Correio braziliense, n. 21006, 28/11/2020. Brasil, p. 5

 

Maia: Congresso deve atuar pela igualdade

Luiz Calcagno 

28/11/2020

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse, ontem, que o racismo no Brasil é estrutural e defendeu que o Congresso encontre soluções junto com a sociedade para o problema. Ele participou de reunião da comissão externa que acompanha o caso João Alberto Silveira Freitas, morto por asfixia depois de ser agredido por seguranças de uma loja do Carrefour, em Porto Alegre, no último dia 19.
Maia classificou o episódio como "tragédia" e um "absurdo". E afirmou que é necessário que parlamentares discutam a discriminação racial de forma permanente na Casa para que o Brasil seja um país com menos desigualdades.

"Infelizmente, a gente sabe que o racismo no Brasil é uma questão estrutural, não vem de hoje, vem de longe. Acho que nós precisamos, de forma definitiva, aproveitar este momento e esse grupo para que gente possa fazer um debate com apoio da sociedade e a gente possa introduzir de forma definitiva na pauta da Câmara essa questão e as soluções que a política precisa encontrar junto com a sociedade", afirmou.

Deputados da comissão, alias, levarão ao plenário o Projeto de Decreto Legislativo da Câmara (PDC) 861/2017, texto da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Segundo a promotora pública do Rio de Janeiro Lívia Casseres, coordenadora de promoção de equidade racial da defensoria, a proposta "permite reforçar projetos de lei e legislações já existentes no enfrentamento ao racismo".

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que presidiu o encontro, fez uma lista de iniciativas definidas a partir da discussão com os especialistas. Entre elas, um mapeamento de projetos de lei de combate ao racismo já existentes para serem debatidos e aprovados, a necessidade de reforçar o Estatuto da Promoção da Igualdade Racial e, também, acionar o Ministério Público do Rio Grande do Sul para que promotores transformem os compromissos de combate à discriminação listados pelo Carrefour em um termo de ajuste de conduta (TAC).

No caso das empresas de segurança, o professor de direito e relações internacionais da Fundação Getulio Vargas Thiago de Souza Amparo afirmou que é preciso acabar com a informalidade.

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Segurança nega que morte foi por racismo 

Bruna Pauxis 

Carinne Souza 

28/11/2020

 

 

O policial militar temporário Giovane Gaspar da Silva, que está preso preventivamente pelo assassinato do soldador João Alberto de Freitas, o Beto, no último dia 19, em Porto Alegre, prestou depoimento, ontem, à Polícia Civil, e alegou que não tinha interesse nem intenção de matar, e garantiu que não existiu motivação racial para as agressões.

O PM temporário, que está preso desde a noite do crime, admitiu os socos e chutes contra Beto, mas disse que sua intenção era apenas de imobilizá-lo. Nas imagens de segurança da loja, as agressões têm início depois que o soldador dispara um soco contra Giovane, que, junto com Magno Braz Borges –– que também está preso ––, o conduzia para o estacionamento do mercado.
No depoimento, que durou cerca de quatro horas, o policial temporário alegou que depois de tentar dar o soco, Beto teria ficado "agressivo". E, na tentativa de conter a situação, confirmou que, com o colega, procurou controlá-lo, até o momento em que perdeu os sentidos no que acreditaram ser um desmaio.

Três pessoas estão presas pelo assassinato de Beto: além de Giovane e Magno, Adriana Alves Dutra, fiscal dos seguranças que aparece nos vídeos sem intervir nas agressões enquanto filmava.
"Os vídeos e as imagens, para nós, são bastante claros. Houve um homicídio, praticado por um excesso doloso (quando há intenção), com uma série de qualificadoras", ressaltou a diretora do Departamento de Homicídios da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Vanessa Pitrez. "O que ainda estamos apurando são as motivações para tipificar adequadamente este fato. Que houve um homicídio, para nós, não há dúvida", salientou.

Já advogado de Giovane, David Leal, justificou que seu cliente tentou apaziguar a situação quando foi chamado para ir até o caixa em que Beto era atendido. Nesse momento, ainda segundo o defensor, o PM temporário encosta no ombro do soldador e pergunta se está tudo certo. Diante da resposta, os dois, mais Magno, seguem para fora do mercado.

Ainda segundo do advogado de Giovane, as imagens mostram Beto dando um soco em Giovane, que viu a atitude como "traiçoeira". O defensor ainda disse que seu cliente julgou o homem como uma pessoa "não confiável" e que, no momento em que pediu por socorro, quando disse que não conseguia respirar, achou que poderia ser blefe.

Sobre a motivação racista, a defesa de Giovane explicou que a alegação não é cabível, pois "quando ele chegou, o problema já estava instalado". Leal também disse que vai recorrer da decisão de prisão e enviar à Justiça um pedido de soltura do cliente.

Prorrogação
O inquérito, que estava previsto para ser encerrado ontem, foi prorrogado por mais 15 dias. A delegada responsável pelo caso, Roberta Bertoldo, justificou que a "prorrogação é necessária em razão de nós ainda não estarmos em posse dos laudos periciais, bem como de outras diligências que são fundamentais ao esclarecimento da autoria e de suas circunstâncias, como, por exemplo, a motivação (do crime)".

Por meio de nota, a rede Carrefour informou que segue em contato com a família de Beto e que fornecerá uma ajuda emergencial e uma assistente social para apoio psicológico à viúva, à filha e à ex-mulher da vítima. A empresa ressaltou, também, que está em processo de contratação de pessoas para trabalhar com segurança própria na loja de Passos D'Areia, onde houve o crime, e de mais duas unidades em Porto Alegre. E que criou um comitê para discutir o racismo estrutural no país com outras organizações.

* Estagiárias sob a supervisão de Fabio Grecchi