros de pesquisa localizados em oito Estados. O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse que do total de voluntários, pouco mais de 200 tiveram covid-19: cerca de 160 entre aqueles que receberam placebo e o restante entre os que foram vacinados.

Covas não deu números exatos sobre os contaminados, não divulgou o intervalo de confiança nem deu outros detalhes do estudo, durante a entrevista ontem. O presidente do Butantan disse que o relatório com todos os dados será disponibilizado e que o detalhamento estará “na documentação técnica que acompanha tanto o pedido [à Anvisa] quanto algumas publicações científicas”. “Não vou descer a esses detalhes na coletiva”, disse.

Em contrapartida, Covas ressaltou a eficácia da Coronavac. “A vacina protegeu 100% [dos voluntários] de casos graves. Protegeu também 100% contra casos moderados. Isso é um ponto importantíssimo”, afirmou. “Com a vacina, a pessoa pode até se infectar, mas a doença não progride, não fica mais grave”, disse. “A vacina do Butantan é eficaz e é a única disponível até hoje no Brasil.”

O governo ressaltou que serão usadas duas doses da vacina em São Paulo. O intervalo entre a aplicação das doses, no entanto, poderá ser ampliado, de 21 dias, como era a previsão inicial, para 28. Segundo Covas, o intervalo pode variar entre 7 e 28 dias. Com isso, mais pessoas poderiam tomar mais rapidamente a primeira dose.
O governador disse que há interesse da Argentina em comprar a vacina. O processo está em fase contratual, mas a compra ainda não foi fechada. Há interesse do Peru, Bolívia, Honduras e Equador.

Ao divulgar a eficácia da Coronavac, Doria procurar mostrar o protagonismo de sua gestão para viabilizar a vacina. Sem citar o presidente Jair Bolsonaro, o tucano cobrou postura isenta da Anvisa e disse que não pode ser contaminada por pressões ideológicas ou políticas.

O anúncio, no entanto, foi marcado por controvérsias com a Anvisa. Covas disse ter se reunido na quarta-feira e ontem pela manhã com representantes da agência para pedir o uso emergencial da vacina. No início da coletiva, a Anvisa divulgou uma nota falando que não havia recebido o pedido do Butantan. Na coletiva, Covas disse que já havia iniciado o rito para pedir a autorização da Anvisa, mas que esse processo só terminaria depois de outra reunião marcada para ontem. O presidente do Butantan afirmou ainda que esse “rito” poderia terminar hoje. No entanto, não polemizou com a Anvisa ou o Ministério da Saúde.

O presidente do Butantan afirmou que pedirá, por enquanto, apenas permissão para o uso emergencial da vacina e não o registro, que deverá ficar a cargo da Sinovac. “A Sinovac é a proprietária da vacina. Não há como o Butantan iniciar o processo de registro da vacina sem a participação da Sinovac.”

A notícia sobre a eficácia da Coronavac foi elogiada por especialistas. “Primeiramente temos que comemorar uma vacina comprovada como segura, produzida no Brasil pelo Instituto Butantan. A instituição tem mais de 100 anos de experiência e fornece grande parte dos imunizantes do calendário vacinal nacional”, disse o médico sanitarista Adriano Massuda, professor da FGV-SP. Segundo Massuda, a questão do gradiente de eficácia e os detalhes do estudo não são aspectos menos relevantes, mas ter uma vacina segura é a grande notícia do momento. “O mais importante agora é evitar polêmicas, organizar a vacinação e convencer as pessoas de que é importante se imunizar”, afirmou.
Para Eliseu Alves Waldman, professor do Departamento de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública da USP, 78% de eficácia já é razoável. “É um bom desempenho, um passo importante”, ponderou. “Os detalhes do estudo e a metodologia obviamente estão disponíveis para a Anvisa e vão ser divulgados dentro do rigor científico em alguma publicação especializada”, afirmou. O médico observou que o Butantan usa tecnologia comprovadamente segura.

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Fabricantes adiam pedido para uso emergencial

Murillo Camarotto

08/01/2021

 

 

Agência aguarda para hoje entrada dos requerimentos dos desenvolvedores de imunizantes
Apesar do anúncio feito pelo governador de São Paulo, João Dória (PSDB), nenhum pedido de uso emergencial da Coronavac foi submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A solicitação precisa ser formalizada para que o órgão autorize o início da vacinação.

