O globo, n.31894, 02/12/2020. País, p. 6

 

Em construção

02/12/2020

 

 

Depois de uma eleição em que partidos de centro foram vitoriosos e com escassas vitórias de candidatos para quem declarou apoio, o presidente Jair Bolsonaro vem intensificando conversas com líderes partidários a fim de encontrar uma legenda para se lançar à reeleição. Bolsonaro tem sido aconselhado a dialogar com partidos já estruturados e com recursos, inclusive do centrão, para escolher a nova casa. Porém, deputados da ala ideológica insistem para que ele volte ao PSL, de Luciano Bivar, e negociam com o partido uma reformulação para abrigar o presidente.

A necessidade de reunir aliados em uma só legenda — a dispersão da eleição municipal mais recente foi vista como um fator responsável por derrotas — também apressou o passo das discussões. Com a lentidão na criação do Aliança Pelo Brasil, aliados do governo listam como opções o PSL; o PSD, de Gilberto Kassab; o PP, do senador Ciro Nogueira; o PTB, de Roberto Jefferson; o Republicanos, presidido por Marcos Pereira; e o Patriota, de Adilson Barroso. A tendência, segundo auxiliares do governo, é que o chefe do Executivo evite se movimentar ou tenha agendas públicas com líderes partidários até passar a eleição das presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro de 2021. Após a definição de forças nas duas casas, aí sim, ele faria sua escolha.

Nos últimos três meses, o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) tem negociado com a cúpula do PSL uma reformulação da legenda para transformá-la novamente na casa de Bolsonaro. Os deputados ideológicos preferem continuar na sigla pela qual foram eleitos, que detém o segundo maior fundo eleitoral — foram quase R$ 200 milhões neste ano—aterem de buscar abrigoem outra legendas em recursos ou estrutura paras e lançaremàre eleição em 2022.

A negociação envolveria escantear inimigos de Bolsonaro: os deputados federais Júnior Bozzella (SP), Joice Hasselmann (SP), Dayane Pimentel (BA) e Nereu Crispim (RS) e o senador Major Olimpio (SP).

Nas tratativas, alguns deputados pedem que Bivar entregue as chaves do partido a Bolsonaro, dando ao presidente controle sobre recursos e sobre quem ocupará diretórios estaduais. Nenhum dirigente, porém, do PSL ou de outras siglas grandes, se diz disposto a isso. As costuras passam por redistribuir comandos de diretórios estratégicos que recebem recursos para manter suas estruturas e impulsionar as candidaturas nos estados.

Deputados bolsonaristas chegaram a pedir que a legenda mudasse de nome e passasse a se chamar Aliança, mas a ideia foi rejeitada.

A cúpula do PSL evita falar abertamente sobre as conversas com o governo antes das eleições da presidência da Câmara. A legenda, que se diz independente, trabalha para lançar Bivar como sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os deputados bolsonaristas, hoje suspensos do partido, perderam a esperança de criar o Aliança pelo Brasil no prazo estipulado por Bolsonaro, que vence em março, e buscam fazer as pazes coma cúpula do PSL

Dirigentes da legenda, por ou trolado, admitem que possa haver negociações no sentido de ajustar o partido para abrigar não só o presidente, mas também as alas ideológicas, conservadoras e também deputados da “velha política” que o partido quer filiar. A ideia é definir diretorias internas, com orçamentos definidos para cada grupo. Assim, o partido espera não reduzir de tamanho em 2022, já que o pleito municipal mostrou um enfraquecimento dos ideológicos nas urnas.

Caso opte por um partido alinhado ao centrão, Bolsonaro terá ainda de afinar o discurso par atentar convencera militância a aceitar o movimento de se associar à “velh apolítica ”, além de vencera resistência de alguns líderes partidários.

A aliados, o deputado Marcos Pereira demonstrou resistência em abrigar no Republicanos os 20 deputados que acompanhariam Bolsonaro no ato da filiação, sob alegação de preferir ter o controle de um abancada de 31 deputados doque perder o rumo com deputados insubordinados que não dialogariam com o restante da bancada.

DENOMINAÇÕES RELIGIOSAS

Interlocutores do presidente no meio evangélico vêm aconselhando Bolsonaro a evitar o Republicanos pela ligação da legenda com Igreja Universal do Reino de Deus, o que poderia afastá-lo de outras denominações religiosas.

Já o presidente do PSD, Gilberto Kassab, negou a possibilidade de Bolsonaro se filiarà sigla, frisando, porém, ter pautas convergentes como governo. Afiliaçãoé defend id apor integrantes dodo Planalto.

— Temos respeito pelo governo Bolsonaro, mas o PSD é um partido de centro. Não está no estatuto o unos objetivos do partido ser um partido de direita. Esseéo motivo pelo qual Bolsonaro não vai se filiar ao PSD —disse Kassab.

