Valor econômico, v. 21, n. 5159, 04/01/2021. Brasil, p. A5

 

Prefeitos pedem vacina e diálogo em posses

Manu Delgado

04/01/2021

 

 

Discursos destoam do negacionismo de Bolsonaro sobre covid-19 e reforçam importância da política
A ênfase sobre a importância da vacinação contra a covid-19, cobranças sobre a urgência de um plano nacional de imunização e a defesa de princípios sanitários e científicos no combate ao coronavírus foram temas marcantes nos discursos de prefeitos das capitais que iniciam novos mandatos agora em 2021. Entre os 26 prefeitos empossados, 21 citaram os efeitos trágicos da doença nas dinâmicas sociais e econômicas das cidades. Muitos registraram a necessidade de iniciar planos de geração de emprego e renda no pós-pandemia, o que dependerá da imunização.
Os discursos, de forma geral, contrastam com a visão negacionista do presidente Jair Bolsonaro sobre a covid-19, ainda que seu nome não tenha sido citado. No geral, os novos gestores municipais, independentemente do campo político-ideológico ao qual pertencem, também reforçaram compromissos com a política, a necessidade de construção de consensos mínimos e diálogo com os poderes, em especial com os legislativos locais, para o enfrentamento coletivo do cenário atual.
O reconhecimento de divergências políticas e o pedido de respeito à diversidade foram tônicas de boa parte de discursos dos empossados que distanciam muito o clima político atual do observado nas posses de 2019, quando Bolsonaro chegou ao poder na onda da antipolítica e com uma pregação de aniquilamento dos adversários.
Apesar de alguns prefeitos reconhecerem dificuldades orçamentárias, em especial o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), a preocupação com a austeridade fiscal não é preponderante na visão dos novos gestores, sobretudo num momento em que a covid-19 continua a demandar novos gastos.
O prefeito reeleito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), adotou o tom mais ácido, sem grandes sutilezas na retórica crítica ao governo federal. “Já é passada a hora da ciência e das evidências serem preponderantes diante do recalque, da negação, da verborragia, do império da mediocridade [...] Que as tão esperadas vacinas estejam à disposição - o mais breve possível - para todos os brasileiros, e que o país possa seguir adiante”, disse o tucano. Segundo Covas, a capital está pronta “para vacinar em massa”.
“A crise social e econômica decorrente da pandemia são profundas. Por isso, é fundamental conversar de forma generosa e aceitar as diferenças”, reforçou. O tucano salientou que a política não é terreno para os intolerantes e lacradores das redes sociais.
No Rio, Eduardo Paes já anunciou a criação do Centro de Operacões de Emergências (COE Covid-19), com definições de estágios de risco por região administrativa da capital. Disse, ainda, que foram abertos 343 novos leitos para covid-19. Na mesma linha de Covas, Paes reforçou a necessidade do diálogo e tolerância. “É possível estabelecer consensos mínimos quando o interesse da cidade é colocado em risco [...] A força do contraditório tem que ser interpretada como algo positivo e que somará em nossos acertos e evitará eventuais erros.”
Paes reconheceu o desafio fiscal e a necessidade de redução do déficit gigantesco da capital para aumentar o volume de investimento público. O prefeito falou abertamente sobre duas reformas: a da previdência e de tributos.
Correligionário de Paes, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM), reiterou que “a palavra de ordem será combater o coronavírus”. “Não importa a nacionalidade da vacina, o que importa é sua eficácia e segurança.”
Reeleito no primeiro turno e alçado ao posto de nova liderança nacional, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD) pregou o diálogo com a Câmara Municipal e disse aos novos vereadores: “Estamos no mesmo barco. Estamos na mesma canoa”. Kalil, que passou a ser visto em seu partido como um nome forte para disputar o governo de Minas em 2022, reforçou que a capital é plural, “uma cidade de LGBTs, de cristãos, evangélicos, de negros, de brancos e assim continuará sendo”.
Mais jovem prefeito eleito no país, João Campos (PSB), que aos 26 anos governará a capital de Pernambuco, afirmou que sua prioridade será a imunização de toda a população recifense. “Jamais me omitirei enquanto houver vidas em risco. Não cairemos na armadilha da negação da ciência.”
Campos foi outro que enfatizou a importância do contraditório. “Como disse Dom Hélder, ‘se discordas de mim, tu me enriqueces’. A boa convivência com o contraditório é a essência da democracia”, frisou.
Também eleito pelo PSB, o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (JHC), criou uma coordenadoria para definir protocolos sanitários e a logística de imunização. “Estamos vivendo um período atípico, muito diferente e muito difícil. Mas com unidade, com largueza de visão, a gente vai conseguir transpassar muitos dos obstáculos”, afirmou.
Eleito com apoio de Ciro Gomes em Fortaleza, José Sarto (PDT) afirmou que “não há tempo nem espaço para o negacionismo que despreza a ciência”. A vacina, complementou, é crucial para a retomada das aulas presenciais e para a recuperação econômica.
“Imunização já!”, pediu o prefeito Rafael Greca (PSD), reeleito em Curitiba. Ele disse aguardar definições dos governos federal e estadual para traçar os limites de ação do município e lamentou o fato de o Paraná não ter possibilidade de produção e distribuição de vacinas anti-covid-19. “Não pouparei esforços até o momento em que [] todos possamos ser imunizados e estarmos livres desse vírus”, declarou Greca.
Mesmo prefeitos com perfil à direita, como o de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que se elegeu com apoio de simpatizantes de Bolsonaro para derrotar a candidata Manuela d’Ávila (PCdoB), enfatizaram a importância de um Plano Nacional de Imunização.
“Vamos trabalhar pela vacina. Acredito que o governo federal vai colocar a vacina à disposição da população, creio piamente nisso. Vacina não pode ser ideológica, de onde vier é bem vinda, desde que seja testada”, disse. E foi além: “Se o governo federal não der sinais claros, nós vamos fazer um consórcio metropolitano, nós vamos comprar a vacina para o povo de Porto Alegre, inclusive removendo orçamento de um lugar pra outro, porque a vida em primeiro lugar”.
Em São Luís, Eduardo Braide (Podemos) prometeu divulgar um plano municipal de imunização. “Teremos a missão de juntos enfrentarmos essa pandemia e por isso, criei um grupo formado por especialistas em imunização para que a gente possa apresentar já nos próximos dias um plano municipal de vacinação, para que tão logo as vacinas sejam liberadas pelas autoridades sanitárias."