O Instituto Butantan - parceiro do laboratório chinês Sinovac no desenvolvimento da vacina - teve duas reuniões na Anvisa, nas quais apresentou os dados de segurança e eficácia da Coronavac. Segundo apurou o Valor, surgiram algumas dúvidas relacionadas aos critérios para o cálculo dos números, que ficaram de ser detalhadas em um segundo encontro, na parte da tarde, quando seria feito o pedido. Mas isso acabou não acontecendo.
Em nota, a Anvisa informou apenas que a decisão de não encaminhar o pedido de uso emergencial partiu do próprio Butantan, que deve fazê-lo hoje. A partir daí, a agência reguladora tem até dez dias para se manifestar.

Também é esperado para hoje o pedido de autorização para o uso emergencial da vacina da farmacêutica AstraZeneca, que tem como parcera a Fiocruz. Representantes da Fiocruz se reuniram ontem com técnicos da Anvisa e havia a expectativa de que o pedido fosse apresentado.

Faltaram, no entanto, alguns requisitos técnicos para formalizar o pedido, que deve ser feito por meio do sistema da Anvisa. A Fiocruz teria se comprometido a regularizar tudo até hoje.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse ontem que a agência está empenhada com a celeridade do processo de análise das vacinas, mas que essa é uma etapa que deve ser respeitada. “Nossa proteção é nossa agência reguladora, não podemos abrir mão disso.”

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Bolsonaro diz que não vai dificultar venda de vacinas por clínica privada

Fabio Murakawa

08/01/2021

 

 

Ministro da Saúde afirma que prioridade continuará a ser o Sistema Único de Saúde
O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que não vai criar dificuldades para que clínicas privadas importem vacinas contra o coronavírus. Ele fez a afirmação em sua live semanal nas redes sociais, ao lado do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que ponderou que a prioridade é o abastecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Eles podem conseguir por outros meios essa vacina [...]. Eu não vejo problema nenhum nisso aí”, disse. “Então a gente não vai criar problema no tocante a isso daí. Quem quiser... Se uma empresa quiser comprar lá fora a vacina e vender aqui, quem tiver recursos vai tomar vacina lá. Agora, nós vamos oferecer de forma universal, e da nossa parte não obrigatória.”
Pazuello, por sua vez, ponderou que essas vacinas precisam ter a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realçando a prioridade ao SUS. Entretento, segundo ele, “a grande capacidade de compra” do SUS “será do que é fabricado no Brasil”. Era uma referência principalmente às vacinas produzidas pelas parcerias entre a Fundação Oswaldo Cruz e a AstraZeneca e entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac.

“Uma vez atendida essa demanda, já o SUS sendo atendido, sim, claro que não há [problema], e deve ser comprada também pela iniciativa privada. E principalmente importadas, das fábricas importadas”, disse. “Laboratórios estrangeiros que vendem a vacina e que registrem no Brasil, e que tenham a autorização dada pela Anvisa, garantam a sua eficácia e segurança, por que não possam comprar também dos importados, dos laboratórios internacionais? Eu acho que devem comprar.”
Segundo ele, é preciso ter “muita capacidade de suprir o SUS e deixar a nossa população completamente com as vacinas disponíveis o mais rápido possível”.

Na transmissão, Pazuello disse que pretende vacinar “todo o público alvo” contra o coronavírus em até um ano e quatro meses. Mas não esclareceu o que seria esse “público alvo”.

“Nossa previsão é que em 12 meses, todo o público alvo esteja vacinado no Brasil, com uma margem de mais quatro meses.”

O Ministério da Saúde estabeleceu quatro grupos prioritários para a vacinação. O plano do governo começará com pessoas acima de 75 anos ou idosos acima de 60 anos que vivam em asilos ou instituições psiquiátricas. A segunda fase prevê imunização de pessoas entre 60 e 74 anos e a terceira, pessoas com comorbidades. Outros prioritários são professores, trabalhadores de serviços essenciais, presidiários, indígenas, quilombolas e pessoas em situação de rua.

Na live, Bolsonaro disse lamentar a marca de 200 mil mortes pelo coronavírus, atingida ontem pelo Brasil. “A gente lamenta hoje que estamos batendo as 200 mil mortes. Muitas dessas mortes com covid, outras de covid. Não temos uma linha de corte no tocante a isso aí. Mas a vida continua. A gente lamenta profundamente.”

