Correio braziliense, n. 21009, 01/12/2020. Mundo, p. 11

 

Primeira reunião oficial

01/12/2020

 

 

Conhecidos por manter uma relação pouco amigável, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o da Argentina, Alberto Fernández, tiveram o primeiro encontro oficial. Feita por videochamada no fim da manhã de ontem, a reunião privada se deu quase um ano depois de Fernández assumir o cargo. Não foi divulgado o conteúdo da conversa, mas, segundo o governo argentino, os chefes de Estado celebraram remotamente o Dia da Amizade entre ambos os países, que evoca o embrião do Mercosul, há 35 anos.

"É um dia muito importante para a Argentina e o Brasil e para todo o continente porque, pela primeira vez, as pessoas começaram a pensar na integração do continente", anunciou Fernández, lembrando a data. O líder argentino também ressaltou a importância de fortalecimento do bloco. "Estou realizando essa reunião para dar ao Mercosul o impulso de que precisa, e é imperativo que Brasil e Argentina o façam juntos."

Bolsonaro, segundo o comunicado, destacou que o bloco é "o principal pilar de integração" e pediu a geração de "mecanismos mais ágeis e menos burocráticos", além do aprofundamento do turismo entre as duas nações. O governo brasileiro não divulgou nota oficial sobre o encontro. Bolsonaro participou da videoconferência ao lado do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do secretário Especial de Assuntos Estratégicos, Flávio Viana Rocha.

Ainda de acordo com o comunicado da Casa Rosada, Fernández demonstrou preocupação com questões ambientais e de segurança. "Continuamos avançando nas questões de segurança e das Forças Armadas e temos de trabalhar juntos na questão ambiental, que é um assunto que nos preocupa muito. Temos de fazer um acordo de preservação", ressaltou.

O presidente brasileiro, por sua vez, destacou que as Forças Armadas "têm uma excelente integração" e sinalizou áreas em que tem interesse em formar parecerias. "Vamos fortalecer nossa integração nas indústrias de defesa e avançaremos no combate ao narcotráfico e ao crime transnacional."

Ataques

Fernández lidera uma aliança de peronistas de esquerda e direita, com enormes diferenças nas políticas econômicas, de saúde e sociais em comparação às adotadas pelo governo brasileiro. Desde que assumiu a Presidência da Argentina, em dezembro último, tem sido alvo de ataques de Bolsonaro. Em outubro, em uma live, o brasileiro lamentou a volta da "esquerdalha da Cristina Kirchner", fazendo referência à vice de Fernández, e a discussão, no país, de um projeto de descriminalização do aborto que conta com o apoio do presidente. "Deram tanta porrada no Macri, chamaram de tudo quanto é coisa, tá aí, povo argentino, lamento, é o que vocês merecem", falou.

Bolsonaro declarou apoio publicamente à reeleição do então presidente do país, Maurício Macri, e se negou a cumprimentar Fernández pela vitória. Chegou a dizer que o Brasil poderia ser atingindo por uma onda de pessoas fugindo da Argentina caso os políticos de esquerda vencessem as eleições. Fernández rebateu, chamando o brasileiro de "racista, misógino e violento".

Outro momento tenso se deu quando, ainda candidato à Presidência, Fernández visitou o ex-presidente Lula da Silva em uma prisão de Curitiba. "O Brasil não merece ter uma mancha como a prisão de Lula. O povo brasileiro não merece", disse o argentino sobre a situação do amigo. Bolsonaro interpretou a declaração como uma intromissão na vida interna brasileira. "A Argentina está caminhando rapidamente para um regime semelhante ao da Venezuela", disse o presidente.

Houve cruzamentos de notas diplomáticas entre os dois países no começo do governo Fernández, mas as agressões diminuíram quando a pandemia do novo coronavírus se espalhou pelo continente. Ontem, o argentino pediu para que os países deixem "as diferenças no passado e enfrentem o futuro com as ferramentas que funcionam bem entre eles".