Valor econômico, v. 21, n. 5159, 04/01/2021. Política, p. A9

 

Dívida com Centrão mina apoio de Temer a aliado na Câmara

Fabio Murakawa

Marcelo Ribeiro

04/01/2021

 

 

Ex-presidente é próximo de Baleia Rossi, mas ascendeu ao poder graças ao apoio do Centrão
O ex-presidente Michel Temer tem em Baleia Rossi (MDB-SP) um antigo aliado na disputa pela presidência da Câmara. Mas, segundo aliados, a dívida de gratidão com o Centrão o tem levado a manter uma postura discreta na disputa.
Apoiado pelo atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Baleia tem como antagonista o deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e cuja candidatura conta com o presidente Jair Bolsonaro como cabo eleitoral.
Temer reuniu-se com Rossi e Maia no dia 19, em São Paulo, quatro dias antes do lançamento da candidatura do emedebista. Segundo interlocutores, embora entusiasmado com a candidatura de Baleia, Temer teria dito no encontro que não poderia entrar de cabeça na campanha na disputa.
“Ele [Temer] tem uma relação muito boa com o Baleia, mas tem uma relação muito boa também com o ‘outro lado’”, disse um aliado. “O candidato do ‘outro lado’ [Lira] o ajudou muito no governo.”
Eleito vice-presidente na chapa Dilma Rousseff, em 2014, Temer ascendeu ao poder em grande parte graças às deserções do Centrão, que estava na base da petista. Foi também com os votos do bloco de partidos fisiológicos que o plenário a Câmara barrou a abertura de dois processos criminais contra ele, o que levaria ao seu afastamento se aprovado.

Nos últimos dias, fontes do Palácio do Planalto vêm informando ter recebido relatos de partidos do Centrão que afirmam ter recebido de Temer e interlocutores pedidos de voto em favor de Baleia. Reservadamente, no entanto, líderes de partidos e deputados alinhados com Lira negam ter sido contatados pelo ex-presidente.
Já integrantes do grupo de Baleia veem os rumores como uma “ofensiva coordenada” do Palácio do Planalto e de aliados de Lira para tentar desestabilizar a relação entre o emedebista e a bancada do PT na Câmara.
Ao longo das últimas semanas, parlamentares petistas manifestaram contrariedade em apoiar alguém tão próximo a Temer, visto como um traidor entre a militância do partido.
A expectativa é que os petistas embarquem na candidatura de Baleia ainda nesta semana. Os parlamentares conversarão hoje com Baleia, que é líder do MDB na Casa, e terão uma nova reunião da bancada para tentar definir como se posicionarão na disputa da Mesa Diretora da Câmara.
Ao Valor, petistas afirmaram que a relação entre Baleia e Temer não é novidade e, por isso, não deve atrapalhar a eventual iniciativa de o partido apoiar a candidatura do emedebista.
“Isso é fofoca de campanha e não estamos preocupados com isso. O importante é conseguirmos construir uma candidatura comprometida as propostas progressistas”, disse o líder do PT na Câmara, Ênio Verri (PR).
“A relação de Baleia com Temer já está contabilizada. Queremos apenas selar os compromissos de Baleia com propostas do nosso campo antes de fecharmos apoio a ele”, completou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Além dos compromissos com pautas progressistas, a expectativa entre parlamentares da oposição e até mesmo aliados do centro é que Baleia tenha uma postura semelhante a adotada por Rodrigo Maia.

Com isso, espera-se defesa frequente da independência do Parlamento em reação ao Executivo, adotando postura crítica quando houver necessidade.
A aposta é que, assim como o atual presidente da Casa, o emedebista seja alinhado com a agenda econômica do Palácio do Planalto, mas deixe de lado a agenda de costumes.

Ao Valor, um ex-ministro de Temer disse esperar que Baleia dê mais demonstrações de que é um candidato crítico ao governo, em uma estratégia de associar a candidatura de Lira a Bolsonaro.

Do lado do Planalto, porém, a avaliação é que uma eventual vitória de Baleia não será uma tragédia. Isso porque há a leitura de que o emedebista “é mais reformista” do que o próprio líder do PP.