Bolsonaro disse ainda que manterá o feriado do Carnaval.

“Esse feriado é uma lei federal. Então, a ideia nossa é logicamente não criar nenhum óbice e manter o feriado”, disse. “Agora se o cara vai pular ou não o carnaval, se vai ter carnaval ou não é outra história. E nós pretendemos manter porque é um carnaval religioso, é isso mesmo? Segunda e terça é feriado. Nós vamos manter e cada um é responsável pelos seus atos.”

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Sem produção local, não tem imunizante, afirma Pazuello

Murillo Camarotto

Fabio Murakawa

08/01/2021

 

 

Ministro traça cenário preocupante e diz que negociação para importar vacina é muito difícil
Em um discurso de mais de uma hora, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, descreveu ontem um cenário preocupante para o desenvolvimento da vacinação contra a covid-19 no país. Ele alertou que somente a produção local de vacinas vai possibilitar o atendimento de toda a demanda nacional e que as negociações para a importação do imunizante, além de difíceis, não mostram uma capacidade de entrega condizente com o porte do Brasil.

Ao tratar das vacinas nacionais, Pazuello informou a existência de um acordo para a compra de 100 milhões de doses da Coronavac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e que será produzida internamente pelo Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo.
“É isso aí, pessoal: ou fabrica no Brasil ou não tem vacina”, disse o ministro em entrevista coletiva de sua equipe. Além das 100 milhões de doses da Coronavac, o Ministério da Saúde conta com a fabricação local de outras 210 milhões de doses da vacina da AstraZeneca, desenvolvida em uma parceria com a Fiocruz e com a Universidade de Oxford.

O início da vacinação, entretanto, vai depender de doses importadas. Pazuello afirmou que, no cenário mais otimista, a imunização começaria até o próximo dia 20, mas essa data pode ser empurrada para o início de março em um quadro mais negativo.

A fala do ministro teve momentos de bastante irritação, especialmente quando o assunto era a posição do Brasil na corrida mundial da vacinação. Pazuello minimizou as campanhas em andamento no mundo e disse que apenas “algumas milhares de pessoas” foram imunizadas até o momento. Israel, por exemplo, já vacinou 15% de sua população.

Ao explicar o acordo para a compra das doses da Coronavac, Pazuello disse que o negócio só pode ser fechado agora, com base na medida provisória editada ontem pelo governo para facilitar a aquisição de vacinas e insumos. Segundo ele, estão previstas no contrato 46 milhões de doses até abril e outras 54 milhões de doses ao longo do ano de 2021.
O Butantan informou que só o primeiro lote está contratado, ficando o restante como opção.

“Só podia fechar o contrato com o Butantan com a medida provisória”, disse o ministro, que chegou a ser repreendido publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro na primeira vez que anunciou a intenção de comprar a vacina. Segundo ele, as doses serão entregues ao ministério e distribuídas aos Estados “de forma equânime e proporcional”.

Outra possibilidade de produção nacional é uma parceria com a União Química, que fabricaria em suas unidades a vacina russa Sputnik. Pazuello confirmou ontem que o acordo está em negociação e pode representar uma capacidade extra para o país.
Entre as vacinas que poderiam ser importadas, o ministro deu maior ênfase ao imunizante da farmacêutica americana Pfizer, o primeiro a ser aplicado no mundo. Segundo ele, as negociações estão difíceis, por conta das exigências da empresa e da baixa capacidade de entrega ao país.

“Queremos que a Pfizer nos dê o tratamento compatível com o nosso país. Que ela amenize essas cláusulas. Nós não podemos vacinar dessa forma”, afirmou o ministro, antes de dizer que as negociações continuam. Pazuello também garantiu que o governo vai comprar doses da vacina da Jansen, mas que a empresa só pode entregar as primeiras 3 milhões de doses a partir de maio.

“Se não for fabricado no Brasil, as quantidades sempre serão ínfimas se comparadas à demanda”, afirmou o ministro.

Pazuello também demonstrou irritação ao falar da oferta de seringas. Recentemente, o governo suspendeu uma licitação para a compra do produto, alegando que os preços estariam fora da normalidade. O ministro garantiu que a contratação será retomada e que não faltará seringa.
Também ontem, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu cinco dias de prazo para que Pazuello preste informações sobre o estoque de insumos necessários à vacinação contra a covid-19.