Um aliado do presidente, integrante da bancada evangélica, defende uma volta ao PP, partido do qual Bolsonaro se desfiliou em 2016 citando o envolvimento de lideranças coma corrupção. Um dos motivo sé a aliança construída com o deputado Arthur Lira (PP-AL), tido como “fiador da governabilidade”. A avaliação é que a legenda permitiria ao presidente garantir em 2022 apoios de outras siglas do centrão, como o PL.

ALTERNATIVAS DO PRESIDENTE

PSD

O partido de Gilberto Kassab e ao qual Fábio Faria, ministro das Comunicações, está filiado, começou a ser ventilado como opção ao presidente da Câmara, Jair Bolsonaro. Já há conversas no Planalto sobre essa possibilidade, mas o líder da lenda nega, sob a justificativa de que há diretrizes convergentes com o governo. Kassab também reforça a ideia de que o PSD é um partido de centro; não é uma festa certa.

PSL

Depois de deixar o partido devido a brigas com o cacique Luciano Bivar, pelo controle de fundos partidários e eleitorais, Bolsonaro pensa em voltar. Mas não será nos moldes que ele deseja. Bivar já descartou a expulsão de desafetos, uma das condições do presidente, e a ideia de trocar o nome da lenda por Aliança pelo Brasil. Uma opção é que o PSL seja dividido em enfermarias para que uma delas abrigue bolsonaristas.

PP

Partido ao qual o Bolsonaro esteve filiado de 2005 a 2016, o PP tornou-se um destino possível pelo bom relacionamento que mantém com o presidente da lenda, o senador Ciro Nogueira (PI). Membros da base do governo argumentam que o retorno ao PP facilitaria a relação do Bolsonaro com a Câmara e que também atrairia o apoio de outras siglas do centrão na campanha pela reeleição de 2022.

REPUBLICANO

Uma das opções que também está no radar do Bolsonaro são os republicanos, partido que já acomoda dois de seus três filhos, Carlos e Flávio. O convite para ingressar na lenda, inclusive, foi feito pelo bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus. O presidente da sigla, Marcos Pereira, porém, já disse que não cede o comando do partido a ninguém, “nem ao presidente da República”.

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Acabou a lua de mel entre a Universal e o presidente

Thiago Prado 

02/12/2020

 

 

O resultado das eleições municipais e a sucessão para a presidência da Câmara explicitam a cada dia o fim da lua de mel entre a igreja Universal do Reino de Deus e Jair Bolsonaro, parceria iniciada em 2018 após o bispo Edir Macedo se posicionar a favor do então candidato do PSL na corrida ao Planalto.

Bolsonaro até tenta, em alguns momentos, fazer acenos à Universal. Em Angola, por exemplo, a igreja teve seus templos fechados devido a acusações de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, e o governo tentou agir diplomaticamente.

Ontem, a propósito, o si tedo GLOBO mostrou que o Ministério das Relações Exteriores tornou sigilosos 68 dos 71 telegramas enviados para o país, o que torna impossível saber que tipo de ações o presidente e seus assessores buscaram para ajudar Macedo na África.

Há, contudo, assuntos domésticos que vêm incomodando a igreja. A começar pela hesitante participação de Bolsonaro na campanha de Marcelo Crivella no Rio. Embora tenha gravado vídeos de apoio, em uma live no primeiro turno elogiou o prefeito eleito Eduardo Paes chamando-o de “bom administrador”. Além disso, os panfletos de campanha do filho Carlos Bolsonaro distribuídos na cidade sequer faziam referência a Crivella. No segundo turno, o presidente escancarou a má vontade com o atual prefeito do Rio e recusou-se a fazer uma agenda de rua com ele.

Outra postura de Bolsonaro criticada dentro da igreja está no apoio dado à candidatura de Arthur Lira( PP) para a presidência da Câmara. A intenção de Marcos Pereira, que comanda o Republicanos, de suceder Rodrigo Maia vem sendo ignorada pelo Planalto. A irritação de Pereira pôde ser detectada em entrevistas na semana passada. Emmeio às especulações sobre qual partido será escolhido por Bolsonaro, Pereira deixou claro que quem mandará na sigla será ele mesmo em caso de filiação.

Acende-se um alerta para 2022: a história mostra a Universal sem problema nenhum dedar ou retirar apoios na política. Depois deter cargos nas gestões petistas, foi favorável ao impeachment de Dilma Rousseff. Se é verdade que faz parte da base de Bolsonaro, também faz o mesmo com João Doria em São Paulo. E, um dia depois da vitória de Paes no Rio, os sete vereadores eleitos do Republicanos já declararam que não farão oposição àquele que impôs uma derrota acachapante ao projeto de poder da igreja no Rio.