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Lira aposta em dissidência para presidir Casa

Marcelo Ribeiro

04/01/2021

 

 

Candidato do presidente Jair Bolsonaro à presidência da Câmara começa a percorrer Estados para cavar defecções em base de adversário
Candidato à presidência da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) iniciará amanhã uma maratona de viagens pelo país com o objetivo de ampliar sua base de apoio. Capitais da região norte do país serão os primeiros destinos do líder do PP na Casa.
Os aliados de Lira avaliam que o início da maratona do deputado do PP será “determinante” para que ele consolide vantagem na disputa pelo comando da Câmara. A leitura feita por interlocutores do parlamentar é que ele está adiantado em relação ao principal adversário, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP).
Enquanto o emedebista ainda negocia com a oposição para que os partidos apoiem formalmente sua candidatura, Lira faz uma ofensiva no varejo, tentando atrair apoio em conversas individuais, viajando Estado por Estado.

A agenda prevê que ele desembarcará amanhã em Belém, e vá a Manaus na quarta-feira, onde se encontrará com o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). O parlamentar amazonense chegou a se colocar como possível candidato ao comando da Casa, mas desistiu e seguiu o caminho do seu partido, que é uma das legendas mais alinhadas com o líder do PP.
A estratégia da campanha é que o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro para presidir a Câmara dos Deputados viaje quatro dias por semana pelo país e permaneça três dias em Brasília até a eleição da Mesa Diretora da Casa, que ocorrerá no início de fevereiro.
Ainda que encabece a ofensiva por votos, Lira conta com uma tropa de choque para tentar ampliar a base que sustenta sua candidatura.

Alguns parlamentares de legendas que compõem seu bloco, como PP, PL, Republicanos e PSD, foram escalados para atuar na linha de frente da sua campanha. Nomes como Cacá Leão (PP-BA) e Domingos Neto (PSD-CE) fazem parte do time.

Às vésperas do ano novo, Lira permaneceu reunido até o fim da noite com aliados no gabinete da liderança do PP na Câmara na terça-feira. O objetivo do encontro era aparar as últimas arestas antes de Lira sair em campanha pelo país.
Durante as viagens, o líder do PP pretende se reunir com parlamentares de cada um dos Estados para cavar dissidências nas legendas que sustentam a candidatura de Baleia.

Nas contas de integrantes do bloco de Lira, a aposta é que é possível conquistar pelo menos 40 votos de partidos de esquerda, especialmente no PT, no PSB e no PDT.
A avaliação é que Baleia não conseguirá a unanimidade de votos dentro do PT por ser do MDB, partido do ex-presidente Michel Temer, que assumiu o comando do Palácio do Planalto após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Já no PSB, a esperança é sustentada pelo aceno já feito por uma ala do partido presidido por Carlos Siqueira ao candidato do PP. A Executiva Nacional interferiu, mas ainda há um forte movimento indicando que haverá dissidência na votação para escolher o próximo presidente da Câmara.
Segundo fontes, um dos fatores que incentiva a resistência de integrantes do PSB é a postura do líder do partido na Casa, Alessandro Molon (RJ). Reservadamente, parlamentares pessebistas avaliam que o deputado do Rio de Janeiro encaminhou negociações para apoiar a postulação de Baleia sem consultar o restante da bancada.
No PDT, há a expectativa de que deputados mais próximos do líder da oposição na Câmara, André Figueiredo (CE), o acompanhem em uma provável dissidência. Figueiredo declarou publicamente que não acredita que Lira seria subserviente ao governo mesmo contando com o apoio de Bolsonaro para assumir a presidência da Câmara.
Já entre as legendas mais alinhadas com Baleia, aliados de Lira acreditam que “boa parte do PSL”, especialmente os nomes mais próximos de Bolsonaro, apoiará a candidatura do líder do PP. A leitura é que a cúpula do partido, como Luciano Bivar e Antônio Rueda, articulou uma composição com o deputado do MDB sem consultar parlamentares do PSL que mantêm forte ligação com o presidente.

Além disso, o possível embarque do PT na base de apoio do líder do MDB também aumentaria a disposição em votar no candidato do PP. “No PSL, não há direita e esquerda. Todo mundo é direita. A pressão nas ruas para que eles não se juntem ao PT já começou e deve virar votos a favor de Lira”, disse um aliados do líder do PP ao Valor.

Desse mesmo grupo, também há a expectativa que Lira conseguirá votos no DEM e no PSDB. Na legenda de Maia, a avaliação é que o presidente da Câmara não considerou a possibilidade de apoiar Elmar Nascimento (BA) para sucedê-lo, o que teria provocado movimento de resistência a Baleia entre correligionários mais ligados ao parlamentar baiano. Entre os tucanos, deputados menos alinhados com o governador de São Paulo, João Doria, também já teriam feito aceno de possível apoio à candidatura de Lira.