O globo, n.31893, 01/12/2020. País, p. 10

 

Onde o eleitor não foi à urna

Marlen Couto 

01/12/2020

 

 

A taxa de abstenção não só bateu recorde no segundo turno das eleições municipais, alcançando quase 30% do eleitorado, como também, em muitas cidades brasileiras, superou a votação do prefeito eleito. Levantamento feito pelo GLOBO, com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aponta que em dez municípios, dos 57 que que tiveram segundo turno no domingo, o número de eleitores que não compareceram às urnas foi maior do que o total de votos recebidos pelo vencedor do pleito.

Entre as capitais, Rio, Goiânia e Porto Velho tiveram abstenção maior do que a votação do primeiro colocado e dimensionam o impacto no pleito, que ocorreu em meio à pandemia de Covid-19. No Rio, Eduardo Paes (DEM) foi eleito com 1,629 milhão de votos, enquanto 1,720 milhão de eleitores não compareceram à votação, diferença de 90 mil.

Em Goiânia, cidade que teve a maior taxa de abstenção de todo o país no segundo turno, de 36%, Maguito Vilela (MDB) recebeu 79 mil votos a menos que o total de eleitores que não foram às urnas. Em Porto Velho, essa diferença foi menor, de apenas três mil eleitores. Hildon Chaves (PSDB) recebeu 109,9 mil votos contra abstenção de 113,8 mil, em números absolutos.

Fora das capitais, eleitos também perderam para a abstenção em Campinas (SP), Ribeirão Preto (SP), São Gonçalo (RJ), Piracicaba (SP), Franca (SP), Petrópolis (RJ) e Governador Valadares (MG). A maior diferença, proporcionalmente, foi observada em Campinas. Eleito, Dario Saad (Republicanos) recebeu pouco mais de 222 mil votos, enquanto 297 mil eleitores decidiram não votar. Em São Gonçalo, segundo maior colégio eleitoral do Rio, Capitão Nelson (Avante) venceu com 189 mil votos, mas 223 mil eleitores não participaram da eleição.

SEGUNDOS COLOCADOS

Em outras 23 cidades, a abstenção foi maior do que o total de votos recebidos pelos candidatos que ficaram em segundo lugar na disputa. É o caso de seis capitais, entre elas São Paulo, onde Guilherme Boulos (PSOL), derrotado por Bruno Covas (PSDB), conquistou 600 mil votos a menos do que o total de eleitores que não foram às urnas. O mesmo fenômeno ocorreu em Porto Alegre. Lá, Manuela D’Àvila (PCdoB) recebeu 307 mil votos, enquanto a abstenção somou 357 mil eleitores da capital gaúcha.

Além de crescer na comparação com anos anteriores, a abstenção também foi maior no segundo turno. O comparecimento passou de 76,8% dos eleitores para 70,5% nas cidades que tiveram eleição no domingo.

Os percentuais se aproximam do registrado na eleição presidencial dos Estados Unidos no início de novembro, país onde o voto não é obrigatório e no qual foi possível participar da eleição também pelo correio. A disputa em que Joe Biden, do partido Democrata, derrotou o republicano Donald Trump, porém, registrou comparecimento de 66,7%, o maior patamar dos últimos cem anos.

Assim como nos EUA, em outros 19 países houve alta na participação eleitoral durante a pandemia, de acordo com dados do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea). Mas eles não foram maioria. Ao todo, 35 nações viram suas taxas de abstenção crescer em pleitos realizados nos últimos meses, entre elas a França, que nas eleições municipais de março registrou recorde de não comparecimento, e o Uruguai, que em setembro protagonizou o primeiro pleito durante a pandemia na América do Sul.

Coordenadora do Bacharelado em Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio (UniRio), Marcia Ribeiro Dias pesquisa a abstenção eleitoral no Brasil e alerta para o ineditismo da eleição municipal de 2020. Ela destaca que diversas capitais registraram alienação eleitoral — total de eleitores que se abstêm ou votam em branco e nulo —acima de 40%. No Rio, esse percentual, entre os aptos a votar, chega a 47%.

