O globo, n.31895, 03/12/2020. País, p. 11

 

Esquerda perde força em bairros mais pobres

Dimitrius Dantas 

03/12/2020

 

 

Quatro anos depois de resultados já discretos nas eleições municipais de 2016, a esquerda continua com dificuldade para voltar a atrair os eleitores mais pobres. Segundo análise feita pelo GLOBO com base no desempenho nas periferias de São Paulo, Rio, Porto Alegre e Fortaleza, candidatos do campo progressista seguem perdendo espaço nessas regiões, seguindo a lógica dos últimos ciclos eleitorais.

O principal exemplo dessa alteração é São Paulo. A última vitória da esquerda na cidade foi em 2012, quando Fernando Haddad foi eleito prefeito pelo PT. Na última segunda-feira, Guilherme Boulos comemorou o desempenho da esquerda nos bairros pobres.

Boulos, de fato, venceu em algumas regiões periféricas, fincando algumas bases para seu futuro eleitoral na cidade. Na comparação com 2012, no entanto, a performance foi inferior àquela a que a esquerda estava acostumada na cidade. Por outro lado, o candidato do PSOL teve um desempenho melhor do que Haddad em 2012 em bairros ricos e centrais, como Pinheiros e Perdizes.

A queda no número de votos veio, majoritariamente, da periferia. Em Parelheiros, no extremo sul da capital, por exemplo, Fernando Haddad teve 80% dos votos em 2012. No último domingo, Boulos venceu no bairro, mas por uma margem bem menor: recebeu 50,35% dos votos válidos.

— Nós vemos coletivos de juventude que buscam reconstruir uma vinculação ideológica da esquerda com essas periferias das grandes cidades. Mas é fato que esse eleitorado foi se tornando mais disputável com o passar dos anos, abrindo a competitividade para o campo da direita — afirma cientista política Monalisa Soares, da Universidade Federal do Ceará.

Ao contrário do PT, no entanto, o PSOL conseguiu um feito, considerando que o partido nunca governou a cidade ou sequer tem um histórico de grandes personalidades no município.

A dificuldade de partidos como o PSOL em áreas pobres já é conhecida no Rio. Em 2012 e 2016, Marcelo Freixo disputou a prefeitura, mas sua força estava concentrada nas áreas mais ricas. Há quatro anos, venceu no segundo turno em 26 das 97 zonas eleitorais, todas na Zona Sul ou em bairros da Zona Norte próximos ao Centro.

Na eleição municipal mais recente, houve uma forte correlação entre a localização dos votos de Freixo com as votações, somadas, de Martha Rocha (PDT) e Benedita da Silva (PT). Por outro lado, as candidaturas alinhadas à esquerda sofreram na Zona Oeste. Em bairros como Cosmos, Paciência e Santa Cruz, Martha Rocha e Benedita, juntas, tiveram 15% dos votos válidos.

Mesmo em cidades onde a esquerda se sagrou vencedora, como Fortaleza, onde José Sarto (PDT) foi vitorioso, há sinais de diminuição da força dos progressistas na cidade. Segundo Monalisa Soares, isso ficou particularmente claro com o foco da campanha de Capitão Wagner (Pros), que teve o apoio do presidente Jair Bolsonaro, em atrair o eleitorado petista.

Em Fortaleza, das quatro zonas eleitorais onde a candidata do PT, Luizianne Lins, teve seu melhor desempenho no primeiro turno, Wagner venceu em duas. Segundo Monalisa Soares, esse é um eleitorado que hoje está em disputa, dada a diminuição da atuação do poder público e a ascensão de temas ligados à segurança pública e aos costumes.

QUEDA EM PORTO ALEGRE

Antigo reduto petista durante a década de 1990 e no início dos anos 2000, Porto Alegre é outra cidade em que a força da esquerda vem gradativamente caindo nas periferias. Mesmo tendo desempenho melhor do que outras candidaturas recentes de esquerda na capital gaúcha, Manuela D’Ávila (PCdoB) continuou perdendo votos em áreas menos favorecidas, como Lomba do Pinheiro.

No auge do petismo na cidade, em 2000, Tarso Genro teve 68% dos votos na região, hoje o último bastião de esquerda na capital gaúcha. Com o passar dos anos, a votação de candidatos de esquerda foi caindo. Em 2008, Maria do Rosário (PT) recebeu 52,29% no bairro. No último domingo, Manuela teve uma votação melhor do que Maria do Rosário em toda a capital, exceto exatamente nos bairros mais pobres. Em Lomba do Pinheiro, recebeu 51,02%.