Correio braziliense, n. 21008, 30/11/2020. Política, p. 6

 

Abstenção chega a 29,4%

Luiz Calcagno 

30/11/2020

 

 

O número de abstenções no 2º turno das eleições municipais foi de 29,47%. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, considerou a cifra alta, mas destacou que, em meio à pandemia do novo coronavírus, 70,5% dos brasileiros foram às urnas nas 57 cidades brasileiras que restavam para escolher um prefeito. Diante da conjuntura, Barroso considerou que "o copo está meio cheio". O número de brasileiros que optaram por não ir às urnas nas maiores cidades do país, porém, é maior do que a cifra geral. O Rio de Janeiro teve 35,45% de abstenções, a maior de sua história, superando o número de votos do vencedor, o prefeito eleito Eduardo Paes: 1,7 milhão de cariocas deixaram de ir às urnas, enquanto Paes recebeu 1,6 milhão de votos. Já em São Paulo (SP), o número de não votantes foi de 30,8%. Especialistas apontam que os números vêm crescendo a cada pleito.

Questionado sobre o quadro geral, Barroso foi pragmático. Disse que não se deve "virar as costas para a realidade", e que o aumento é "inegável". "Porém, é um aumento em meio a uma pandemia. Talvez, a maior crise de saúde pública da nossa geração. Desde a gripe espanhola não aparece nada parecido, em que muitas pessoas estão compreensivelmente atemorizadas, em que há grupos de risco bem definidos. E, portanto, se considerarmos que, se conseguimos realizar uma eleição em uma pandemia, com mais de 70% de comparecimento, eu olharia para o copo meio cheio, e não para o meio vazio", avaliou.

Enquanto o país acumula 172,8 mil mortos por covid-19 e mais de 6,3 milhões de casos confirmados, o doutor em ciência política e professor do departamento de ciências sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Ricardo Ismael acredita que o cenário pandêmico pode ter influenciado os eleitores. Principalmente, considerando o risco para quem tem mais de 60 anos e a não obrigatoriedade do voto para os acima de 70. Ainda assim, o estudioso alerta, o número é muito alto para ser justificado unicamente com a pandemia. "Eu acho que quando você olha para algumas cidades como Rio e São Paulo, antes da pandemia, já havia um crescimento do chamado não voto", apontou.

Representatividade

O especialista destaca que, somados as abstenções e votos brancos e nulos, tanto no Rio quanto em São Paulo, a porcentagem de candidatos aptos a votar que decidiram não escolher nenhum dos candidatos passa dos 40%. "Isso não é generalizado. Ocorre em algumas cidades, mas são as principais: Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre", elencou. "Isso mostra que o candidato vencedor vai começar a gestão com um grupo que votou no adversário; e outro, que é muito grande, que não votou nele e está desencantado com a política, e terá de ser conquistado", apontou.

O risco maior é que a legitimidade democrática depende do comparecimento às urnas por parte da população. "Nossa democracia está sendo questionada quando uma quantidade tão grande não vota, não comparece, ou vota branco e nulo. E os prefeitos eleitos terão que se dirigir a esse público. No Rio de Janeiro, 47% não votaram em nenhum dos candidatos. Tinha muita gente que não gostava do Eduardo Paes ou do (Marcelo) Crivella. É um grupo que simplesmente se afastou do processo (...) E não é pouca gente. É uma expressão grande do eleitorado. Tem muita gente que simplesmente se alienou", destacou o especialista.

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Apuração ocorreu sem atraso 

30/11/2020

 

 

Pouco mais de 26,6 milhões de brasileiros foram às urnas para escolher prefeitos de 57 cidades no segundo turno. O último município a apurar os votos foi Rio Branco (AC), que tem fuso horário com duas horas a menos que Brasília. Ainda assim, às 21h11, todas as cidades estavam com os votos 100% apurados com 70,5% dos eleitores tendo comparecido aos colégios eleitorais. Foi mais ágil do que no primeiro turno, quando o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, divulgou o resultado próximo à meia-noite, por conta de um erro de processamento da inteligência artificial do supercomputador da instituição.

Barroso destacou que as eleições municipais de 2020 contaram com um sensível aumento de candidatos representantes de minorias. "Tivemos 649 mulheres prefeitas e 875 mulheres como vice, 12,05% das prefeitos do Brasil são mulheres. É um número baixo, mas que se elevou em relação a pleitos anteriores. Candidatos denominados pretos ou pardos subiram de 29% para 32%", apontou o ministro. Além dos números do boletim, as tentativas de ataque cibernético ao sistema do TSE e as críticas à credibilidade do voto digital por parte de políticos de extrema-direita, incluindo o presidente Jair Bolsonaro dominaram a coletiva de anúncio do resultado das eleições.

Dessa vez, não houve ataque cibernético ao sistema do TSE. Apesar disso, o delegado da Polícia Federal, Rolando Alexandre, responsável pelo inquérito que investiga o hacker português e outros três brasileiros que realizaram a tentativa de ataque em 15 de novembro, afirmou que havia um plano de nova investida, que não ocorreu. O presidente do TSE destacou que, no grupo, há hackers que fazem ataques para testar a própria capacidade tecnológica, para cobrar resgate, e "há os que querem atacar a democracia, o sistema eleitoral, para tornar instituições vulneráveis".

Segurança

Sobre as críticas, Barroso explicou como funciona o processo eleitoral com as urnas eletrônicas "aos que não entenderam". E ironizou, depois: "Aos que não querem entender, não há remédio jurídico".

"Eu não tenho controle sobre o imaginário das pessoas. Tem gente que acha que a Terra é plana, que o homem não pisou na Lua e que o (Donald) Trump ganhou as eleições dos Estados Unidos. Não há como fraudar (o sistema) sem detectar. O sistema está aí desde 1996. Elegemos o presidente Fernando Henrique Cardoso duas vezes, o presidente Lula, duas vezes; a presidente Dilma (Rousseff), duas vezes; e o presidente Jair Bolsonaro. Não vejo, honesta e sinceramente, nenhuma razão para colocar em dúvida o processo". (LC)