— Os eleitores estão mandando um recado. O resultado contraria a literatura da ciência política. Sabemos que, quanto maior a competitividade de um pleito, maior tende a ser o comparecimento dos eleitores, mas isso não aconteceu, mesmo em cidades como São Paulo e Porto Alegre, com projetos tão distintos. Então, a principal hipótese é a de que a alta alienação eleitoral expressa o desencanto com a política, com a nossa democracia —conclui Marcia.

A pesquisadora também descarta uma associação imediata entre o crescimento da abstenção, principalmente nas capitais, e a pandemia:

— A gente precisa tomar cuidado. No Rio, mais de 30% dos eleitores não compareceram. Mesma cidade em que as praias, os bares e o transporte público ficam lotados. Outro aspecto foi a facilitação da justificativa. O aplicativo da Justiça Eleitoral facilitou a vida de quem não queria votar.

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No Rio, zonas com mais idosos tiveram menor comparecimento 

01/12/2020

 

 

Num segundo turno em meio ao recrudescimento dos casos e das mortes por Covid-19 no Rio, a abstenção recorde de 35,45% na cidade foi superior justamente nas regiões com maior proporção do eleitorado com 60 anos ou mais, considerado um dos principais grupos de risco da doença. As cinco zonas eleitorais cariocas em que mais eleitores deixaram de ir a suas seções no último domingo também são as que têm mais idosos.

Em qualquer um desses dois critérios, a lista é encabeçada pela 5ª ZE, de Copacabana, onde quase a metade (47,32%) dos aptos a votar pulou o compromisso com as urnas e que tem 43,87% de seu eleitorado com 60 anos ou mais, de acordo com os números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No pleito municipal de 2016, as zonas eleitorais que hoje integram a 5ª ZE já tinham uma média de abstenção acima da registrada no município. No entanto, nesse quesito, eram superadas por regiões como a da antiga 1ª ZE, no Centro da cidade.

Agora, em 2020, além de Copacabana, os maiores registros de não comparecimento às urnas ocorreram na 17ª ZE, do Leblon e seu entorno (44,85%); na 4ª ZE, na região de Botafogo (42,79%); na 7ª ZE, da Tijuca (40,35%); e na 16ª ZE, de Laranjeiras e suas imediações (42,43%). Todas têm mais de um terço dos eleitores idosos, boa parte maior de 70 anos, cujo voto é facultativo.

Na outra ponta desse ranking, todas as zonas com menos abstenções estão entre as que têm o eleitorado menos envelhecido, a maioria na Zona Oeste. É o caso da 246ª ZE, de Cosmos, Paciência, Campo Grande, Inhoaíba e Santa Cruz. É o lugar onde a maior proporção de pessoas compareceu às urnas no domingo, com 26,83% de abstenção. Ali, só 18,59% do eleitorado têm 60 anos ou mais, o que faz da região a quinta com menos idosos no Rio.

ÍNDICE PREVISTO

Desde 2014, o TSE costuma divulgar o perfil dos eleitores que não têm votado —o que, para 2020, deve ser consolido mais adiante. Antes mesmo da eleição, no entanto, cientistas políticos e a própria Justiça Eleitoral temiam um alto índice de abstenção devido à pandemia. Neste segundo turno, no Rio, ela foi 15 pontos percentuais acima da registrada na eleição municipal de 2012, quando Eduardo Paes foi eleito em primeiro turno para seu segundo mandato na capital fluminense.

Se apenas os dados mais detalhados do TSE vão poder responder se, de fato, foram os idosos os que menos votaram, até quando se analisa a abstenção por dentro das regiões da cidade se observa que ela foi maior onde há pessoas mais velhas. Na Zona Oeste, por exemplo, excetuando a Barra e a Grande Jacarepaguá, a zona eleitoral com maior proporção de faltantes foi a 233ª ZE, de Realengo, Padre Miguel e Bangu — é também a área com maior proporção de eleitores de 60 anos ou mais dessa região, 30,4% do total.

A análise das abstenções revelou ainda que eventos como o confronto no Morro da Serrinha, em Madureira, na véspera da votação, ou a greve de rodoviários de duas empresas da Zona Oeste, no domingo de eleição, não modificaram significativamente a presença nas urnas nessas áreas, uma vez que, em média, o não comparecimento às urnas cresceu em toda a cidade neste segundo turno.